O encontro de Putin e Xi Jinping e a construção de uma nova ordem multipolar
'Será referência para uma nova forma de relacionamentos entre os países', diz o sociólogo Lejeune Mirhan sobre o documento assinado por Rússia e China
Em uma sexta-feira, dia 4 de fevereiro, ocorreu em Pequim, por ocasião da abertura dos Jogos Olímpicos Beijing 2022 (Jogos de Inverno), um importante encontro entre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping. Desse que talvez tenha sido o mais importante encontro entre eles, exarou um importante documento. Foi o mais substancioso que se já viu em uma reunião internacional. Sobre esse tema, tratarei neste novo ensaio.
O documento tem dez páginas. Iniciei o processo de estudo e análise do mesmo assim que ele foi publicado. A mídia brasileira e internacional não deu uma grande atenção. E isso vale para alguns dos nossos militantes de esquerda e progressistas que também não vão a fundo nessa questão internacional (1).
A minha interpretação é que esse documento marca o início da construção de uma nova era mundial ou Nova Ordem Mundial. Uma nova ordem que encerra aquela ordem unipolar que começou em 1991, quando acabou a União Soviética. E vai no caminho de consolidar o mundo multipolar, que é o nosso desejo, que é o nosso sonho (2).
Apresento aqui um pequeno resumo, com curtos comentários sobre os principais tópicos. Na essência, o documento faz a defesa da multipolaridade e do multilateralismo. Duas coisas completamente diferentes.
A multipolaridade significa que há muitos polos no mundo. Hoje são três: Estados Unidos, Rússia e China. Essa reunião do dia 4 de fevereiro de 2022, é da união de dois polos para conter aquele que é o mais forte polo, que são os Estados Unidos.
O mundo tem mais três polos que, voluntariamente, não ajudam a Rússia e a China a construir o mundo multipolar, porque eles renunciam à sua condição de países autônomos, independentes e soberanos, para exercer como polo mundial e são subordinados aos Estados Unidos, subservientes. Este é o caso do nosso Brasil, da Índia e, da União Europeia, que também é um polo. Registro que, após as chamadas operações militares na Ucrânia, iniciadas em 24 de fevereiro, a Índia está se afastando da órbita dos EUA.
Quais são as três características que eu estabeleço para definir quem forma um polo? Eu levanto três aspectos: tamanho do país em quilômetros quadrados, população e Produto Interno Bruto-PIB. Desta forma, Brasil, Índia e União Europeia são polos, eles preenchem essas três condições, mas são polos subordinados.
Quanto ao Brasil, os institutos de pesquisa, estão dizendo que o presidente Lula está indo bem nas pesquisas, podendo vencer as eleições deste ano. Ou seja, nós podemos ter a esperança de que a partir de janeiro de 2023, o Brasil voltará a ser um polo, deixando de ser subordinado aos Estados Unidos.
Podemos voltar a ter esperança de que o Brasil voltará a fortalecer os BRICS (Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul) e defender a multipolaridade e o multilateralismo. Em setembro de 2022, ocorrerá na China a 14ª Reunião de Cúpula dos BRICS, com o afastamento da Índia e mesmo do Brasil, da órbita dos EUA.
Se isso acontecer, a União Europeia vai sentir mais disposição, em função das contradições que ela vive. Ela vai se sentir mais à vontade para se distanciar dos Estados Unidos. Ela tem moeda própria, e muitos acordos comerciais que acontecem com o Irã e com a China, ou com a Rússia, são feitos já em euros, sem precisar do Dólar. Então, a UE tem essa vontade.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte-OTAN, é uma organização militar dos Estados Unidos, que ocupa a Europa. Nenhum país europeu tem soberania. Biden mandou mais três mil soldados, que ficarão baseados na Polônia, que já tem 17 mil soldados dos Estados Unidos (3).
Por que Emmanuel Macron pediu audiência com o presidente Lula e o recebeu com honras de chefe de Estado? O encontro deu-se naquela viagem que Lula fez em novembro de 2021, em seu giro pela Europa. Não foi Lula que pediu para falar com o presidente da França, foi o contrário. Eu não vou entrar aqui nas razões que levaram Macron a fazer isso. Mas, na verdade, a vitória do Lula ajuda a criar este clima na Europa, de independência e soberania (4).
