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    Roberto R. Martins

    Autor de Liberdade para os Brasileiros – anistia ontem e hoje

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    O caderno azul de Jenny

    “Meu caderno termina aqui e espero que continue sendo o segredo mais bem guardado do mundo"

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    Acabei de ler um livrinho empolgante, pra não dizer extraordinário, que recomendo a todos os que sonham com um novo amanhã. Embora no fim fiquei um pouco nostálgico, mas... 

    O título é o mesmo deste artigo, escrito – ou rabiscado em seu caderno de capa azul – “desvendado” ou reescrito por dois escritores modernos, 150 anos depois. Ela era militante socialista, jornalista, tudo anotava; faz uma secretíssima viagem com o seu pai – figura histórica, revolucionário mais que conceituado – durante um acontecimento também extraordinário na história da humanidade. Basta citar a última frase das anotações: “Meu caderno termina aqui e espero que continue sendo o segredo mais bem guardado do mundo.”

    150 anos depois, um seu bisneto, mexendo num velho baú da família o encontra. E mal consegue decifrar o texto, escrito em alemão gótico, letra cursiva, apenas cerifica-se de era de 1871. Referindo-se a dois amigos, eles se mostram interessados, mobilizam outro amigo alemão e tudo “decifram”:

    Trata-se de uma viagem secreta que Jenny, a chamada pelo pai de Jennychen, no diminutivo. Quem era seu pai? Mohr, o Mouro, apelido caseiro de Karl Marx. Trata-se de uma viagem que fazem de Londres, onde vivem em liberdade, a Paris, em pleno auge da Comuna. Note-se que embora ela tenha nascido em Paris, eles haviam sido expulsos da França devido à pressão do governo prussiano (alemão). E a Comuna vivia em Paris cercada pelas tropas governamentais sediadas em Versalhes, tendo resistido por quase três meses. É uma viagem cercada de cuidados, uma boa maquiagem para que ele não fosse reconhecido, e documentos falsos, como um alfaiate e sua filha, a comprar tecidos em Paris. 

    Apesar de algumas turbulências, chegam, são hospedados na casa do Léo Frankel, líder comunardo e membro da AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada por Marx – e visitam, nos pouco mais de 15 dias que passam por lá, vários membros da liderança da Comuna, a maioria já conhecidos como membros da AIT. Entre eles estão a revolucionária russa Élizabeth Dmitriff, que preside a União das Mulheres; Charles Longuet, namorado e, um ano depois, esposo de Jenny, que era responsável pelo Diário Oficial da Comuna, onde Marx revê uma série de decretos que moldam as feições proletárias da revolução; Eugene Varlin, membro da comissão de finanças da Comuna, considerado um “comunista autoritário”; Luoise Michel, uma das mais valorosas líderes da Comuna, com quem Marx mantém um amplo debate teórico-político.

    A Comuna de Paris tinha uma composição política ampla, onde se encontravam desde os membros da AIT (que por sua vez aglutinava também várias correntes socialistas, sindicalistas, adeptos de Marx e Engels, mas, na época, ainda não marxistas), socialistas, prudhonianos (anarquistas), blanquistas (revolucionários radicais, embora Blanqui estivesse preso), jacobinos, republicanos, maçons. Marx costumava dizer que os insurgentes parisienses tinham “tomado o céu de assalto” e constituído o primeiro governo proletário na história da humanidade. Comparava a Comuna à grande revolta de Spartacus, mas esperava que seu fim não fosse o mesmo. A Guarda Nacional, com seus canhões, e os trabalhadores e as trabalhadoras franceses em suas barricadas, haveriam de vencer as tropas do “anão” Thiers, de Versalhes.

    Mas logo surgem boatos espalhados a partir de Versalhes de que um prussiano estaria por trás da revolta parisiense e Marx é obrigado a retornar a Londres. Novo incidente ao embarcar ao Calais, mas logo se assenta no navio inglês, “território inglês”, como diz o comandante, onde a polícia francesa não tinha jurisdição.

    Mas, e a nostalgia? Depois de “viver” toda aquela luta revolucionária, toda a discussão teórica, é nostálgico saber que tudo não passou de uma fantasia, se trata na verdade de uma “ficção política” muito bem elaborada por seus autores, Michael Lowy e Olivier Besancenot, para, de uma forma original, comemorarem os 150 anos da Comuna de Paris em 2021. Cujo subtítulo da edição brasileira editada pela Boitempo não esconde o conteúdo: “A visita de Marx à Comuna de Paris”.  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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