O ataque de Elon Musk
Não é só a mentira que ameaça a democracia. O controle sobre os comportamentos também. Sem cidadãos autônomos, ela não é capaz de sobreviver
1.
Elon Musk decidiu partir para o ataque. Está ameaçando descumprir decisões da justiça brasileira relativas ao Twitter (que só ele chama de “X”). Diz que vai perder dinheiro, mas que “princípios” são mais importantes.
A gente finge que acredita. Como as outras vozes da extrema direita da qual Elon Musk se tornou corifeu, há muita conversa sobre princípios, mas procurando um pouco se acha a motivação real: grana.
O jornalista Luís Nassif juntou os pontos. Os agentes da Fundação Lemann no MEC montaram um edital relativo à informatização das escolas com exigências aleatórias que só a Starlink, de Elon Musk, poderia atender.
Jorge Paulo Lemann, o saqueador das Lojas Americanas e líder, como disse Luís Nassif, de um curioso grupo de bilionários que entram “apenas com indicações, não com dinheiro”, está interessado em fazer negócios com Jorge Paulo Lemann, Elon Musk. Por isso o agrado.
Mas o esquema vazou e o MEC retificou o edital, eliminando a pegadinha que beneficiava a Starlink. Por isso Jorge Paulo Lemann, Elon Musk está bravo e resolveu revidar.
A única dúvida é se os ataques foram combinados com o bolsonarismo ou se (o que é mais provável) o bilionário decidiu por conta própria sabendo que a extrema direita local acompanharia de ouvido.
2.
A reação de Elon Musk é mais um dos riscos gerados pelo fato de que organizações monopolísticas, privadas, estrangeiras e com ânimo de lucro se tornaram a grande arena em que o debate público ocorre.
O bilionário nascido na África do Sul se singulariza por seu jeito destemperado e modos de criança mimada. Participa de reuniões de negócios intoxicado, responde tuítes com emoji de cocô, é adepto de bravatas, traumatiza seus filhos ao batizá-los de forma bizarra (“X Æ A-12”, “Exa Dark Sideræl”, “Techno Mechanicus Tau”). Mas Mark Zuckerberg e Larry Page, para citar apenas dois exemplos, são igualmente predatórios e danosos à democracia.
As plataformas sociodigitais são experimentos de modulação de comportamento em massa. As consequências em termos de qualidade do debate público, segurança e saúde mental (sobretudo de crianças e jovens), sustentabilidade ambiental ou preservação de direitos não importam – o que elas desejam é lucro e poder.
A doutrina liberal da liberdade de expressão, que ainda hoje funda muitas de nossas expectativas, incluía dois pressupostos que hoje estão erodidos.
O primeiro é que seria possível operar como se, em regra, os falantes agissem de boa fé. Isso não é mais sustentável num ambiente de mentiras deslavadas disseminadas em ritmo industrial.
O segundo é que o debate aberto promoveria a vitória das posições mais sólidas, melhor embasadas, com maior aderência à realidade.
Por isso, muito da crítica ao velho sistema da mídia corporativa apontava na direção de ampliar a pluralidade de vozes, a fim de que os diversos interesses sociais disputassem com maior condição de igualdade na esfera pública.
A comunicação guetificada das plataformas, com suas “bolhas” independentes, muda por completo a situação.
É necessário ter critérios os mais claros possíveis sobre a linha divisória entre conteúdos legítimos e ilegítimos. A solução não é deixar tudo ao arbítrio de Alexandre de Moraes – nem, muito menos, de Elon Musk ou Mark Zuckerberg.
Mas não basta isso. É preciso também regular o funcionamento dos algoritmos e regular o modelo de negócios das plataformas, a fim de reduzir seu império sobre os usuários.
Não é só a mentira que ameaça a democracia. O controle sobre os comportamentos também. Sem cidadãos autônomos, ela não é capaz de sobreviver.
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]
Publicado originalmente nas redes sociais do autor.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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