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    Tereza Cruvinel

    Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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    O bolsonarismo no ataque

    "Direita e extrema direita se uniram para dobrar o Governo. A derrota não foi de Lula. Foi nossa, da democracia", analisa Tereza Cruvinel

    Lula (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil | Pedro França/Agência Senado)

    Direita e extrema direita se uniram ontem (28) no Congresso para dobrar a espinha do Governo, derrubando vetos de Lula e mantendo alguns de Bolsonaro, com destaque para o que impediu a criminalização de fake news. A derrota não foi de Lula. Foi nossa, foi da democracia, foi da política diante da marotagem e do jogo da lacração para enganar e manipular.

    Juntas, direita e extrema direita decidiram manter o fim das saidinhas de presos, um dos melhores instrumentos de ressocialização segundo especialistas; numa medida de autoproteção, derrubaram a tipificação das fake news como crime; e com uma trama bem urdida por Eduardo Bolsonaro, criaram a ideia de que Lula refugou, com vetos, a proibição de ações abomináveis com dinheiro público.

    Não foi só com gritos, impropérios, vilipêndios e coros de “fora Lula” que os bolsonaristas fizeram o espetáculo catártico de que estavam precisando. Foi também com a indecorosa capacidade que sempre tiveram para mentir, distorcer a realidade e criar narrativas perversas com aparência de verdade, que irão alimentar a turba e seduzir os incautos.

    Uma delas fará circular que Lula quis autorizar cirurgias para mudança de sexo em crianças. Dirá que esta e outras monstruosidades eles, com seus valores elevados, impediram ao derrubar veto, em nome da vida, da liberdade, da propriedade, da família e das crianças.

    Essa história foi um ovo bem chocado. Na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para este ano, o filho zero dois de Bolsonaro apresentou o que chamou de “emenda patriota”. Ela proibia o governo de realizar gastos com as seguintes atividades: financiamento de entidades que praticam invasões de terra; de “ações tendentes a influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico”; ações “tendentes a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional”; cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo; e “realização de abortos, exceto nos casos autorizados em lei”.

    Lula vetou a lorota. As ações mencionadas já são ilegais e não devem ser tratadas em lei orçamentária, mas em diplomas legais específicos. Depois, nunca se teve notícia de qualquer projeto ou intenção de política pública com aqueles objetivos. Além do mais, os gastos do governo já são fiscalizados pelo TCU, MPF, CGU e outros órgãos de controle. Mas houve gente escrevendo na mídia que tais ações “agora estão proibidas”, como se algum dia tivessem sido praticadas.

    Milhares, talvez milhões de pessoas viram pela TV Câmara o senador Girão ou o deputado Van Haten, entre outros bolsonaristas, pregando a derrubada do veto para evitar as monstruosidades. Tiveram coragem de acrescentar que elas consumiriam muito dinheiro que poderia ser aplicado no SUS e em outros serviços públicos.

    Diziam estes absurdos com convicção e emocionada indignação, como quem conta uma história verdadeira. Eduardo chocou o ovo para que Lula vetasse e eles pudessem colocar no mundo a narrativa perversa que já está correndo nas redes ontem. Não foi só de Lula a derrota, foi nossa.

    A primeira vitória da sessão foi a manutenção de um veto de Bolsonaro a um artigo da lei que revogou a Lei de Segurança Nacional da ditadura e instituiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Tal projeto de lei foi apresentado em 2002, pelo ex-presidente Fernando Henrique, na remoção de alguns entulhos autoritários ainda em vigor. A votação só aconteceu em 2021 e Bolsonaro vetou um artigo acrescido pelo relator, tipificando como crime a prática de “comunicação enganosa de massa”, eufemismo para fake news. Pena, 5 anos de reclusão. O Planalto, naturalmente, queria derrubar o veto.

    A sobrevivência do artigo era uma ameaça a quem só faz política com fake news. Apavorados, os bolsonaristas entraram em modo fervura, empinando o discurso de defesa da liberdade de expressão e atacando Lula da forma como já sabemos. Veto mantido, Eduardo Bolsonaro festejou em uma rede social: “Vitória! Veto 46 mantido! Inexiste a possibilidade jurídica de se encarcerar internautas por até 5 anos sob desculpa esfarrapada de fake news”. Derrota de Lula? Não. Nossa, da democracia.

    A terceira vitória deles foi com a derrubada de vetos de Lula a partes do projeto (originário do Congresso) proibindo as saidinhas de presidiários em feriados e datas festivas.

    Por acordo, o governo teve uma só vitória, a manutenção do veto de Lula a outro artigo da LDO, que fixava um calendário para liberação obrigatória das emendas orçamentárias dos parlamentares. Vitória magra diante das derrotas de forte significado.

    Em todas as votações, a aliança direita-extrema direita obteve mais de 300 votos, dados pelo PL e pelos partidos que entraram para a coalisão governista, ganhando ministérios e outras posições. O governo teve apenas os votos do bloco de esquerda, em torno de 130.

    Nem sempre será atropelado como ontem. Conseguirá aprovar matérias de seu interesse, como vem conseguindo, a duras penas. Mas sempre que entrarem em pauta temas da agenda dos dois blocos conservadores, ou levados por seus aliados do mercado ou do empresariado, a correlação de forças será essa.

    Há muito chão (e perigos) pela frente nessa estrada esburacada. Foi disso que nos falou a sessão distópica de ontem.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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