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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    O BRICS precisa de uma moeda própria?

    A nova era se iniciou com tour-de-force estratégico inerente à criação do BRICS11 e envolve questão vai-ou-racha de uma nova estratégia econômica internacional

    Cúpula do BRICS 22/8/23 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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    Bem no centro de discussões acaloradas estão os méritos de se projetar uma nova moeda para o BRICS. O economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr., um ex-diretor do FMI que esteve profundamente envolvido com os BRICS entre 2007 e 2015, observou que a discussão sobre uma moeda de reserva entre os cinco membros originais já era difícil. Com 11 membros, é mais difícil ainda.

    Uma moeda tem que ser emitida por um governo soberano. O indispensável Michael Hudson foi ao cerne da questão enfocando o que foi dito pelo Presidente Putin na cúpula de Joanesburgo: o necessário é um "meio de liquidação" para os Bancos Centrais para manter sob controle os desequilíbrios no comércio e nos investimentos em sua balança de pagamentos. Isso não implica uma moeda supranacional lastreada em ouro dos BRICS.

    O Prof. Hudson observou que "ninguém usa ouro como moeda. Ninguém vai à quitanda, nem compra ações e títulos, ou nem mesmo uma casa com ouro. Isso não será possível com algo parecido a uma moeda dos BRICS em um futuro próximo".

    Então, uma possível "moeda dos BRICS", em um futuro – distante - será apenas uma moeda estreita a ser usada unicamente pelos governos em seus pagamentos mútuos, e será criada em um computador. Ela não será algo que se possa levar no bolso para gastar".

    Não dá para pagar um cafezinho com ela - Michael Kumhof, consultor sênior do Banco da Inglaterra, acrescenta alguns outros elementos: "Uma moeda não precisa ser emitida por um único estado, sua emissão podendo, ao contrário, ser delegada por um grupo de estados a uma instituição comum, como o BCE (Banco Central Europeu). E embora seja pouco provável que essa moeda seja usada pelas pessoas para pagar um cafezinho (quem sabe, com o tempo), ela poderia ser usada pelas grandes empresas no faturamento do comércio transfronteiras

    Kumhof projeta um futuro diferente: “Imagine o caso de 50-100 países virem a se juntar aos BRICS, alguns com moedas bastante fracas. Eles talvez gostem da possibilidade de emitir faturas e fazer pagamentos em uma moeda forte comum a todos eles, a em vez terem que escolher entre o dólar dos Estados Unidos e, digamos, o renminbi chinês. Para não falar do fato de que se os chineses quiserem manter parte de seus controles de capital (uma boa ideia por enquanto, eu diria) o renminbi não poderia substituir totalmente o dólar dos Estados Unidos em transações como essas. Uma moeda BRICS não estaria sujeita a tais restrições. Esse banco do BRICS compraria títulos dos países membros obedecendo a uma espécie de cota, para então emitir uma moeda comum com base neles, com todos os ganhos e perdas compartilhados pelos governos membros. Isso poderia criar um total de liquidez arbitrariamente elevado (e poder de fogo para os BRICS) sem necessidade de endividamento e, de fato, reduzindo maciçamente sua dívida. E, é claro, concordo que isso teria que ser complementado por um acerto de tipo Bancor para eliminar os desequilíbrios entre os diferentes países".

    O que é certo, por enquanto, é que, no cerne do que virá a seguir está um maior papel para o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o Banco BRICS, sediado em Xangai e atualmente presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff.

    Sergey Glazyev, Ministro da Macroeconomia da Comissão Econômica Eurasiana, braço da União Econômica Eurasiana (UEEA), vem criticando fortemente o NBD, explicando que seus estatutos estão vinculados ao dólar dos Estados Unidos e, por essa razão, o banco se vê agora semiparalisado, por medo das sanções secundárias dos Estados Unidos.

    Isso traz para o primeiro plano uma outra questão ressaltada por Kumhof: a conexão BRICS-FMI. Kumhof observa que "Parece que o NBD é basicamente um outro Banco Mundial, embora eu tenha ouvido muito pouco sobre o Acordo de Reservas de Contingência, que em certo ponto foi mencionado como sendo uma espécie de BRICS-FMI embrionário".

    O que a China realmente quer - Esta análise, que atraiu a atenção de Glazyev, examina as razões pelas quais os BRICS não conseguirão se tornar um concorrente das moedas de reserva – em especial do dólar e do euro – e se lançar de imediato a uma dolarização plena.

