O alvorecer da Era de Aquário
Uma leitura astrológica para o Planeta Terra em um tempo de Grande Mutação, por Pepe Escobar com Vanessa Guazelli
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas - Oscar Wilde
Hoje, todas as estações de rádio do Planeta Terra deveriam estar tocando esta canção. Aquilo que o tão bem batizado grupo Fifth Dimension imortalizou em seu clássico soul psicodélico na primavera de 1969 agora se torna literalmente verdade: este é o alvorecer da Era de Aquário - a Grande Conjunção de Júpiter e Saturno, em 21 de dezembro, em zero grau de Aquário.
Aquário começa ao mesmo tempo em que algumas ardilosas e arrogantes elites se preparam para impor à grande parte do planeta uma Grande Reinicialização, seguindo uma agenda política muito específica, reducionista e de exclusão. Mas o importante mesmo não é a Reinicialização, é a Mutação.
Então, estamos todos entrando em algo muito maior que um cenário neo-orwelliano. Para jogar uma luz muito necessária naquilo que parece ser nossa atual e interminável escuridão, coloquei perguntas específicas a Vanessa Guazelli, astróloga respeitada, autora e conferencista em encontros astrológicos em todo o mundo, e também psicanalista e psicóloga praticante.
Que a astrologia fertilize a geopolítica. Que entre a luz do sol.
Tudo o que é sólido se transmuta em ar
PE - É bem provável que, em todo o mundo, não sejam muitas as pessoas que tenham conhecimento de que a conjunção Júpiter-Saturno, no dia 21 de dezembro, parece representar a virada de jogo máxima - definida por estudiosos de astrologia sérios como a Grande Mutação.
Você poderia falar mais sobre o que essa Mutação de fato significa, em termos astrológicos, já que ela parece ocorrer a cada 200 anos? E, trazendo a questão astrológica para a esfera da vida cotidiana e da política, seria possível inferir paralelos geopolíticos disso que os astros estão nos dizendo?
VG - Dizemos que ocorre uma Grande Mutação quando as conjunções Júpiter-Saturno mudam de elemento, o que acontece a cada 200 anos, como você mencionou. Júpiter e Saturno fazem conjunção, astrologicamente, por longitude eclíptica, a cada vinte anos, o que não é um período longo. Mas eles se interceptam em signos do mesmo elemento por 200 anos, com a possibilidade de outros 40 anos de transição, indicando um ciclo maior.
Júpiter e Saturno são o que chamamos de os planetas sociais, e são interpretados em termos políticos e geopolíticos. Quando a conjunção Júpiter-Saturno passa a acontecer no elemento seguinte, fica marcada a Grande Mutação, que acarreta importantes mudanças socioeconômicas e culturais. É o que está acontecendo agora.
Estamos saindo de um período de dois séculos de conjunções em signos de Terra. A ênfase foi na matéria e nas dimensões mais tangíveis da vida - garotos e garotas materiais em um mundo material. Agora que estamos entrando no elemento Ar, já que Júpiter e Aquário ficam conjuntos a zero grau de Aquário, há um chamado para a sublimação.
Tudo o que é sólido se transmuta em ar. Coisas e processos podem ser menos materiais e mais digitais e, em alguma medida, virtuais. Mas isso não é tudo. Ideias e ideais compartilhados assumem maior importância. Mais que o que possuímos materialmente, o que realmente importa é com quem e para quê. Colaboração e cooperação agora, mais que nunca, são os ventos que fazem o mundo girar.
Esse aspecto e configuração astrológica é de fato altamente significativo, e acontece em 21 de dezembro, às 18:20h UTC. Em partes da Ásia e da Oceania já passará da meia-noite, e será 22 de dezembro.
Não se trata apenas da Grande Mutação, mas também da Grande Conjunção, quando os dois planetas visíveis mais distantes da Terra fazem conjunção não apenas por longitude, mas também por latitude (coordenadas eclípticas), tanto por ascensão reta como por declinação (coordenadas equatoriais). O que significa que os dois planetas não estão apenas alinhados na mesma direção, mas também realmente próximos um do outro no céu, tal como vistos da Terra, como se eles fossem uma única estrela.