A melhor forma de se medir o PIB de um país é usando o chamado PPC (PIB por Paridade de Poder de Compra). O que significa isso? Significa medir a força da moeda de um país com relação ao poder de compra.
Assim, indagamos: o que um chinês faz com US$100 dólares, e o que um nova-iorquino faz com os mesmos US$100 dólares? Nada. Por isso a Paridade do Poder de Compra reflete muito mais a realidade. Já o PIB per capita é uma forma absolutamente injusta de medir a riqueza de um país e de seu povo.
O método que se adota é dividir o PIB do país pelo número de habitantes. No caso da China, cujo valor nominal é mais ou menos 14 trilhões de dólares e divide-se por um bilhão e meio de pessoas. Isso dá um valor relativamente baixo de PIB per capita.
Os Estados Unidos devem estar com mais ou menos de 21 trilhões de dólares. Mas, se dividirmos por 330 milhões de pessoas dará um PIB per capita muito maior. Por isso esse tipo de PIB não reflete a realidade da situação econômica de um povo.
Nesse quesito PIB por paridade de poder de compra, em primeiro lugar está a China e, em segundo, a União Europeia e, depois, em terceiro, os Estados Unidos.
O que é multilateralismo? São decisões e acordos formado a partir de deliberações coletivas entre países, que são acatadas por todos. Isso vale para as organizações das Nações Unidas. São aquelas siglas que estão no nosso dia a dia, mesmo que em sua maioria nenhuma delas tenha sede no Brasil.
Mas, elas estão na nossa vida e, as principais são: Unesco (cultura), Unicef (crianças), FAO (alimentação), OIT (trabalho), OMC (comércio), OMS (saúde), todas elas são multilaterais. Quando se reúnem para tomar alguma decisão, o voto dos Estados Unidos, em qualquer um destes órgãos, tem o mesmo peso do voto da Ilha de Malta, que é um Principado bem pequeno. Isso é multilateralismo.
Documento Rússia-China
O documento assinado, o mais substancioso que eu já vi, exarado de uma reunião de cúpula desta magnitude de dois grandes líderes mundiais. Ele trata de, pelo menos, 15 grandes temas internacionais e tem proposta para cada um desses temas.
Isso é um recado direto aos Estados Unidos, mesmo sem citá-los diretamente em sua maioria (em alguns casos cita-os diretamente). Assim como para os seus asseclas e seus lacaios, vassalos europeus, especialmente a Inglaterra, que é o maior vassalo já visto em toda a história.
Hoje seu primeiro-ministro Boris Johnson, tem sua imagem arranhada quando foi pego dançando em festas que promovia na residência oficial do Primeiro Ministro (10, Downing Street, London), em meio à pandemia, enquanto o povo estava confinado.
Esse é o maior vassalo, tal qual o ex-primeiro-ministro Tony Blair. Veja que não tem diferença entre “trabalhistas” e “conservadores”, todos são vassalos. Uma vergonha. Não sei se o povo tem consciência disso.
Eu fiz uma síntese dos princípios que nortearam o documento.
1. O bem-estar de toda a humanidade; 2. Construir diálogo para a confiança e a compreensão mútua entre as nações; não há confiança hoje, um desconfia do outro, especialmente, todos desconfiam dos Estados Unidos; 3. Defender a paz; 4. Defender o desenvolvimento; mas não é qualquer desenvolvimento, mas aquele que gera igualdade e justiça; 5. Defender a democracia e a liberdade; eles deixaram claro que não há um modelo único de democracia; 6. Respeitar os direitos dos povos a sua independência nacional e a sua soberania; 7. A ONU e o seu Conselho de Segurança têm que ter um papel central na construção de uma nova arquitetura multipolar, que haja e que atue com base no direito internacional; ou seja, rumar no caminho de uma governança global. A ONU não cumpre esse papel.
Quando começou a pandemia em 2020, o presidente Xi Jinping propôs isto. Sentar à mesa os três grandes – EUA, China e Rússia e mais, quem sabe, o Irã, Síria (árabe), África do Sul (continente africano).
Sentariam à mesa para discutir uma governança global, para uma ação conjunta contra a pandemia.
Os Estados Unidos não toparam. Sabemos que o presidente dos EUA tem dois grandes papeis: é presidente de um país, fazendo um esforço para ser mais keynesiano que Roosevelt e, seu outro papel, é o de chefe de um Império.
