O Brasil diante do Massacre do Jacarezinho: Será que chegou a hora de Davi?
As falsas guerras e cruzadas morais convergem para o que de fato são: violência extrema. A banalização da crueldade alimenta o moinho satânico ou a máquina de moer gente
As descrições dos brutamontes, dos Golias, são metáforas bíblicas da força bruta que perde para a justiça. As imagens e narrativas da luta contra a servidão são cheias de táticas de fuga, de estratagemas que definem a estratégia para a libertação dos cativos. No quadro atual de avanço contra o valor da vida chegamos ao limite do intolerável. Muitos perguntam o que pode acontecer? Como não cair na armadilha dos provocadores? Como reagir com sensatez dados os riscos de contaminação pelo vírus e pelo ódio?
Como sair dos processos de horror extremo, de ignorância, de crueldade e de barbárie? Quanto tempo a razão cínica vai gerar um individualismo narcisista e, ao lado do medo, que alimenta os donos do poder no país dominado pelos privilégios e pela perversidade, que gera genocídio e se sustenta na indiferença?
Nossa maturidade e a qualidade de nossa democracia sofrem atentados diários, assim como nossa saúde, diante de um governo que se alia ao poder devastador da pandemia. O espetáculo confuso e delirante de continuar sem usar máscara e de apelar para a ruptura do pacto institucional se espalha em manifestações caricaturais como a de buzinar diante de hospitais, ou a de clamar pela falsa solução do apelo a uma intervenção militar, que já mostrou o risco do fracasso na qualidade de governar e no desvio de função, no passado e hoje.
A conjuntura se agrava com a violação evidenciada em atos como o de invadir residências, criminalizar movimentos, invadir terras protegidas, saquear e destruir riquezas, privatizar patrimônio público e atacar opositores. Armando milícias e estimulando práticas genocidas para a atuação das instituições de polícia. Ao lermos nos dicionários as definições para palavras como chacina, massacre e genocídio temos diferenças de intesidade, escala e enfase.
Ao falarmos de acidente, trauma, caos, colapso e catástrofe temos um uso, nem sempre preciso. Mas estes significantes povoam o imaginário e as narrativas sobre a cena contemporânea, em especial no Brasil. Vivemos tempos de catástrofe, crueldade e barbárie, chegou a hora de mostrar o corpo da resistência indo do luto até luta. Indo da resistência até a busca de alternativas, necessárias e possíveis para construir políticas e modos de governar que, já se desenharam em inúmeras práticas do passado recente, que já se mostraram indispensáveis.
Repetindo, as falsas guerras e cruzadas morais que convergem para o que de fato são: violência extrema. A banalização da crueldade alimenta o moinho satânico ou a máquina de moer gente. Existe um momento em que o registro desta intensidade de violência vai tornando preciso o significado de certas palavras que precisam ser ditas , em que os fenômenos sociais antes velados se convertem em fatos sociais grotescos.
Os acontecimentos decisivos vão abrindo a fenda, o abismo e a brecha que exigem que se pense e se tome uma atitude. Que se faça o luto e que se busque resistir, nos limites de cada um e na força do coletivo. No agir público contra o poder que se alimenta da doença e da injustiça. Sair nas ruas vai se tornando inevitável para barrar o risco de ampliar os banhos de sangue, diante do desperdício de vidas pelo aniquilamento, pelo encarceramento e pela perda de vontade.
Nos fatos sociais, os que envolvem e afetam a vida de todas e todos, temos o registro de como o horror extremo bate na fronteira do intolerável. A dimensão ética tem de responder ao questionamento de quando agir, a partir do julgamento dos fatos desde a convicção da dignidade moral que nos define sentidos para a condição humana. Esta tomada de consciência quase sempre se relaciona com fatos mobilizadores, que se não tiverem respostas fazem a sociedade sucumbir ao poder dos crimes aberrantes, quando mesmo diante da evidência robusta das provas os operadores do crime encontram os seus agentes justificadores.
No meio de tantas chacinas se produz um genocídio como processo, mas em algum momento se dá o Massacre, como o do Jacarezinho, que exige resposta sob pena de nos submetermos a mais um avanço na direção da servidão e do ódio.
O Massacre do Jacarezinho é um ponto de intensidade, um evento que marca a intensidade e o alcance de um acontecimento definidor, um divisor de águas que cobrará o seu preço no futuro do presente. O mesmo se dá em relação a uma sucessão de traumas que produziram o colapso ambiental e sanitário, bem como, ao conjunto de ações do tipo da guerra híbrida, que levaram a uma farsa judicial e institucional e a uma tutela policial e militar na cena brasileira. O que abre para a emergência de bandos armados, que tornaram ainda pior o quadro de controle miliciano e do tráfico nos territórios da cidade do Rio de Janeiro, como instrumento de extração de mais valia social e produção de sofrimento.
O fracasso se alimenta e se repete quando se trata de sustentar interesses e forças da injustiça e da desigualdade na via da segregação e do preconceito. A pergunta que se coloca é: se nos próximos dias, deste maio de 2021, poderemos barrar a lógica destrutiva, através da formação de blocos de forças democráticas, capazes de rearticular as relações entre imunidade e comunidade na via democrática e republicana?
O mês de maio lembra a necessidade de avançarmos num projeto para o Brasil que vá além da abolição, capaz de contribuir para avançar o poder da cidadania por meio de novas alianças, como as que se teve contra as ditaduras de todo tipo. Tratasse de impedir que se quebre as condições mínimas para que a sociedade brasileira não passe, mais uma vez, pelo atraso dos banhos de sangue e de dor.
Neste quadro Davi se movimenta, pela unidade das forças moleculares de defesa da vida que não aceitam a mentira e a força bruta. Mas será preciso ter coragem, paciência e organização para garantir que este maio de 2021 seja marcado pela virada da resistência. A unidade na diversidade começa a se organizar a partir da centralidade do social e das vozes, corpos e territórios segregados, que gritam contra a naturalização dos processos mórbidos ou da pulsão de destruição.
Maio de luto e de luta como resposta ao Massacre do Jacarezinho e a uma explosão de fome, doença e morte que nasceu do negacionismo, _ como discurso atual da legitimação da exceção e do excesso. Estamos diante de forças que colocam em prática o apelo ao fascismo sem máscara, pois Golias enlouqueceu.
O neoliberalismo, esta doença infantil do capitalismo mundializado, começa a ensinar seu contrário o valor da vida, a importância da justiça social e o valor do conhecimento. O valor de uma política que afirme a cidadania e a responsabilidade dos governantes em unir a nação, afirmar o primado dos direitos e se submeter a práticas republicanas sob a base da soberania popular, sem as exclusões prévias que nos lançam na lógica perversa de quem tem sede de morte.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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