A última vez que esses dois corpos celestes estiveram tão próximos foi em 1624, mas daquela vez não houve uma Grande Mutação, apenas uma conjunção normal em termos de longitude eclíptica. Astrologicamente falando, o fato de esses aspectos favoráveis agora ocorrerem juntos aumenta a importância do que essa conjunção indica, do quão poderosa é a mutação marcada por ele.
Na vida cotidiana, a conjunção também sugere um aumento no desenvolvimento tecnológico, na digitalização de coisas e processos, incluindo as criptomoedas e o dinheiro digital como uma espécie de dinheiro "sublimado", partindo da matéria para uma "substância" mais leve, menos material, capaz de circular rapidamente pelo ar.
Em um nível mais pessoal, tendemos a perder interesse em contextos sociais que não estejam sintonizados com nossas ideias e ideais, e somos atraídos para grupos, associações e projetos que se harmonizem com nosso comprimento de onda. Não é um tempo de simplesmente esperarmos que as instituições cuidem das pessoas, e sim um tempo de nos conectarmos com outros que tenham os mesmos interesses, ideais e propósitos que nós.
O elemento Ar é onde abrimos espaço e criamos lugar para o Outro, seja em termos de respeitar diferenças ou de colaborar e cooperar em projetos de interesse comum. Cooperativas, onde cada participante recebe uma fatia justa proporcional em empreendimentos conjuntos é, sem dúvida, a coisa certa a fazer.
Aquário é oposto ao centralizador signo de Leão. O que quer dizer que, em termos geopolíticos, não é o tempo de uma única estrela hegemônica dominar o mundo, mas sim de toda uma constelação de estrelas iluminar o céu inteiro. Não é o tempo para um único império. Pode haver impérios, mas sempre no plural. A força das nações poderosas agora, mais que nunca, reside na qualidade de suas parcerias e alianças, no respeito mútuo, enquanto iguais.
Qualquer potência que perca de vista esse ponto crucial terá, mais cedo ou mais tarde, que se haver com as consequências. Algumas são mais poderosas que as outras, e outras terão maior proeminência que as demais. Seja como for, nenhuma delas está sozinha. É tempo de um mundo multipolar - esse agora é o Mandado do Céu.
Quanto ao mapa astro-cartográfico da Grande Mutação, que mostra as linhas das posições planetárias rebatidas sobre a face da Terra, é interessante notar que as linhas IC (Imum Coeli - Fundo do Céu) de Júpiter e Saturno passam por Pequim, indicando a relevância da China na fundação desse ciclo de 200 anos, pois o IC é a raiz de um mapa astrológico.
No outro lado do mundo, vemos as linhas MC (Meio do Céu) dos dois planetas passando pela América Latina (Venezuela, Amazônia Brasileira, Bolívia, Argentina), mostrando a importância dos recursos desse continente no novo ciclo.
O que a turma de Davos anda aprontando?
PE - Nossa atual e turbulenta conjuntura parece apontar para uma biossegurança cada vez maior e para o que algumas análises sistêmicas sérias definem como tecnofeudalismo. Tudo isso implica uma hiperconcentração de poder - e não apenas do poder exercido pelo hegêmona geopolítico, os Estados Unidos. Devemos agora esperar uma mutação profunda do sistema mundial - tal como estudada por Immanuel Wallerstein, no sentido de mudanças profundas em nosso sistema capitalista?
VG - Sim, devemos. Estamos agora no exato ponto de virada do sistema mundial. Além da Grande Mutação, um outro aspecto de imensa importância ocorrerá na década de 2020: a conjunção Saturno-Netuno, em fevereiro de 2026, em zero grau de Áries. Esse é precisamente o primeiro grau de todo o zodíaco, também chamado de Ponto Vernal - de importância crucial na interpretação astrológica.
