O agronegócio empurra o Brasil rumo ao abismo
Após o ataque desferido contra o Brasil, através da Operação Lava Jato, o perfil da burguesia brasileira mudou, o capitalismo industrial brasileiro foi destruído, abrindo caminho para a ascensão ao poder das oligarquias ligadas ao setor agrário
As séries históricas das pesquisas indicam uma persistente queda na aprovação do gangster assentado na presidência do Brasil. Em todos os segmentos sociais a queda na popularidade de Bolsonaro cresce a cada nova rodada de levantamentos da opinião pública, exceto entre os mais ricos. Neste grupo, o miliciano registra queda na sua reprovação, que foi de 58%, em julho, para 46%, agora em setembro.
Diversas razões podem explicar a resiliência do bolsonarismo neste segmento. É provável que a intervenção de Temer possa ter contribuído, para passar a impressão de que o gangster é controlável e leve adiante pautas que interessam aos mais ricos. Certamente o preconceito contra os mais pobres, que iriam entrar no orçamento com Lula, também contribua para a popularidade de Bolsonaro entre os mais abonados.
Além dessas razões conjunturais, no entanto, há um fundamento estrutural, para explicar tamanho apoio das oligarquias brasileiras a um projeto político-ideológico tão primitivo, como é o bolsonarismo.
A razão estrutural é que o perfil da burguesia brasileira mudou, após o ataque desferido contra o Brasil pelos interesses dos Estados Unidos, tendo como arma principal a Operação Lava Jato. A participação estadunidense está plenamente comprovado, inclusive por confissões públicas de autoridades estadunidenses.
FUNCIONÁRIOS DOS EUA CONFESSAM SEM PUDORES
Por exemplo, o procurador do Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos, Daniel Kahn afirmou que “a confiança entre nossos países é algo que se desenvolve trabalhando juntos pelo tempo que temos trabalhado juntos e vendo que ambos estamos trabalhando pelas razões certas”. O funcionário dos EUA fez esta inconfidência em entrevista para o jornal paulista O Estado de São Paulo. A jornalista responsável se “esqueceu” de perguntar quais são as “razões certas”.
Ao longo da entrevista o procurador estadunidense deixa claro que instruções judiciais e procedimentos legais das investigações são descumpridos e manipulados. O funcionário dos EUA revela inclusive que o DoJ escolhe o procurador brasileiro mais “adequado” para executar os serviços em cada caso. É uma espécie de Guantánamo da Lava Jato. Perguntado sobre os motivos para o DoJ atuar na Lava Jato, Kahn citou os interesses nacionais – dos EUA, naturalmente.
Como este não é o assunto principal deste artigo, quem quiser se aprofundar pode ler uma matéria do Le Monde sobre o caso: Le naufrage de l’opération anticorruption « Lava Jato » au Brésil (lemonde.fr).
LAVA JATO DESTRUIU O CAPITALISMO INDUSTRIAL
A Operação Lava Jato resultou no maior ataque à indústria brasileira em todos os tempos. Ao mirar nas grandes construtoras, que estavam entre as empresas do setor mais competitivas do mundo, assim como na Petrobrás e sua cadeia de apoio industrial e de serviços; a aliança entre os brasileiros, comandados por Moro e Dallagnol, com difusos operadores dos EUA, que incluíam o NSA e a CIA, destruiu os setores mais vibrantes da indústria brasileira, causando um abalo no PIB de aproximadamente 40%.
As grandes empreiteiras e a Petrobras eram, antes da Lava Jato, os principais impulsionadores da indústria brasileira. As maiores estavam fazendo grandes investimentos em indústrias modernas de alta tecnologia.
Um exemplo é a Odebrecht, que entrou no ramo de alta tecnologia militar e criou subsidiárias para pesquisar, desenvolver e fabricar misseis no estado da arte, radares, aviônicos e outros equipamentos, inclusive submarinos, em parceria com o estaleiro estatal francês Naval Group. O grupo baiano foi praticamente destruído e as subsidiárias do setor de alta tecnologia tiveram que ser vendidas para empresas estrangeiras, principalmente com origem em Israel.
Embora seja compreensível o preconceito de muitos leitores com a indústria militar, é importante lembrar que muitos países mantêm forte indústria no setor, como forma de manter o domínio sobre a tecnologia mais avançada. O ramo industrial que exige maior aplicação da ciência mais moderna é o setor bélico. Por isso, Suécia, França, Noruega, Áustria, Alemanha, Espanha e Japão, entre outros, mantêm importantes parques industriais no setor.
A Petrobrás, por seu lado, tornou-se em 2010 a segunda maior empresa do mundo, considerando seu valor de mercado, com a capitalização para estruturar a exploração do petróleo na camada pré-sal. A petrolífera brasileira movimentava uma imensa base industrial, que ia do setor metalúrgico, estimulado pela compra de tubos e aços especiais; passando pelas refinarias e indústrias químicas, chegando a um revitalizado parque naval, que fabricava no país navios petroleiros e plataformas de extração de petróleo.