Por outro lado, a política externa do presidente dos EUA, de Joe Biden, é desastrosa. Ele não está voltando ao que era quando Obama – de quem era vice – estabeleceu, quando houve alguns avanços em relação a Cuba, ao Irã, etc. Nos quatro anos de Trump ele estabeleceu maldades jamais vistas na história. Ele retrocedeu na relação com Cuba, por exemplo.
O presidente Obama no último ano da sua gestão, em 2016, passou três dias em Havana, apertou a mão do comandante Raul Castro, ficou hospedado no hotel que foi a sede do quartel-general da revolução, abriu uma Embaixada, suspendeu uma série de restrições como o número de vistos, de remessa de dinheiro, de voos fretados.
Assim que o Trump tomou posse, em janeiro de 2017, ele suspendeu tudo, só não fechou a Embaixada. Dez em cada dez analistas diziam que Biden voltaria ao patamar, no mínimo, ao que era com Obama, que não suspendeu as sanções e o embargo, completados no dia 2 de fevereiro de 2022, 60 longos e dramáticos anos. Mas, isto não foi suficiente, e jamais será, para dobrar a vontade política daquele povo revolucionário. As sanções não funcionam e o Biden resiste em manter as sanções.
Agora, ele está ameaçando a Rússia com o maior pacote de sanções jamais visto na história, isso é uma ameaça que pode se concretizar (e acabou se concretizando em função da guerra na Ucrânia). E, se acontecer, vai provocar grandes divisões na Europa, o que afeta a economia europeia, afeta a economia russa.
A maior das sanções visa retirar a Rússia do sistema “Swift”, que é o que permite mandar dinheiro de um para outro e só pode ser em Dólar (tratarei em outro ensaio especificamente sobre a guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro).
Swift é uma sigla: The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). Em 1973, quando foi fundada, não havia internet, era tudo na base da telefonia. Sua sede fica em Bruxelas, na Bélgica onde tem três mil funcionários. Sua fundação ocorreu com 239 bancos, de 15 países. Faz por dia milhões de operações e tem mais de 11 mil instituições afiliadas.
Na essência, a Rússia e a China fazem um chamado para que se estabeleça uma nova forma de relações internacionais, com base em três aspectos – pela minha interpretação do documento: respeito mútuo; convivência pacífica e cooperação mutuamente benéfica.
É o chamado ganha-ganha, onde os dois lados ganham quando fazem acordos bilaterais. Hoje, você faz um acordo com os Estados Unidos, é o ganha-perde, só eles ganham. Um ganha muito e a outra parte ganha pouco.
O documento contém 15 blocos de assuntos: 1. Democracia; 2. Direitos Humanos como forma de ingerência; 3. Defesa do desenvolvimento; 4. A chamada grande parceria eurasiana; 5. Saúde – pandemia; 6. Clima; 7. OTAN; 8. Combate ao terrorismo; 9. Críticas às organizações militares que são contra a Rússia e a China, especialmente a OTAN, AUKUS e QUAD; 10. Citam a questão do acordo de mísseis de curto e médio alcance, que os Estados Unidos, unilateralmente, retiraram-se em 2019; 11. Espaço sideral (o uso do pacífico do espaço que os Estados Unidos estão militarizando); 12. Defesa do fim das armas biológicas, que os EUA estão cheios delas (inclusive em dezenas de laboratórios encontrados na Ucrânia); 13. Fim das armas químicas; 14. Liberdade e segurança da informação e dos dados na Internet, eles defendem uma gestão compartilhada mundial da Internet; 15. Em um último ponto eles estabelecem um conceito que jamais se viu, que é de Comunidade de Destino Comum para a Humanidade.
Democracia
Li e estudei muitos artigos que comentam esse documento. É bem verdade que são artigos do nosso campo, mas todos eles são críticos, mas ao mesmo tempo são elogiosos. Eles analisam alguns aspectos que pretendo aqui abordar.
Alguns países no mundo decidem, voluntariamente, serem vassalos dos Estados Unidos e defendem a hegemonia mundial, ignorando o direito internacional sob o comando do Estado. Então, vê se que é uma interpretação de um dos blocos.
