O Brasil é refém do mercado? O sadismo da Faria Lima
"O mercado financeiro cooptou o Banco Central e impõe sua visão de expectativas sobre o futuro"
Infelizmente a resposta é sim. E isso foi construído com o apoio de governos passados, que trabalharam para criar este monstro etéreo que assombra a macroeconomia e impõe seus desejos em detrimento das necessidades dos cidadãos.
Por meio de um processo de desregulação da economia iniciado no governo Collor e aprofundado nos governos Fernando Henrique, se criou esta situação que molda as decisões macroeconômicas e aterroriza os governos, forçando-os a serem seus reféns.
A partir de ferramentas da cartilha neoliberal à sua disposição implantadas por aqueles governos, colocam-nas em prol de seus desejos, o que amarra um torniquete imenso nas iniciativas do governo quando se tenta implementar políticas públicas em prol de um país mais justo e menos desigual.
O mercado financeiro cooptou o Banco Central e impõe sua visão de expectativas sobre o futuro. Não à toa, ainda nos anos 1990, economistas críticos do modelo neoliberal cunharam a expressão de que o BACEN é o Sindicato dos Banqueiros. Pois bem, ao impor uma expectativa de juros futuros mais altos como freio a uma possível aceleração da inflação, obriga o BACEN a elevar as taxas de juros no presente. Isto encarece o crédito, torna mais cara a produção, e favorece o rentismo, o que, ao fim e ao cabo eleva o preço dos produtos, daí vem mesmo a inflação. Ou seja, o mercado produz inflação com suas armas, uma profecia autorrealizável.
A atuação nefasta não se restringe ao manejo da taxa de juros. Com relação ao câmbio, manipula o preço da moeda com a especulação e desvaloriza o real. Se por um lado isto melhora o ambiente para os exportadores, especialmente do agronegócio, por outro, força a elevação dos preços internamente de grãos e carnes, obviamente alimentando a inflação. Ou seja, mais uma ponta em que o mercado induz inflação que ele mesmo usa como argumento para suas ações sádicas.
Ainda sobre o câmbio, ao sobrevalorizar a moeda estrangeira, especialmente o dólar, encarece os produtos que dependem de importação de insumos e máquinas para a produção. O resultado é o de sempre, mais inflação. Mais uma vez, profecia autorrealizável.
Conforme se vê, a atuação do mercado financeiro concorre para gerar inflação, o que, por conseguinte, obriga o BACEN, cujo mandato prioritário é o combate à inflação, a elevar os juros, mantendo a roda viciosa de juros altos, inflação, câmbio sobrevalorizado, inflação.
O mais perverso desta cínica equação é que os ganhos do mercado ficam protegidos por uma barreia imposta, a de que cortes orçamentários só podem ocorrer nas despesas primárias do governo, aquelas que incluem saúde, educação, segurança, aposentadoria. Os lucros escandalosos pagos ao mercado jamais são tocados, e o país, que neste ano de 2024 teve um orçamento de pouco mais de 110 bilhões em educação, e 210 bilhões em saúde, está entregando para esta “entidade” uma montanha de mais de 750 bilhões de reais, valor que cresce exponencialmente quando se eleva a taxa de juros. Mais taxa de juros, mais dívida pública, maior inflação e claro, mais evidente o falso argumento do mercado de juros maiores para combate-la. Uma roda de sadismo e perversão típica de quem nada de empatia possui para com a sociedade.
Por obra dos senhores Collor e FHC, legou-se esta desumanidade para o país, e, infelizmente, nem governos mais progressistas como os de Lula e Dilma conseguiram ainda se desvencilhar desta situação, que não por acaso é chamada de ciranda financeira, uma roda que gira e roda e permanece no mesmo lugar: pobres cada vez mais pobres e ricos cada vez mais ricos.
Para encerrar, lembremo-nos de uma lapidar frase, cujo autor não conheço a autoria, mas resume bem o que ocorre na economia brasileira: “O MERCADO É INTRINSECAMENTE MAU”.
*Ex-diretor do Sindicato dos Bancários de Brasília é mestre em Políticas Públicas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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