Saturno e Netuno fazem conjunção a cada 36 anos, o que é um ciclo histórico relativamente curto. No entanto, da mesma forma que se dá com a Grande Mutação, a maneira como ela ocorre e onde ela ocorre no Zodíaco pode nos levar a perspectivas históricas mais amplas e indicar momentos históricos mais expressivos.
Se voltarmos 7 mil anos no tempo, veremos que essa conjunção ocorreu no Ponto Vernal apenas em 4361 AC e em 1742 AC. Se olharmos 3 mil anos adiante, a conjunção mais próxima ao Ponto Vernal ocorrerá em 3172. Isso é muito raro. De maneira que, essa conjunção ocorrer no primeiro grau do Zodíaco - 0 grau de Áries -, não é pouca coisa.
Netuno emprenha e concebe. Saturno se refere à estrutura concreta da realidade. E o zero grau de Áries significa uma nova concepção de realidade.
Aspectos entre Saturno e Netuno, com base na observação histórica, estão associados ao socialismo e ao comunismo - esses movimentos na Terra coincidem com os trânsitos de contatos entre esses dois planetas no céu. Isso já ficou historicamente demonstrado na astrologia mundana. Além do mais, isso não nos fala apenas do passado, mas também do que, na verdade, está prestes a começar - melhorando e avançando, reconfigurando-se em novas formas de socialismo.
Segundo Wallerstein, no decorrer da crise estrutural que caracteriza o período final de um sistema mundial, uma bifurcação do sistema pode pender para uma das duas direções, ou para sistemas múltiplos. Antes de falecer, no ano passado, ele afirmou que estaríamos bem no meio da crise estrutural do capitalismo, que dura de 60 a 80 anos.
Eu diria que, neste momento, já passamos desse ponto central. A crise poderia, inicialmente, levar a sistemas múltiplos divididos em dois ramos: de um lado, o frescor dos ventos orientais inspirando o socialismo e a multipolaridade através da Iniciativa Cinturão e Rota e da integração da Eurásia e de seus parceiros. Por outro lado, o redemoinho do império em colapso e seus aliados ocidentais criando um cyborg terminator operado pelo perverso 0,0001%, que são tão desprovidos de vida que não conseguem sequer conceber que outros tenham direito de existir.
Quando fiquei sabendo sobre isso, em junho de 2020, fiquei perplexa ao ver que eles programaram a "Grande Reinicialização" para janeiro de 2021, em data muito próxima à Grande Mutação do final de dezembro de 2020. Duvido que isso seja mera coincidência ou sincronicidade. Sabe-se que J P Morgan afirmou que milionários não precisam de astrólogos, mas bilionários precisam.
É bem possível que, sabendo dessa grande transição, a turma de Davos esteja tentando criar suas próprias configurações para reinicializar o sistema que eles já controlam, reanimando o sistema moribundo como um cyborg dos infernos.
O potencial nefasto da ênfase aquariana é o controle da sociedade por meio da tecnologia, seja como tecnofeudalismo ou - deuses que nos livrem - da tecnoescravidão. No lado mais luminoso da força, Aquário trata de um projeto social voltado para sustentar a vida e atender às necessidades do povo. Ambas as dimensões ou sistemas podem coexistir sobre a Terra por algum tempo.
As potências ocidentais - sem falar dos Mestres do Universo, como você os chama, que controlam os cordões - parecem ter um longo caminho pela frente até que consigam chegar a um estado de real e respeitosa cooperação. Talvez as civilizações mais antigas do Oriente tenham raízes mais profundas e consistentes, capazes de oferecer a elas a sabedoria e a maturidade necessárias em tempos tão desafiadores para a humanidade.
