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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O BRICS e os interesses do Brasil

    "O Brasil vê a ordem mundial como um jogo de soma positiva, no qual a ascensão de novos atores não implica a ruína de protagonistas", escreve Marcelo Zero

    Presidente Lula discursa via vídeo na Cúpula do BRICS em Kazan, Rússia (Foto: Serguei Bobilev/Brics Rússia 2024/via Reuters)

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    Quem é você que não sabe o que diz?
    Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
    Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
    Oswaldo Cruz e Matriz
    Que sempre souberam muito bem
    Que a Vila Não quer abafar ninguém,
    Só quer mostrar que faz samba também

    Noel Rosa-Palpite Infeliz

    Infelizmente, a lógica excludente e belicista da nova Guerra Fria tornou-se ubíqua. Na mídia conservadora brasileira, ela é, há muito, predominante. 

    Grande parte da nossa mídia analisa a reunião do BRICS em Kazan com base nessa mentalidade. Estão mais preocupados em criticar Putin ou com a entrada ou não da Venezuela que com os grandes temas que são tratados na reunião.

    Segundo essa lógica, o Brasil teria de escolher um “lado”, na disputa entre as supostas “democracias” e as supostas “autocracias”. 

    Em outras palavras, nosso país teria de escolher entre ser um aliado dos EUA e do Ocidente ou ser aliado da China, da Rússia etc., além de um membro do BRICS. 

    Ora, o Brasil não pode se submeter a esse dilema geopolítico falacioso. O Brasil não tem de escolher um “lado’. O lado do Brasil é o Brasil, país que tem interesses próprios e soberanos, os quais não se subordinam ao de nenhum outro país.

    Como diz Paulo Nogueira Batista Júnior, o “Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Nem no quintal monroísta dos EUA, nem no quintal da UE, nem no quintal da China, da Rússia etc. Queremos dialogar e cooperar com todo o mundo, mas não nos submetemos a ninguém.

    No quadro dessa lógica falaciosa, a ordem mundial é um jogo de soma zero. Para que alguns prosperem e se fortaleçam outros têm de se enfraquecer e fracassar.

    O Brasil, ao contrário, vê a ordem mundial como um jogo de soma positiva, no qual a ascensão e a prosperidade de novos atores não implicam, necessariamente, a ruína de protagonistas já consolidados. Se houver cooperação, respeito mútuo e reciprocidade, todos podem ganhar. A prosperidade de uns pode e deve estimular a prosperidade de outros. Apostar em assimetrias é burrice.

    Nesse sentido, o BRICS, uma criação do Brasil, não pode ser visto com o olhar paranoico de “uma ameaça aos países do Ocidente”, embora muitos no Ocidente assim o vejam.

    Na realidade, o crescente protagonismo do BRICS e o grande número de pré-candidatos para integrá-lo são resultados de uma clara insuficiência de governança global, da inação e insuficiência representativa do Conselho de Segurança da ONU, da política agressiva dos EUA e do Ocidente contra o Sul Global e da necessidade de se superar a extrema dependência que o mundo ainda tem, relativamente ao dólar, entre vários outros fatores.

    EUA e seus grandes aliados, que compõem o chamado Ocidente, representam cerca de 1, 2 bilhão de pessoas. Ora, o mundo tem ao redor de 8 bilhões de indivíduos. A maioria dessa população e dos países do planeta não se sente bem representada numa ordem mundial ainda dominada pelo unilateralismo, pelo belicismo e pela inoperância em temas cruciais, como o das mudanças climáticas, o da pobreza, o das desigualdades etc.

    Nesse sentido, os que dizem defender as “democracias” sustentam uma ordem mundial pouco democrática e assimétrica. 

    Assim, por mais paradoxal que possa parecer para os ideólogos do maniqueísmo internacional, o BRICS representa um importante vetor para a construção de uma ordem mundial mais multipolar, cooperativa, pacífica, simétrica e efetivamente democrática, na qual os países do Sul Global sejam mais ouvidos e representados.

    O BRICS não é “anti-Ocidente” é “pró-humanidade”. 

    Para quem não sabe, a Rússia de Putin quis fazer parte da União Europeia e até mesmo da Otan, mas foi rejeitada. Jeffrey Sachs, criador do acrônimo BRIC, é testemunha disso. Para quem não sabe, a China não tem qualquer desejo de confrontar-se com os EUA, mas o governo desse país está obcecado em “conter Beijing”.

    O Brasil, soft power por excelência, cresce na cooperação e nas negociações e beneficia-se do BRICS, sem se colocar como antagonista de quem quer que seja. 

    Definitivamente, o Brasil jamais cederá à lógica primitiva e reacionária de quem vê o mundo com os olhos restritivos, excludentes e belicosos de uma ordem planetária baseada no jogo de soma zero. Quem enxerga inimigos em todos os lados torna-se inimigo de si mesmo. E quem quer impor “democracia” não é democrático.

    Parafraseando Noel Rosa, o Brasil não quer “abafar” ninguém, só quer mostrar que faz samba também.

    E isso o Brasil faz muito bem.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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