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    Carlos Hortmann

    Professor, filósofo, historiador e músico.

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    O 25 de Abril começou em África: 50 anos da última revolução socialista

    Houve muita luta antifascista em Portugal durante os anos de ditadura salazarista, mas efetivamente o 25 de Abril de 1974 começou em África

    Manifestação do 49º aniversário do 25 de abril. Lisboa, Avenida da Liberdade (Foto: José António Rodrigues/PS/Fotos Públicas)
    “Vivemos com o peso do passado e da sementeEsperar tantos anos tornar tudo mais urgentee a sede de uma espera só se estanca na torrente”(Sérgio Godinho)

    Não há outra forma de começar esse texto: existe um antes e um depois do 25 de Abril de 1974 na História de Portugal. É o momento mais importante da formação histórico-social lusitana, pois é um processo que representou o fim dos 48 anos de ditadura, o fim do Estado Novo fascista, o fim dos 13 anos de guerra colonial e sobretudo o fim do último império colonial (que durou quase cinco séculos). Um momento de libertação do povo trabalhador português e também uma oportunidade de ruptura com todo esse passado.

    O ditador fascista, António Oliveira Salazar, buscou fazer de tudo para evitar que a avalanche das lutas de descolonização e libertação nacional, do pós-Segunda Guerra Mundial, chegasse até as colônias portuguesas, que artificialmente e juridicamente passaram a ser denominadas, a partir de 1951, de territórios “ultramarinos” de Portugal, até acabando com o “Estatuto do Indigenato” – a forma jurídica que marcava socialmente as pessoas (os indígenas, os assimilados e os brancos) –; o racismo e a segregação em forma de lei. 

    Por isso, 13 anos antes do 25 de Abril, o ditador colonial-fascista tomou a decisão de iniciar uma longa e desgastante guerra contra os povos que lutavam contra a violência, opressão e exploração colonial e por sua libertação por todos os meios necessários. Inicialmente, em Angola, em 1961, depois em 1963 na Guiné e por último em Moçambique, em 1965. Sinteticamente: para os três teatros de operações foram mobilizados por volta de 800 mil homens e jovens (90% dos homens aptos para servir a tropa), bem como foram incorporados às tropas mais de 500 mil homens africanos, o que se denominou “africanização” da guerra; estima-se que foram 100 mil civis mortos, 10 mil militares portugueses e 20 mil “inválidos”; do ponto de vista econômico, Portugal chegou a empregar 40% do seu orçamento de Estado para o esforço de guerra; sem esquecer os quase um milhão de português que emigraram para fugir da ditadura, da miséria e da guerra. Nesse contexto é que os militares que estavam nos campos de batalha, especialmente os oficiais intermediários (capitães e majores) que comandavam as tropas, percebem que a solução para a questão colonial não era militar, mas política. Eram eles que morriam, ao perder batalhas (Guiné e Moçambique) e ao “levar a culpa” pela “perdas” das colônias. Portanto, cada vez menos “desprestigiados”. Permitam-me utilizar uma figura de linguagem, “o copo de água transbordou”, para desenhar quando o sucessor de Salazar desde o ano de 1968, o ditador-fascista Marcelo Caetano, com falta de oficiais no campo de batalha, decidiu emitir um lei-decreto (353/73 em junho de 1973) que permitia o exército colonial colocar na carreira militar oficiais milicianos do quadro complementar, isto é, sem terem passado pela Academia Militar (a profissionalização). A “gota d’água” foi que o célebre decreto possibilitava que os oficiais milicianos ultrapassassem, em termos de antiguidade na carreira, os oficiais do quadro permanente e profissionalizados.

    Tal situação levou a um rol de protestos e exasperação desses oficiais intermediários do quadro permanente, o que foi “o princípio do fim do regime”, pois das reivindicações corporativas se abrirá o caminho para um sujeito político importante na derrubada do fascismo, o Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA), que mais tarde ficará conhecido apenas como Movimento das Forças Armadas (MFA) – organização florescida, especialmente, nos campos de batalha da Guiné.

    No espaço de oito meses e cinco grandes plenárias ocorreu um processo de politização do MFA, que passa a entender como a única forma de acabar com a guerra colonial (hoje bastante “esquecida” em Portugal) a derrubada do regime colonial-fascista. Em outras palavras, um setor (o MFA) das Forças Armadas, um dos pilares do Estado Novo salazarista (o outro foi a Igreja Católica), decide que era “chegada a hora” de destruir o próprio regime que eles fizeram durar por 48 anos (principalmente os generais – “brigada do reumático”). Portanto, esse grupo de oficiais intermédiarios, conscientes de que a “solução colonial” era a descolonização, aplica o golpe final ao regime que torturou, matou e enviou para o campo de concentração do Tarrafal milhares de militantes antifascistas e comunistas.

    É preciso salientar que. para além da força efetiva e material do MFA na derrubada do salazarismo, existiram muitas forças políticas de resistência e luta contra o fascismo nesses 48 anos em Portugal. O Partido Comunistas Português (PCP) foi uma organização de importância ímpar, mesmo ilegalizado e na clandestinidade. Com milhares de militantes perseguidos, presos, torturados e mortos, jamais deixou de lutar, de organizar greves, manifestações e a própria classe trabalhadora, de denunciar os crimes do regime. Nos anos 60 surgiram setores populares da igreja, “os católicos progressistas”, que vão se somar à oposição antifascista, assim como os movimentos comunistas de origem trotskista e maoístas (com menor capilaridade social). A outra força política decisiva foram os movimentos anticoloniais e de libertação nacional, que decidiram recorrer à insurreição armada e à luta política no quadro das relações internacionais (especialmente na ONU). Os movimentos anticoloniais eram heterogêneos e complexos, mas gostaria de destacar os três que vão ganhar maior importância: Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC); Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). 

    Houve muita luta antifascista em Portugal naqueles anos de ditadura, mas efetivamente o 25 de Abril de 1974 começou em África.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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