A democracia – dizem russos e chineses –, não há uma única maneira de você garantir ampla participação popular senão pela democracia. Mas, ambos os líderes reafirmam que não há uma única forma universal de democracia.
Cada país tem a sua forma de democracia, tem a sua história, sua cultura. E nós não podemos usar esta falsa bandeira de levar democracia para outras nações. Essa é uma forma de você fazer a ingerência em assuntos internos de outros países.
Quando Bush filho invadiu o Iraque, em 23 de março de 2003, sua secretária de Estado à época, de extrema-direita, era Condoleezza Rice, cientista política e doutora por Harvard. Pois bem. É dela a ideia de levar “democracia” para o mundo árabe, um mundo “atrasado”, cheio de monarquias. E quando os EUA invadiram o Iraque ela disse a famigerada frase “são as dores do parto de um novo mundo” (6).
O Irã é uma República Islâmica, mas é uma República democrática. Eu conheço com razoável profundidade e penso até em escrever um livro sobre o país, depois que fizer uma viagem para lá. Eles construíram o modelo de democracia, que nós temos que respeitar.
Eles elegem até o seu Aiatolá, o líder espiritual, ainda que não diretamente. Eles têm um colégio eleitoral composto por sábios que tem 88 membros. Estes são eleitos pelo voto direto do povo. É mais fácil ser eleito deputado do que membro desse Conselho. Isso não é democracia? Até o líder espiritual é eleito.
Putin e Xi Jinping reafirmam a construção de um bloco que eles chamam de Eurásia. Eles, na verdade, preocupam-se com esta região do mundo. Por isso esse documento não é tão dirigido ao Ocidente, mas a esse público Eurasiano.
Segurança Coletiva
Com relação à segurança coletiva, eles manifestam profundas preocupações, porque a segurança do mundo não pode depender de um só país. Tem que depender de todos, do mundo inteiro. Não dá para falar em segurança, sem falar no coletivo. E, os Estados Unidos não levam em conta aquelas nações que não seguem a sua orientação. Ou seja, a segurança, por definição, é sempre uma questão, um assunto coletivo.
Nunca nos esqueçamos que quando a mídia e mesmo os EUA falam em “Ocidente” ou a tal “Comunidade internacional’, estão falando apenas deles próprios, do Canadá, parte da Europa Ocidental e da Austrália. Nessas localidades vivem apenas 11% de toda a população da Terra. Os outros 89%, situam-se na África, América Latina, toda a Ásia (Oriente Médio, China, Rússia e Índia), entre outros.
A parte mais importante do documento, refere-se a um compromisso claro de que a China está ao lado da Rússia para o que der e vier na questão da Ucrânia (e a vida comprovou isso 20 dias depois que o texto foi assinado pelos dois mandatários).
E a Rússia está do lado da China para o que der e vier na questão de Taiwan. É uma amizade “sem limites”. Eles deixam claro que esta aliança, esta união sacramentada com as assinaturas do dia 4 de fevereiro de 2022, que é uma união jamais vista desde a época de antes da Guerra Fria.
Eles sabem da importância que teve essa reunião, essa aliança e o compromisso que foi assinado através desse documento. Por isso eles também se preocupam com as suas alianças militares. Claro que eles criticam a AUKUS (7) e o QUAD (8), que estão na Ásia, no Pacífico e a OTAN, que eles criticam nominalmente.
É preciso registrar que essas duas organizações militares que agem na região do Indo-Pacífico, são espécie de OTAN agindo no mar do Sul da China e foram formadas para intimidar – como se isso fosse possível – a República Popular da China e “proteger” Taiwan, que pertence à China. Ou seja, em menos de um ano de mandato, o tal “Democrata” Biden criou duas alianças militares.
Mas, Rússia e China têm a deles, que é a Organização de Cooperação de Xangai-OCX, que será fortalecida. A Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico – sigla do inglês (Asia-Pacific Economic Cooperation – Apec) é um bloco econômico formado por países asiáticos, americanos e da Oceania. A fundação da Asean (9) ocorreu em 1967 e a Apec (10) aconteceu em 1989, cuja sede fica em Singapura.
A China mesmo criou um mercado comum, isento de taxas, no maior acordo de livre comércio da história da humanidade, onde não haverá nenhuma taxa para nenhum produto comercializados entre esses países nos próximos anos. É a chamada Regional Comprehensive Economic Partnership (na sigla inglesa RCEP) ou Parceria Econômica Abrangente Regional (11).
