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    Celso Amorim

    Diplomata, ex-chanceler e ex-ministro da Defesa

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    O Deep State vem ao Brasil

    "O que o diretor da CIA, tinha a tratar em Brasília com Bolsonaro e dois ministros militares?", questiona o ex-ministro Celso Amorim

    Alexandre Ramagem, Jair Bolsonaro, William J. Burns, Todd C. Chapman e Augusto Heleno (Foto: Reprodução)

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    Publicado originalmente na Carta Capital

    É comum entre analistas políticos – aí incluído o autor destas linhas – fazer a distinção, ainda que matizada, entre o governo dos Estados Unidos e o “estado profundo”, ao qual são atribuídas ações nem sempre compatíveis  com as políticas proclamadas pelos líderes eleitos. 

    O lawfare,  que atingiu nosso país de forma tão profunda e desastrosa, é, em geral, atribuído a esse conjunto de instituições,  que atuariam de forma quase autônoma em relação ao governante do momento. 

    Embora esse raciocínio possa refletir certa dose de ingenuidade, da qual devemos nos guardar, a espionagem da Petrobrás e da presidenta Dilma é vista como obra da National Security Agency (NSA) e não costuma ser atribuída diretamente ao Presidente Obama.

    Na mesma linha, o conluio entre o Departamento de Justiça (DoJ) e o FBI e os promotores da Lava-Jato não parece ter sido o resultado de uma decisão específica do presidente norte-americano, mesmo que seja difícil crer que uma operação de consequências tão graves para o sistema político de um país do continente não tenha sido levada ao conhecimento da Casa Branca .

    Na divisão de trabalho da espionagem, tal como revelada, e do ataque midiático-judicial ao ex-presidente Lula, a CIA, esse outro bastião do estado profundo norte americano, parece ter jogado um papel secundário, embora muitas vezes as aparências enganem e, com certeza, muita coisa ainda está por ser descoberta e/ou revelada.

    Esse perfil baixo do principal órgão de inteligência norte-americano nas mais recentes e nocivas interferências de Washington no processo político brasileiro aumenta a estranheza gerada pela visita - tanto quanto pude apurar, inédita - que o Diretor da CIA, o veterano diplomata William Burns, fez ao presidente Jair Bolsonaro e a dois dos seus ministros, ambos generais.

    O que, de fato, veio Burns fazer no Brasil? 

    Certamente, temas ligados à inteligência foram tratados com os ministros, mas isso justificaria um deslocamento tão pouco usual do chefe da agência de informações? 

    Normalmente, esse tipo de acordo segue trâmites burocráticos dos órgãos envolvidos. 

    Por si só, não explicaria a visita, cuja natureza insólita desperta todo tipo de especulação.

    O Presidente da Venezuela, que tem boas e sólidas razões para temer alguma ação mais intrusiva, inclusive militar, por parte dos EUA, associou-a à presença na Colômbia do Almirante Craig Faller, que chefia o Comando Sul (Southcom), o braço das forças armadas norte-americanas que seria o responsável operacional por eventual ataque, sob qualquer pretexto, contra Caracas. 

    Em política, como se sabe, não há coincidências e o fato de que Burns também tenha estado em Bogotá dá peso às suspeitas de Nicolas Maduro.  

    A viagem do chefe da CIA à Colômbia foi objeto de anúncio e explicações prévias, relacionadas com a convulsão social que tomou conta do país e com recentes atentados a uma base militar (com presença estadunidense) e ao helicóptero que transportava o presidente Ivan Duque.

    A vinda ao Brasil continua envolta em uma névoa de mistério. 

    É muito positivo que o Deputado Glauber Braga haja pedido a  convocação dos ministros envolvidos para prestarem esclarecimentos. Enquanto isso não ocorre, diversas hipóteses são levantadas (e não podem ser descartadas).

    Há quem sustente que a CIA poderia estar tramando com o atual governante brasileiro ação para barrar a ascensão de forças progressistas e democráticas, quem sabe até um autogolpe, como o tentado por Trump e seus apoiadores na invasão do Capitólio. 

    Seria paradoxal, mas não impossível, que Washington endossasse aqui um curso de ação similar à intentada pelos extremistas norte-americanos contra o atual presidente dos EUA.

    Pelo pouco que se sabe e por tudo o que ocorreu, não é provável que Joe Biden tenha qualquer tipo de simpatia por Jair Bolsonaro. E aqui reside outro paradoxo. 

    Se espelhasse suas atitudes na região em sua política interna, crítica do neoliberalismo e com forte ênfase no combate à desigualdade, Biden deveria estar mais próximo dos líderes social-democratas, como Alberto Fernández, do que de conservadores extremados, com viés autoritário, como Duque e Bolsonaro (no caso do Brasil, esse qualificativo é obviamente um eufemismo).

    A política exterior norte-americana continua dominada pela obsessiva rivalidade de Washington com Beijing (e, até certo ponto, Moscou) na disputa pela hegemonia global. 

    Sob Trump ou sob Biden, os Estados Unidos convivem mal com a ideia de um mundo multipolar, em que o poder e a influência tenham que ser compartilhados com outras potências. 

    Quando se trata de América Latina, tradicional quintal estratégico, essa obsessão se acentua. 

    Para muitos, lá como aqui, a subserviência do Brasil e da Colômbia (únicos países da região a não apoiarem a resolução condenatória do embargo/bloqueio a Cuba) é o que melhor se encaixa em um concepção baseada na cediça doutrina de Monroe.

    William Burns, além de chefe da CIA, é um experiente diplomata. 

    Normalmente, por suas atitudes passadas, não seria classificado como um falcão belicista. 

    E tampouco é um operador ingênuo, que deixaria previamente suas digitais em uma ação claramente antidemocrática que as forças no poder no Brasil possam vir a tomar. 

    O mais provável é que, além de reforçar laços na área da inteligência, obviamente importantes para Washington, no contexto de suas percebidas rivalidades estratégicas, Burns tenha vindo tomar o pulso da situação social e política conturbada por que passam os dois aliados.

    Não há nesse raciocínio nenhuma ingenuidade. Tudo pode ocorrer. 

    Mas o pêndulo norte-americano ainda não se fixou. 

    Entre ficar com a extrema direita e arriscar-se a uma antipatia crescente das populações ou abster-se de ações que antagonizem os anseios democráticos em dois países cuja evolução terá repercussões em toda a região, o radar de Washington ainda está indeciso.

    A viagem de Burns se insere nesse contexto de contradições. 

    Ignorá-las não ajuda a compreender a complexa realidade que vivemos em todos os planos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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