Sempre lembrada em razão do comércio de alimentos e mercadorias que se dava ao longo de seus caminhos, as Rotas da Seda, no passado, implicavam, como continuam a implicar ainda hoje, a troca de ideias. É interessante observar a forte vertente aquariana ativada nas progressões astrológicas da China no dia em que a Iniciativa Cinturão e Rota foi proposta por Xi Jinping em Astana, em 2013, e como isso se conectou ao grau da Grande Mutação (Vênus e Júpiter progredidos, conjuntos no Ascendente no primeiro grau de Aquário).
Quando, anos antes, em fevereiro de 2007, Vladimir Putin proferiu seu histórico discurso em Munique, propondo a integração eurasiana, havia um aspecto Saturno-Netuno - uma oposição. Quando, na 70ª Assembleia das Nações Unidas de 2015, tanto Putin quanto Xi proferiram discursos longos, fortes e sincronizados afirmando a multipolaridade do mundo, havia também um aspecto Saturno-Netuno, uma quadratura.
O próximo aspecto Saturno-Netuno será uma conjunção, que ocorrerá em fevereiro de 2026, inaugurando um ciclo novo em folha, e podemos esperar que eles estejam relacionados a esses movimentos anteriores, tendo em mente que o ciclo aponta para a multipolaridade e para novas formas de socialismo.
O feitiço da Lua Negra
PE - Será que a covid-19, em um certo nível, poderia ser interpretada como o - desagradável - preâmbulo da Grande Mutação? Afinal, a nova (ir-) realidade social representa um sistema de cabeça para baixo: devastação econômica quase total, principalmente de pequenas empresas; cancelamento dos direitos constitucionais; governos atuando praticamente por decreto, sem qualquer consulta pública; corporações globais censurando qualquer tipo de dissidência informada; sociedades inteiras praticamente em prisão domiciliar; a maior parte do planeta reduzido a uma espécie de parque temático totalitário.
VG - Ah, a covid-19, poderíamos ter toda uma conversa só sobre as implicações dela em tantas dimensões, e sobre como ela pode, até certo ponto, ser rastreada astrologicamente. Ela, decididamente, poderia ser interpretada como um preâmbulo desagradável, talvez visando à Grande Reinicialização.
Uma experiência - ou um experimento - coletivo mundial sem precedentes. Mesmo assim, servindo para sacudir as coisas, transformando nossa própria percepção do tempo, abrindo caminho para a concepção de um novo tempo. Para aqueles que estão prestando atenção, um chamado para se tornarem mais vivos, mais vívidos, apesar de tudo.
A dicotomia que vem sendo tão enfatizada, entre "cuidar da vida ou cuidar da economia", em si, já mostra o quão absurdo o mundo já era. Quantas pessoas se deixaram levar facilmente por essa separação entre as duas coisas, como se isso fosse uma maneira de resistir ao sistema e finalmente dizer não às exigências da acumulação de capital. E acabar, na verdade, vendo a devastação de pequenas empresas, o aumento drástico da pobreza, enquanto os bilionários concentram riqueza em níveis cada vez mais bizarros.
Algo fundamental a ser considerado é como isso tudo afetou o corpo humano. A pandemia foi declarada com a Lua Negra (o apogeu lunar) em Áries, o que indica a importância de se estar agudamente presente, como Michael Jackson dançava, Bruce Lee se movia e Maria Zakharova reage.
Em outubro, a Lua Negra, esse ponto astrológico que representa a dimensão visceral e instintiva da existência, se deslocou para Touro, ressaltando a importância de termos consciência de como a força vital em nós é condicionada e canalizada, dando forma à nossa percepção de nossa própria existência. Por exemplo, como o confinamento do corpo pode - ou não - confinar nossa psique.
Quais os efeitos psicológicos da falta de toque ou da experiência física de ter nossas bocas constantemente cobertas? Como essas situações nos afetam psiquicamente não é algo irrelevante. Tanto René Descartes quanto Wilhelm Reich tinham a Lua Negra em Touro. Como a mente e o corpo se relacionam? Seriam eles uma dicotomia cartesiana ou eles se entrelaçam como uma unidade bioenergética movida pela libido?
