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    Mariana Yante

    Pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University.

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    O clã Bolsonaro e o nepotismo pré-institucionalizado: imoral ou ilegal?

    A pesquisadora Mariana Yante escreve sobre o nepotismo e a família Bolsonaro: "A vedação ao nepotismo está na Constituição, e se baseia no princípio da moralidade. Ainda que não impeça a influência concreta, não permite naturalizá-la ou legitimá-la. Ela é, também, um instrumento para vedar a corrupção e o favorecimento pessoal. Na política, a proibição deveria contribuir, além disso, para evitar a concentração de poder em famílias e entre gerações, o que, como se afirmou, é uma prática consolidada no país há muito"; o STF deverá decidir em data não marcada até onde a vedação alcança

    O clã Bolsonaro e o nepotismo pré-institucionalizado: imoral ou ilegal?

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    A crescente influência dos filhos do presidente eleito Jair Bolsonaro no curso de sua campanha e nos movimentos de transição e definição dos novos quadros políticos do Executivo federal tem delineado um cenário sem precedentes no Brasil.

    A rápida ascensão de Jair Bolsonaro levou à reeleição de Eduardo Bolsonaro como deputado federal por São Paulo para seu segundo mandato (o primeiro foi em 2015/2018 pelo PSC) e à vitória de Flávio Bolsonaro como senador pelo Rio de Janeiro (ele era deputado estadual desde 2003 pelo PP e PSC, até sua filiação ao PSL este ano) com números de votos históricos.

    Além deles, Carlos Bolsonaro, nas eleições de 2016, fora reeleito como vereador no Rio de Janeiro (ele ocupa o cargo desde 2000 pelo PSC, migrando para o PSL em 2018), e mesmo Ana Cristina Valle (que se utilizou na urna do nome “Cristina Bolsonaro”), ex-mulher do presidente, candidatou-se à deputada federal pelo Podemos (partido que levou Álvaro Dias a presidenciável) pelo Rio de Janeiro, embora não tenha sido eleita.   

    Os três dos cinco filhos que já ingressaram na política acompanharam a migração partidária do pai para o PSL – legenda que o elegeu – e participaram ativamente da campanha presidencial mesmo antes de seu início formal, cuja cobertura vem sendo divulgada no site da família, o “Blog Família Bolsonaro”.

    Eduardo Bolsonaro parece estar mais inclinado a influenciar a política externa brasileira. Além de figurar como coautor do documentário “Bolsonaro, o Brasil e a ditadura na Venezuela”, divulgado em janeiro deste ano, e de manter relações com outros políticos fora do Brasil, o deputado foi determinante na indicação do futuro Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.    

    Por sua vez, Carlos Bolsonaro foi responsável pela comunicação da candidatura do pai nas redes sociais, e foi inclusive cogitado por ele para chefiar a Secretaria de Comunicação (SeCom) do novo governo, embora a hipótese tenha durado pouco mais de um dia e gerado críticas severas do vereador quanto à cobertura da mídia.

    A forte influência dos filhos durante a campanha e na atual transição governamental (a despeito de o vereador haver anunciado sua saída da equipe depois de atrito com o futuro Secretário-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno) levantou a pergunta: pode o presidente da República nomear filhos para cargos políticos? Isso não é nepotismo?

    Apesar de Carlos Bolsonaro haver rebatido as críticas, salientando que a nomeação é permitida por lei, e de o presidente eleito ter afirmado que não pratica nepotismo, essa é uma das questões que, mais uma vez, vai demonstrar a crescente influência do Judiciário na política brasileira.

    O Brasil não possuía legislação específica sobre a vedação ao nepotismo, até a edição do Decreto n. 7.203/2010, assinado pelo ex-Presidente Lula, a fim de proibi-lo na administração pública federal. A norma alcança expressamente a Presidência da República, seus órgãos e ministérios, além das autarquias e fundações a eles vinculadas. Assim, ficariam de fora empresas públicas (como a Caixa Econômica Federal) e sociedades de economia mista (a exemplo do Banco do Brasil e da Petrobrás).