Toda esta atividade foi extinta, sendo um bom exemplo a paralisação de uma imensa siderúrgica, para a produção de tubos, que a CSN estava construindo em Jeceaba, próximo a Congonhas, MG, cidade onde Aleijadinho esculpiu seus famosos profetas.
Antes da destruição provocada pelo ataque da Lava Jato, o capitalismo industrial – que controlava as construtoras e as empresas que atendiam às demandas da Petrobras – era o setor mais poderoso das oligarquias brasileiras. Com todas as críticas que devem ser feitas a qualquer tipo de burguesia, o capital industrial era um dos responsáveis pelos avanços do desenvolvimento do país.
ATAQUE INTERROMPEU TRAJETÓRIA INICIADA POR VARGAS
É uma trajetória que tem início no Governo Getúlio Vargas, um ruralista influenciado pelo positivismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado e Borges de Medeiros. Ao chegar ao poder em 1930, Vargas, apesar das suas contradições, sempre acalentou um projeto de desenvolvimento industrial, que rompesse com o padrão semicolonial de plantation, que vigorava no Brasil, mesmo após a independência.
Vargas foi uma ruptura histórica, pois representou o início de uma oscilação no pêndulo do poder, com a perda gradativa da influência das oligarquias agrárias, em benefício de uma burguesia industrial que começava a se fortalecer. O padrão foi mantido e acelerado pela maioria dos governos que vieram depois de Getúlio.
Juscelino Kubitschek deu grande impulso ao fortalecimento industrial, tendencia que foi mantida durante a ditadura militar.
Após a ditadura, aos poucos o neoliberalismo e os interesses externos começaram a pressionar o país, para mudar o padrão econômico do Brasil. O neoliberalismo obteve sucesso relativo nas privatizações, porém não teve força suficiente para abocanhar as joias da coroa: a Petrobras, principalmente, e a Eletrobras.
As construtoras saíram da ditadura militar muito fortes e continuaram sendo os atores principais do capitalismo brasileiro, apesar do rápido avanço da oligarquia agrária, que adotou a nova marca fantasia de agronegócio. O governo Lula, pode-se dizer, foi o apogeu do capitalismo industrial brasileiro, mesmo com a crescente importância do agronegócio.
A receita de impulsionar a Petrobras (e, também, a Eletrobras), estimular as grandes construtoras e a exigência de conteúdo nacional, associadas à arrojada política diplomática de abrir novos mercados, levou a Brasil ao posto de sexta economia do planeta – por um brevíssimo período o país atingiu o 5º lugar, superando o Reino Unido.
A vertiginosa ascensão do país, que passou a ser um dos principais players dos fóruns globais e principal responsável pela criação do G20, assustou os tradicionais detentores do poder internacional, principalmente os Estados Unidos. Moniz Bandeira em um de seus últimos textos, antes de falecer, fez comentários sobre um dos documentos que obteve nos arquivos desclassificados dos EUA, no qual um funcionário de alto escalão alertava para o risco do surgimento de uma “nova Alemanha” na América do Sul, o Brasil.
A Lava Jato interrompeu a trajetória iniciada há mais de 90 anos, no governo Vargas. A operação idealizada nos Estados Unidos na prática destruiu o capitalismo industrial brasileiro, abrindo caminho para a ascensão ao poder das oligarquias ligadas ao setor agrário.
A PLANTATION VOLTA AO PODER
O novo desenho do poder tem impacto decisivo sobre toda a estrutura do país, afetando a economia, o ambiente social, a cultura e a política. Se para o setor industrial é importante o desenvolvimento, uma mão de obra qualificada e a existência de um mercado interno; o objetivo das oligarquias agrárias é o regime semicolonial de plantation.
Moniz Bandeira aborda um processo semelhante, que ocorreu na Argentina. Segundo o escritor, a tomada do poder pelos militares naquele país, em 1966, representou o fim de uma longa disputa entre o capital industrial e as oligarquias agrárias. A argentina chegou a ser um dos países mais ricos do mundo e possuiu um poderoso e diversificado parque industrial, mais avançado do que o brasileiro.
O golpe de 1966, complementado por outro ocorrido em 1976, mudou os rumos do país. A base industrial argentina foi praticamente extinta, o capitalismo industrial foi afastado da disputa pelo poder econômico, que passou a ser concentrado nas mãos das oligarquias agrarias exportadoras, que reintroduziram o regime de plantation.
A mudança no pêndulo de poder na economia argentina provocou a decadência do país e uma crise persistente, da qual o país nunca se recuperou.
Brasil caminha para se tornar uma Argentina piorada, pois a oligarquia aqui é muito menos civilizada do que a de lá.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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