Essa é uma questão da maior importância para nosso coletivo, até julho de 2021.
O destino do Império Americano
PE - A astrologia, na história, é cheia de episódios fascinantes sobre interpretações celestiais que abriram caminho para mudanças políticas ou militares. Por exemplo, logo antes da conquista mongol de Bagdá, em 1258, o Grande Khan Hulagu consultou o astrólogo da corte sobre as perspectivas. O astrólogo Hussam al-Din disse que se o Khan seguisse seus generais e invadisse Bagdá as consequências seriam desastrosas.
Mas então Hulagu recorreu a um astrônomo xiita, Tusi, um polímata. Tusi disse que a invasão seria um grande sucesso. Foi isso que aconteceu, e Tusi foi admitido no círculo íntimo de Hulagu. Portanto, os mongóis - que construíram o maior império de toda a história - eram fãs do "seguro celestial". Será que o "seguro celestial", em nossos tempos, poderia prever o destino de um outro império - os Estados Unidos?
VG - É verdade, há muitas histórias fascinantes. O fim do Império Bizantino e a conquista de Constantinopla pelo Sultão Mehmet II do Império Otomano foi também marcado por uma previsão astrológica da vitória otomana, relacionada a um eclipse.
O retorno de Plutão dos Estados Unidos ocorrerá em 2022. Isso é imenso. Trata-se de um ciclo de aproximadamente 247 anos. Plutão tem algo de fatídico. A volta do senhor dos infernos também fala da volta de tudo aquilo que foi reprimido, escondido ou rejeitado. Haverá três contatos exatos ao longo de 2022, e o final e definitivo do próximo ciclo de Plutão terá o planeta da morte e da regeneração cara-a-cara com a Lua Negra Lilith em Câncer, em uma oposição. Karma é fogo, e sempre acerta em cheio.
Trata-se também de um ciclo relacionado ao poder e ao status dos poderosos. Não será de todo mau, e haverá alguns momentos de vitória, mas haverá uma mudança na posição do país na balança do poder mundial que não será fácil de digerir. A luta pelo poder será intensa, tanto externa quanto internamente, com riscos consideráveis de manifestações destrutivas. A melhor maneira de atravessar esses momentos será a purgação - embora seja difícil acreditar que "o pântano" possa ser tão facilmente drenado.
Há um chamado por uma transformação profunda, quando todas as coisas que foram varridas para baixo do tapete e os cadáveres que foram ocultos no porão terão que ser encarados. Para o povo da nação será um chamado à maturidade (Saturno conjunto à Lua), à compaixão e a uma disposição mais humanamente receptiva (oposição à Netuno), deixando as ilusões se dissolverem e se dando conta de que o império está perdendo sua hegemonia e seu status, mas que a nação continuará a existir. Que nação ela deverá ser para seu povo quando ela deixar de se opor a outros povos?
Isso não significa que o Império Americano chegará ao fim em 2022, mas ele está em declínio e passará por transformações dramáticas na próxima década.
Uma Renascença Distópica
PE - Em meio a um clima tão sombrio, você dá a impressão de estar introduzindo um conceito bem esperançoso: a "Renascença Distópica". Isso é o exato oposto do que vem sendo geralmente interpretado como o nosso inevitável futuro neo-orwelliano. Como você caracterizaria essa Renascença Distópica - em termos individuais, coletivos, políticos e de luta cultural?
VG - O conceito surge exatamente para elucidar a extrema complexidade de nosso tempo. Bem, a parte da renascença parece bem esperançosa, não é? Mas há também a parte distópica. Não se trata de uma renascença utópica, como bem sabemos. Talvez daqui a 200 anos, quando chegarmos à Grande Mutação para a Água, o mesmo elemento da magnífica Renascença Italiana, a humanidade consiga sentir e compreender melhor as dimensões mais profundas da vida. Por que não tomar a Utopia como alvo, então? Mas o que será possível então, seja o que for, nos escapa agora, no momento em que vivemos.
