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    Sara Goes

    Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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    O cão é articulado... e denunciado

    A colunista cita a denúncia contra Bolsonaro, mas alerta: 'há perigo entre governistas. Fogo amigo fere mais que ataque externo. A carta de Kakay é um exemplo'

    Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (à esq.), Jair Bolsonaro e Lula (Foto: Reprodução I Divulgação)

    A cada novo dia, a oposição a Lula se reinventa. Não há pausa, não há descanso. O ataque é contínuo, planejado e, acima de tudo, articulado. O cão fareja qualquer fragilidade, qualquer hesitação, e avança com fúria. Ele não ladra ao acaso; age com precisão.

    O Brasil assiste a uma guerra de narrativas onde os fatos pouco importam. Temos uma economia mais estável do que a que herdamos; a inflação de alimentos caiu pela metade em relação ao governo anterior. Mesmo assim, repete-se à exaustão que tudo vai mal. O dólar sobe, e a culpa é inteiramente jogada sobre Lula, ignorando que a moeda americana se fortalece globalmente por decisões que nada têm a ver com o Planalto. Criam-se crises onde não existem e, quando há um problema real, amplificam-no até que pareça uma hecatombe.

    A recente denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro no inquérito do plano golpista deveria ser um divisor de águas. O documento, de 272 páginas, detalha o envolvimento direto do ex-presidente em uma conspiração para impedir a posse de Lula. Segundo a PGR, Bolsonaro e seus aliados mais próximos "articularam, instigaram e participaram de um plano criminoso para abalar o Estado democrático de direito e perpetuar-se ilegitimamente no poder".

    O plano incluía a decretação de um "estado de defesa", previsto no artigo 136 da Constituição, como pretexto para intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e desacreditar o resultado das urnas. No documento, a PGR cita que Bolsonaro "proferiu declarações públicas sem qualquer base fática para incitar desconfiança no sistema eleitoral, promovendo a ideia de fraude e estimulando medidas antidemocráticas". Além disso, a denúncia revela que um decreto presidencial chegou a ser redigido para anular as eleições e garantir a continuidade de Bolsonaro no poder, mas não foi assinado devido à resistência de comandantes militares.

    A peça acusatória aponta que Bolsonaro teve encontros frequentes com auxiliares para planejar o golpe, e que os participantes "tinham plena consciência de que estavam cometendo atos ilícitos, mas ainda assim prosseguiram". A PGR também cita uma reunião crucial no Palácio da Alvorada, na qual o ex-presidente teria discutido diretamente com seus subordinados as condições necessárias para implementar o plano.

    No entanto, o cão é articulado. Ele rosna, morde e inverte a lógica: de repente, não é Bolsonaro o golpista, mas sim Lula o "autoritário". A inversão da realidade é um espetáculo montado para confundir, e confunde.

    O problema não está apenas na oposição declarada. O verdadeiro perigo esconde-se dentro do próprio campo governista. O fogo amigo, travestido de crítica construtiva, fere mais do que os ataques externos. A carta de Kakay é um exemplo disso: sua preocupação pode até ser genuína, mas o efeito prático é oferecer munição ao adversário. Enquanto Lula enfrenta inimigos que não dormem, velhos aliados lançam dúvidas sobre sua capacidade de governar, espalham pânico e, no final, ajudam a alimentar a fera que querem combater.

    O cão é articulado, mas o governo precisa ser mais. Lula não pode se dar ao luxo de ignorar a guerra de narrativas. A política não se faz apenas com boas gestões e estatísticas favoráveis; faz-se também com a disputa de símbolos e discursos. Se há uma batalha pelo imaginário popular, então que se lute nela. Deixar que apenas os opositores falem é um erro grave – erro que já custou caro em 2018.

    O governo precisa sair da defensiva. É hora de deixar claro quem são os verdadeiros inimigos do Brasil. Se o Congresso tem 82% de reprovação, se a imprensa é rejeitada por 47%, se o semipresidencialismo e a anistia aos golpistas são amplamente reprovados pela população, por que permitir que a narrativa da instabilidade recaia apenas sobre o presidente? O povo já deu seu veredito sobre quem são os sabotadores da democracia.

    A oposição é articulada. O fogo amigo, ingênuo ou não, amplia os danos. Mas Lula ainda é o líder capaz de unir as forças progressistas e enfrentar esse cerco. Desde que pare de acreditar que vencer eleições é o suficiente para governar. O cão não se cansa. Ele ronda, ataca, espera o momento certo. Que a esquerda aprenda logo a arte da ofensiva – ou correremos o risco de reviver pesadelos recentes.

    E enquanto parte do Brasil roía as unhas, esperando a denúncia contra Bolsonaro, Lula estava entregando o Prêmio Camões de Literatura para Adélia Prado. Achei simbólico. No dia em que seu maior adversário foi formalmente denunciado por conspirar contra a democracia, Lula celebrava a poesia, a cultura, a arte – aquilo que os autoritários sempre tentam destruir primeiro. Enquanto o caos político explodia nas manchetes, o presidente reafirmava, sem palavras, que governar também é sobre civilidade, sobre resgatar o que nos humaniza.

    Porque o cão ladra, o cão ataca. Mas é preciso lembrar: o Brasil não precisa ser governado pelo medo, pela paranoia, pelo ódio. No fim do dia, a literatura persiste. A democracia resiste. E isso, no fundo, é o que mais irrita aqueles que tentam rasgar a história.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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