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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    O 247 tem acesso à dissertação sigilosa do general Mario Fernandes

    "Na introdução, o trabalho de Fernandes propõe uma análise crítica das operações especiais no Brasil", escreve Denise Assis

    Mario Fernandes (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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    O 247 teve acesso à dissertação "Comando de Operações de Unidades Especiais (COpUEsp): análise crítica", escrita e defendida em 2002 pelo general da reserva Mario Fernandes, para a sua conclusão de curso na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército – Eceme, visando ao título de Mestre em Ciências Militares. Mario Fernandes é um dos "Kids pretos" e personagem central da trama golpista para favorecer a permanência de Bolsonaro no poder. A dissertação foi classificada como “sigilosa” pelo Exército, mas foi localizada pelo perfil no Instagram @ocamarotedarepublica (O Camarote da República) e, agora, publicada aqui, no nosso portal.

    No dia 29 de novembro, sexta-feira passada, um jornalista da Folha de S. Paulo procurou a biblioteca da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército – Eceme – a fim de ter acesso à monografia escrita pelo general. As dissertações são públicas e foi-lhe conferida a consulta. Qual não foi a surpresa quando, 10 minutos depois de ter o trabalho à sua frente, a pasta foi recolhida. A bibliotecária responsável comunicou ao repórter que a obra era “sigilosa” e, sem esclarecer o motivo da restrição de acesso, retirou a brochura da mesa onde o jornalista fazia a consulta.

    Ele observou que, ao chegar à biblioteca, já encontrou a dissertação de Fernandes sobre a mesa do soldado que o atendeu. Perguntada sobre o motivo, a bibliotecária disse que ela havia sido consultada na quinta-feira (28) por uma "pessoa interna". A inspeção na véspera certamente foi o que motivou a suspensão, pelo Exército Brasileiro, do acesso à monografia. O conteúdo da dissertação remete a práticas executadas pelo exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial, recomendadas para serem adotadas pelas Forças Especiais. E, ainda, comenta a atuação na Guerrilha do Araguaia, confronto que o Exército nunca admitiu oficialmente.

    O general da reserva Mario Fernandes é um dos 37 indiciados pela Polícia Federal. No momento, encontra-se preso. O relatório final das investigações foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe agora decidir se arquiva o caso, pede mais investigações ou denuncia os suspeitos à Justiça.

    Na introdução, o trabalho de Fernandes propõe uma análise crítica das operações especiais no Brasil, comparando-as com estruturas internacionais e sugerindo um novo organograma para o Comando de Operações Especiais, que ele viria a liderar em 2018. O estudo ressalta a importância das Forças Especiais nos campos social, econômico, político e militar do país. Porém, numa análise mais acurada, o que se percebe é que a dissertação do – à época major de infantaria – estabelece paralelos entre as ações de comandos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e as operações especiais. O autor cita especificamente a ação de 69 paraquedistas alemães contra Eben Emael, um forte belga. Ele afirma que esse ataque teve as características típicas de uma incursão realizada por tropas de Comandos.

    Outro exemplo usado por Fernandes é a incursão de comandos alemães liderada pelo capitão das SS Otto Skorzeny, para resgatar o ditador Benito Mussolini do cativeiro no alto da montanha Gran Sasso, na Itália.

    Em seu perfil no Instagram, o Camarote da República também denuncia a censura à dissertação do general: “A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército colocou a dissertação como sigilosa logo que ela se tornou conhecida, mas o Camarote da República conseguiu uma cópia”. (E o 247 disponibiliza na íntegra).

    Na página 26 da dissertação, o general descreve a que se destina o estudo e as hipóteses de inimigos. E quais seriam? Os “inimigos internos”, é claro.

    “Da mesma forma, pressupõe o autor, que a criação de um G Cmdo operacional que reúna as tropas de Comandos e de Forças Especiais, além de elementos especialistas em Contraterrorismo, As Civ e Op Psico propiciará, com sua estrutura de ensino e sua autonomia logística e administrativa, melhores condições à formação, adestramento e emprego dos quadros especializados, tanto no âmbito dos oficiais e sargentos como no universo dos cabos e soldados.

    É pressuposto também, tendo em vista as características especiais e múltiplas possibilidades das unidades que compõem o COpUEsp, que se verifique, talvez, uma dificuldade em se visualizar tal comando (Cmdo) como uma GU, embora, em condições muito especiais, como em determinadas fases de uma Operação Contra Forças Irregulares (Op C F Irreg – operação contra forças irregulares) ou na condução da Guerra Irregular (GI), isto possa ocorrer.”

    Mas talvez estejam nesse trecho as informações mais explosivas na visão do Exército Brasileiro. A revelação oficial do combate aos guerrilheiros do Araguaia, embate que eles sempre negaram. E, ainda, outras escaramuças, como a repressão a greves. A da CSN, em 1988, deixou três operários mortos.

    “No cenário brasileiro, no início da década de 1970, a F Ter (Força Terrestre) empregou seus FE e Cmdos, com absoluto sucesso, no combate às forças irregulares do Araguaia, (grifo meu) na região do Bico do Papagaio no Estado do Pará.

    No início dos anos de 1990, o 1º BFEsp atuou com êxito na região do Traíra (fronteira do Brasil com a Colômbia), após a ação de guerrilheiros das FARC contra o pelotão do EB localizado naquela área. Essa U também tem sido amplamente empregada no levantamento estratégico e de inteligência de toda a área da Calha Norte e do Cone Sul do Brasil, bem como nas fases preventivas e operativas de pacificação de graves movimentos perturbadores da ordem pública, dentre os quais destacam-se: a greve na Companhia Siderúrgica Nacional, em 1989, as Operações Topázio, Diamante, Eco e Simeira na cidade do Rio de Janeiro, entre 1992 e 1994, e as greves das Polícias Militares (PM) dos Estados de Tocantins e da Bahia, em 2001.”

    Em outro trecho, ele deixa transparecer, mais uma vez, que o “inimigo” a ser combatido é o povo brasileiro, e não as ameaças externas.

    Vejam: “O 1º BFEsp é a Unidade da Força Terrestre que congrega os potenciais das tropas de Forças Especiais e de Comandos. Portanto, é a organização militar especializada, orientada e adestrada para a condução da Guerra Irregular (GI), das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), inclusive nas ações de Contraterrorismo e nas Atividades de Inteligência, do Combate Não Convencional e de outras ações em proveito de um Teatro de Operações Terrestre (TOT), seja por meio de Reconhecimentos Estratégicos de Área, seja por meio de Incursões na retaguarda profunda das forças inimigas.”

    Como se pode observar, nas teorias do general, como cantou Geraldo Vandré: “Nas escolas ensinam/ antigas lições/de morrer pela pátria e lutar sem razão”. (Confira as ideias do general Mario Fernandes em sua dissertação na íntegra.)

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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