É agora que, juntamente com esta Grande Mutação tão especial, alguns aspectos astrológicos importantes apontam para uma mudança real do sistema mundial. Este momento tão crucial, e também este período de ar, são necessários para elevar as perspectivas, para compartilhar ideias e ideais e entender o quão enriquecedora poderá ser a construção de “uma comunidade com um futuro em comum para a humanidade", como coloca Xi Jinping.
Um ponto de virada de grande intensidade, abrindo novos horizontes, oferecendo a possibilidade de enriquecer as trocas em um mundo multipolar, e com um chamado ao socialismo nunca antes visto.
Não nos esqueçamos que este momento ressoa também com o século XIII, quando o veneziano Marco Polo, viajando para a Ásia pelas Rotas da Seda, trouxe de volta à Europa o frescor dos ventos orientais, e notícias da Dinastia Yuan, de Kublai Khan, inclusive a "sublimação" do dinheiro em uma forma mais leve, da moeda ao papel.
Naquela época houve um stellium (uma concentração de planetas) em Capricórnio, semelhante ao que tivemos em 2020, seguida também por uma conjunção Júpiter-Saturno em Aquário (embora não como uma Grande Mutação), e o ingresso de Plutão em Aquário, como teremos em 2023-2024. Esse foi um contexto absurdamente distópico, mas foi também um ponto de virada para uma nova concepção da realidade e para a possibilidade de novos e surpreendentes horizontes.
Um novo sistema mundial está no ar
PE - Giorgio Angambem se referiu àquela famosa intuição de Foucault em Les Mots e les Choses, quando ele diz que a humanidade pode desaparecer como uma figura desenhada na areia, sendo apagada por ondas que chegam à praia. Essa imagem impressionante talvez se aplique a nossa atual condição de mutação, quando estamos prestes a ingressar em uma era trans-humana e mesmo pós-humana, dominada pela inteligência artificial (IA) e a engenharia genética.
Angamben argumenta que a covid-19, o aquecimento global e, mais radicalmente, o acesso digital direto à nossa vida psíquica - são os elementos que vêm destruindo a humanidade. Será que a Grande Mutação instalaria um paradigma diferente - nos afastando da pós-humanidade?
VG - O desenvolvimento acelerado da tecnologia será algo de grande complexidade com que teremos que lidar. Ele terá muitos aspectos surpreendentes, mas nem todos bonitinhos, e apresentará desafios inegáveis, alguns dos quais já estão presentes e prestes a se intensificarem ainda mais.
Quais são os efeitos da tecnologia e da inteligência artificial em nossos corpos, tanto orgânicos quanto subjetivos? O controle da mente com artefatos bidirecionais, que tanto coletam informações quanto induzem comandos, é um processo em andamento.
Níveis perversos de controle social tecnológico são uma preocupação grave, uma vez que Plutão, também conhecido como Hades, senhor dos infernos, também estará transitando no tecnológico e futurista Aquário, de 2023/2024 a 2043/3044 - tempos de intensa transformação social, quando avanços tecnológicos nos deixarão atônitos, e a própria concepção da ciência irá mudar consideravelmente, mas com graves riscos de loucura trans e pós-humana.
Não podemos ignorar nossa organicidade. E tampouco podemos ignorar nossa subjetividade. Plutão trata de transformação ou domínio - em outras palavras, citando um artigo seu recente: "Aqui está o nosso futuro: ou hackers ou escravos".
Nós temos que hackear não apenas no sentido objetivo - que, é claro, se torna, cada vez mais, uma capacidade desejável - mas também no sentido subjetivo, encontrando linhas de fuga e mantendo vivo Eros, a força vital que nos mantém vívidos.
Considerando que já estamos aqui, vivendo tempos distópicos, o melhor que temos é fazer é aproveitar ao máximo essa aventura inegavelmente épica. Em vez de sucumbir ao medo e ao isolamento, vencidos pelo fatalismo e a depressão, devemos ter em mente a observação de Wallerstein sobre destino versus livre arbítrio - uma sacada muito bacana, por sinal, que minha experiência como astróloga observando os ciclos coletivos e individuais só faz confirmar: ambos existem.