    O cerne da argumentação é que apenas a China "pode se arrogar o direito de criar uma moeda de reserva", uma vez que a escala, a profunda diversificação e o nível de desenvolvimento da economia chinesa são suficientes para competir com os Estados Unidos e com a Zona do Euro". O problema, segundo essa análise, é que o 'status de reserva não pode surgir sob condições de restrições aos fluxos de capital".

    O que nos traz ao yuan conversível restrito, uma vez que há limites para o câmbio que variam segundo a região e as destinações dos investimentos; limites à "repatriação de capital através de dividendos e juros"; "cotas de retirada de capital industrial para indústrias sensíveis"; e "requisitos rígidos para registro de empresas estrangeiras", entre outras questões.

    A análise, portanto, acaba se reduzindo ao capitalismo bruto: "Não há concorrentes do dólar e do euro no mercado internacional de capitais e não há perspectiva de que algum venha a surgir em um futuro próximo, porque, para que o yuan saia das sombras, a China terá que liberalizar sua política financeira e retirar as restrições ao controle de capital". Portanto, "qualquer quebra da atual ordem mundial no mercado cambial deve ser vista exclusivamente pelo foco da China".

    Mas o problema é que a China não está interessada em fazer com que o yuan assuma o papel de moeda de reserva mundial. E tampouco os BRICS têm esse interesse, mesmo antes do BRICS 11. O interesse da China foca o aumento das negociações de yuan e as operações de caixa e liquidação (cerca de 4,5-5% do volume global de negócios, no presente mês).

    No próximo estágio, haverá mais financiamentos transfronteiras (por exemplo, com empréstimos em yuan) e mais atração de capitais internacionais em instrumentos financeiros denominados em yuan. Ainda não chegamos lá.

    A análise, corretamente, identifica as prioridades da China como sendo "expandir a presença do yuan no mercado externo e redefinir a entropia interna por meio da descentralização e da difusão internacional da oferta monetária em yuan".

    A análise, também, não está longe da verdade quando conclui que o yuan não é um concorrente do dólar dos Estados Unidos e do euro: "Essas moedas estão em dimensões diferentes, em diferentes estágios de desenvolvimento, e desenvolvem-se seguindo trajetórias diferentes".

    O que fatalmente irá acontecer, portanto, é "uma yuanização mais pronunciada entre países neutros, com a China trazendo para sua órbita países subordinados e dependentes, expandindo assim sua influência".

    Não vamos mais admitir isso - A visão de Michael Hudson é muito mais sofisticada e vai muito além da internacionalização do yuan ou da necessidade de uma moeda dos BRICS. Ele toca o coração do problema para o Sul Global/Maioria Global/Globo Global:

    "Os países do Sul Global têm um cateter econômico inserido em sua corrente sanguínea monetária, drenando seus superávits da balança de pagamentos a fim de pagar pelo fardo pós-colonial (ou talvez neocolonial) de 'atrasos de dependência' dolarizados que os impede de equilibrar seu comércio exterior e seus investimentos."

    Ele acrescenta: "se os países têm que continuar pagando suas receitas de exportação e seus novos empréstimos (como o empréstimo de yuans chineses pela Argentina) a fim de pagar o FMI e outros detentores de dólares (frequentemente sua própria elite cleptocrata), então como eles poderiam acumular yuans, rublos, rúpias, rials e outras moedas do Sul Global? Para que isso aconteça é necessário que eles digam: 'Agora que expulsamos os colonialistas franceses e as OnGs dos EUA, temos que anular as contas controladas por eles para nos fazer pagar pelos padrões distorcidos de investimento e comércio que nos foram impostos desde a Segunda Guerra Mundial'.

    É desnecessário dizer que as forças imperiais, mesmo em seu atual estado de desorganização, nem mortas aceitarão uma tal situação. Mesmo assim, o Prof. Hudson é implacável ao denunciar que o FMI e o Banco Mundial "desviaram a alocação de recursos da produção interna de alimentos, direcionando-a ao cultivo de culturas de exportação, e da substituição de importações para a dependência nas importações – tudo isso acrescido de leilões de privatização de infraestrutura básica vendida a estrangeiros a fim de impor preços monopolistas, e fuga de capitais em vez do fornecimento de serviços básicos a preços subsidiados a fim de tornar mais competitivas suas economias, como vinham fazendo os Estados Unidos e a Europa com suas próprias economias".

    É isso, como ressalta o Prof. Hudson, que a discussão política deve focar. Podemos chamar isso de uma mensagem direta aos BRICS 11. O que é muito mais importante do que especular sobre uma moeda dos BRICS que não virá tão cedo.

    Tradução de Patricia Zimbres

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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