O discurso cego de Rachel Sheherazade e a legalização da maconha
"O Uruguai vai passar de repressor do tráfico a sócio de traficantes", disse a jornalista, no editorial do SBT Brasil
"O Uruguai vai passar de repressor do tráfico a sócio de traficantes. Esse discurso de pró-legalização é cheio de contradições, como a de que é preciso estatizar o comércio da maconha para poder acabar com o tráfico e a violência. Santa ingenuidade! Como se o traficante não vendesse cocaína, heroína, crack... O Uruguai decidiu legalizar porque a estratégia de repressão às drogas é uma guerra perdida, mas antes de entregar os pontos, sequer investiu em educação e prevenção. É que isso leva tempo, requer dinheiro. Dinheiro, aliás, que o Governo uruguaio deve investir em tratamentos de desintoxicação. Legalizar para...Tratar. Quanto paradoxo! Como na Colômbia, que depois de permitir o uso da maconha, agora quer liberar as sintéticas como LSD e Ecstasy. Na contramão do libera geral estão países europeus, que agora lutam para banir o turismo de drogas. Ah se arrependimento matasse!"
Tais palavras foram proferidas no editorial do SBT Brasil, o principal telejornal da emissora, pela jornalista Rachel Sheherazade e bombou na internet. Fato já corriqueiro, aliás. Rachel ficou famosa após um vídeo em que criticava duramente o carnaval no Brasil. Silvio Santos se apaixonou, como de praxe, e trouxe a apresentadora pra bancada do horário nobre do SBT, com total autonomia pra dizer o que pensa. Sheherazade assumiu o compromisso e é hoje uma das principais formadoras de opinião no Brasil.
Isso pareceria ótimo, não fosse uma série de contradições, argumentos sem base e achismos discursados pela jornalista ao longo deste ano, que fica muito bem ilustrado com o discurso sobre a Legalização da Maconha no Uruguai. Quem leu ou já tinha visto, provavelmente, teve a mesma reação que eu. Por isso resolvi analisar os principais pontos da fala de Rachel Sheherazade e não discordar, mas pelo menos propor um debate sobre o assunto.
O Uruguai e a educação
O país não pretende virar sócio de traficantes com a legalização da maconha, mas sim regulamentar a compra, a venda e a posse, tirando do tráfico sua principal fonte de renda que é a venda de maconha, a droga mais consumida no mundo. Se fossem duas empresas (o Estado uruguaio e o Narcotráfico), o Uruguai estaria conquistando mais de 50% dos clientes do Tráfico. A produção ficara por conta de cooperativas, fazendas e do próprio usuário, que terá liberdade de plantar em casa uma certa quantidade. Se quiser comercializar terá de fazer isso pelos meios legais do país, caso contrário é tráfico e crime.
Rachel Sheherazade chega a dizer que o Uruguai sequer investiu em educação antes de decidir legalizar a maconha. O que a apresentadora não sabe é que o Uruguai possui um dos melhores índices educacionais do mundo. A taxa de alfabetização é de 96,9%. O termo 'legalizar' não quer dizer liberar o uso. Significa tornar lei, com suas respectivas portarias, na segurança pública, saúde e educação. O Estado uruguaio não fará só o gerenciamento do comércio de maconha no país, mas sim inserir a droga dentro da lei e fazer dela um assunto de saúde e educação no país. Legalizar para tratar, sim, Rachel. Do jeito que está, nas mãos do tráfico, o Estado trata sem sequer saber a origem da droga utilizada.
A maconha pelo mundo
Por fim, Sheherazade enfatiza que países europeus estão na contramão do libera geral das drogas. Talvez esteja se referindo a Holanda, que fechou o cerco contra o 'turismo da droga'. O país era destino de muitos jovens, principalmente de países vizinhos como a Bélgica e Alemanha. O que causava trânsito e muita movimentação nas ruas do país. Isso obrigou a Holanda a mudar a legislação para estrangeiros, tão somente isso. O consumo da erva no país é descriminalizado, não sendo permitido o uso ao ar livre.
Outros países europeus como Portugal e Espanha certamente não foram estudados pela prezada jornalista. O primeiro permite a posse de no máximo 25g de maconha e o segundo 20g por semana, desde que sejam retiradas em associações cadastradas no governo. No Canadá a erva pode ser cultivada se tiver receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo. Em Israel é usada no tratamento de milhares de pessoas com câncer, Parkinson, esclerose múltipla e estresse pós-traumático.
Nos EUA o mercado legalizado da maconha não para de crescer. Ao longo de 2013, vários estados alteraram a legislação quanto ao uso da droga, o que vem salvando economias devastadas pela última crise. Estima-se que em 2013 o mercado da maconha tenha girado US$ 1,43 bilhões, cerca de R$ 3,2 bilhões.
É preciso deixar de encarar a maconha como tabu para assim iniciarmos a discussão sobre o tema. 'Fumar um' no Brasil ainda é tabu, como ainda é a sexualidade e, mais ainda, a homossexualidade. A maconha é sim uma droga. E vicia porque é suave. Você fuma aqui, toma um banho e vai trabalhar normalmente com, no máximo, preguiça e fome. Não dá ressaca no outro dia, não corrói o seu nariz e ainda relaxa. Só que tudo que é bom dura pouco, tornando um vício, pode aumentar a ansiedade, a fadiga muscular, sem contar graves doenças do comportamento. Ou seja, tudo é uma questão de educação e prevenção, coisas que os uruguaios têm melhor que a maior parte do mundo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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