Durante o período estável de um sistema mundial, no decorrer de sua vida normal, quando as estruturas estão funcionando bem, mesmo que haja flutuações, é muito difícil fazer mudanças no sistema, porque ele tende à estabilização. É o destino: você tem que despender muito esforço para conseguir uma mudança muito pequena, ao tentar escapar do destino.
Mas quando o sistema mundial atingiu sua fase final, ele já não pode mais ser socorrido e há muita instabilidade. A crise não vai terminar e a única possibilidade é a mudança, de um modo ou de outro - é o tempo do livre arbítrio. Nas crises estruturais, segundo Wallerstein, temos mais livre arbítrio, nossas ações têm impacto mais forte e cada pequeno movimento conta para determinar para que lado irá a mudança do sistema.
Em nossas vidas pessoais, neste ponto de virada no tempo, como questiona Foucault, podemos nos perguntar: como humanos, somos um obstáculo ou uma obstrução? Seríamos nós uma maneira de aprisionar a vida - ou uma abertura, uma linha de fuga?
No tocante às palavras de Foucault que você e Agamben trazem à luz, permita que eu me refira ao parágrafo anterior, logo antes do parágrafo final de Les Mots et les Choses, quando ele afirma que "ao tomar uma amostra cronológica relativamente curta dentro de uma área geográfica restrita - a cultura europeia desde o século XVI - podemos ter certeza de que o homem é uma invenção recente dentro dela".
Esse "homem" a que ele se refere como o efeito de uma mudança nos arranjos fundamentais do conhecimento ocorridos há uns dois séculos, com o arranjo mais recente talvez prestes a chegar ao fim, pertence às referências ocidentais. Esse não é nem o começo nem o fim do homem, e tampouco apenas uma figura de linguagem interessante. É com enorme e profundo respeito por uma parte tão grande da cultura europeia que dizemos que, talvez, uma das coisas que agora chegam a um fim necessário é o eurocentrismo.
Mesmo assim, é claro, é extremamente preocupante ver rostos sendo ao mesmo tempo digitalizados por máquinas e ocultados de outros humanos por máscaras - com efeitos principalmente nas crianças. A atual transição não é isenta de efeitos epistemológicos, e de efeitos sobre a concepção que fazemos do homem, da humanidade. Mas nem tudo está dito e feito.
Para nos contrapormos à objetificação dos humanos, talvez seja oportuno recorrer à concepção que os tupis fazem do ser humano: tu + pi (som sentado). Um ser humano é um som que tomou assento, que tomou lugar e que vibra. Temos que manter vibrantes os nossos corpos, nossos rostos e nossas palavras. Para os tupis nativos da América do Sul, cada ser humano é uma nova música, uma nova palavra vibrando e co-criando a vida com os outros e com a natureza.
Ao que parece, as raízes mais profundas da sabedoria aborígene-indígena ainda precisam ser reconhecidas em sua totalidade e reintegradas nas Américas antes que a reinvenção do mundo no Ocidente possa ocorrer.
Agora, sopram ventos do Oriente e da Eurásia inspirando novas formas de co-existência. Mas os controladores do capital, da riqueza e do poder mundano não se renderão sem luta - ou sem algumas guerras e uma carga pesada de controle social por intermédio de uma tecnologia capturadora de corpos e mentes. O que irá acontecer? Uma Grande Reinicialização ou uma Grande Mutação?
Haveria uma saída? Sim. E ela parece seguir a trilha das Novas Rotas da Seda e da integração eurasiana - literalmente em grande medida, mas também simbolicamente. O Ocidente tem muito a ganhar se abrindo para os ventos do Oriente, para as notícias e ideias trazidas por eles, para histórias sobre uma comunidade de interesses compartilhados para a humanidade. Um novo sistema mundial está no ar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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