    No entanto, a questão havia sido submetida dois anos antes ao Supremo Tribunal Federal-STF, e gerou a edição da Súmula Vinculante n. 13, de 2008,segundo a qual “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

    Isso implica dizer que o STF reconheceu que é inconstitucional a nomeação de cônjuges ou companheiro(a)s, além de parentes consanguíneos ou por afinidade (pai e mãe, avós, bisavós, filhos e filhas, netos e netas e bisnetos e bisnetas, sogros e sogras, cunhados e cunhadas, genros e noras).

    A proibição também inclui irmãos(as), tios(as) e sobrinhos(as), e não se resume à nomeação direta, mas também algo que era muito comum no serviço público brasileiro – que as indicações fossem cruzadas. Em outras palavras, para disfarçar a prática, às vezes existiam trocas de favores nas nomeações. Por exemplo, a Juíza X nomeava como sua assessora a filha da Juíza Y, e esta nomeava a sobrinha da outra para seu gabinete.

    A norma consolidada pelo STF é vinculante (obrigatória) e alcança não apenas as funções de confiança (que somente podem ser ocupadas por servidores e servidoras de carreira), mas também os cargos em comissão, ou seja, posições que não precisam ser preenchidas por funcionários(as) públicos(as). Além disso, abrange os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário, todos os níveis federativos – federal, estadual e municipal (este último não tem Poder Judiciário) – e a administração indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas).

    No entanto, a interpretação do STF deixou em aberto a questão mais importante e com maior repercussão moral acerca do nepotismo: a proibição também alcança cargos públicos? Em outras palavras, poderia uma prefeita nomear seu marido como Secretário de Educação ou o presidente nomear um filho para Secretário de Comunicação?

    Em junho/2018, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral (a grande importância social) do tema no âmbito do Recurso Extraordinário 1.133.118. Em outras palavras, o Tribunal irá decidir se a proibição ao nepotismo mencionada nos parágrafos anteriores também alcança a nomeação para cargos políticos.   

    Enquanto isso, pode-se afirmar que não existe nenhuma proibição legal expressa ao nepotismo político desde que a interpretação do decreto seja feita de forma restritiva, tratando-se de algo que ainda se mantém na seara do bom senso e da ética daqueles(as) que detêm mandatos. Vale dizer, o decreto presidencial não excluiu o nepotismo político. Apenas não criou ou diferenciou as categorias de nepotismo político e não-político no nível federal.

    O julgamento ainda não tem data designada, mas agora tem uma dimensão moral muito maior, pois corresponde a institucionalizar e legitimar um modelo de distribuição de poder que se confronta ao mesmo tempo com a representatividade e a preponderância do discurso técnico na política. Ela é, sobretudo, uma ironia em uma retórica política da direita brasileira, que vem pregando a ideia de administração pública como empresa, tão reiterada no cenário político recente.

    Vale lembrar que o Brasil, mesmo coma abolição da monarquia, teve sua independência ainda vinculada a uma escala sucessória, com Dom Pedro I, e que ainda existem herdeiros desse sistema na política. Assim demonstra a recente eleição de um dos herdeiros da Casa Imperial do Brasil,  Luiz Philippe Orleans e Bragança, como deputado federal, e o laudêmio até hoje pago em Petrópolis em favor dos(as) sucessores(as) da família real.    

    A vedação ao nepotismo está na Constituição, e se baseia no princípio da moralidade. Ainda que não impeça a influência concreta, não permite naturalizá-la ou legitimá-la. Ela é, também, um instrumento para vedar a corrupção e o favorecimento pessoal. Na política, a proibição deveria contribuir, além disso, para evitar a concentração de poder em famílias e entre gerações, o que, como se afirmou, é uma prática consolidada no país há muito.

    Em um iminente governo federal que terá entre seus ministros o deputado Onyx Lorenzoni, com denúncias sobre Caixa 2 de campanha, e que teve no primeiro discurso pós-eleição um miniculto do  senador Magno Malta (PR/ES) em um Estado laico, é de se perguntar, porém: o nepotismo seria a primeira ofensa à moralidade no governo eleito ou mais uma delas?    

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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