E aí entram os países da Asean, que são 10: Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia, desde 1967; Brunei, a partir de 1984; Vietnã desde 1985; Mianmar e Laos a partir de 1997 e Camboja desde 1999. Mais o Japão, a Austrália, a Coreia, e os países observadores: Papua-Nova Guiné e Timor Leste.
Eles deixam claro que a China apoia totalmente o ultimato russo ao ocidente, no que se refere a não expansão da OTAN para o Leste europeu. O documento deixa isso explícito. Quando se refere aos dois países, eles adotam o estilo de redigir usando termos como “os dois lados” ou “as partes”. Quando é para nominar a Rússia ou a China, eles nominam. Neste caso, a China apoia claramente o pleito da Rússia.
Vejam este trecho do documento: “os lados pedem que os Estados Unidos respondam positivamente à iniciativa russa e abandone seus planos de implantar mísseis terrestres de alcance intermediário e curto na região da Ásia-pacífico”. Não é a mesma coisa que dizer que a Rússia apoia o ultimato da China sobre a desmilitarização da região do Indo-Pacífico?
O espaço sideral
Os Estados Unidos criaram uma Força Militar do Espaço. Então, tem Marinha, Aeronáutica, Exército e agora, criaram uma quarta força: a Space Force, para militarizar o espaço. Então, a China e a Rússia se colocam contrárias a essa iniciativa (12).
Naquela passagem acima mencionada, de que é o maior acordo comercial desde a Guerra Fria, nós podemos interpretar da seguinte forma. As relações entre Rússia e China são superiores às alianças políticas e militares desde a época da Guerra Fria.
Não há nada parecido com o rumo que apresenta para o mundo esta aliança estabelecida no histórico dia 4 de fevereiro de 2022, onde Rússia e a China decidem estabelecer uma verdadeira amizade que não conhece limites. O que é uma irmandade muito maior do que já se viu até hoje. Nem na época de Mao Zedong e Joseph Stálin.
O líder soviético morreu em 1953, a China tinha acabado de fazer a revolução, em 1949. Eles conviveram por quatro anos. Mas, entre 1953 e 1956 começa a haver mudanças profundas na União Soviética e Nikita Khrushchov assume o comando do Partido a partir de 1956, quando ocorre o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética.
Armas Nucleares
No caso de armas nucleares eles fazem uma saudação e um manifesto. Esta é a única parte do documento que envolve os Estados Unidos, porque eles assinam - os cinco membros do Conselho de Segurança – Rússia, China, França, Inglaterra e Estados Unidos.
Mas, o Clube Atômico tem mais quatro: Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. Israel não admite que tem mais de 200 ogivas. Os Estados Unidos sabem que têm, mas fazem vista grossa. Eles estão preocupados se o Irã vai construir ou não a bomba. O Irã não quer fazer uma bomba atômica, mas simplesmente ter o direito de enriquecer o urânio a 20%, para obtenção de energia.
Então, há esses três aspectos: biológicos, químicos e nucleares. Quanto aos dois primeiros, é uma crítica aos Estados Unidos e à corrida para o desenvolvimento de armas desse tipo. E, nucleares, eles elogiam o manifesto dos cinco que pedem a contenção, a redução, a diminuição, ou seja, uma série de movimentos questionando: para que armas nucleares? Por que o mundo inteiro não as desativa e mantém apenas armas convencionais?
Perguntaram ao Einstein (1879-1955), certa vez, 10 anos depois que foi jogada a bomba de Hiroshima: como seria uma Terceira Guerra Mundial, ele falou: “a terceira eu não sei, mas a quarta, eu sei que será com paus e pedras”. Porque o mundo inteiro seria destruído (13).
Einstein tinha sido convidado para participar do projeto da bomba, mas se recusou a fazer parte. A história já sabemos: nos dias 6 e 9 de agosto os EUA detonaram a primeira e a segunda bomba, destruindo Hiroshima e Nagasaki, matando cerca de 250 mil pessoas.
Inteligência Artificial e Internet
O documento menciona a inteligência artificial e a Internet. Conforme eu havia mencionado na introdução, o documento manifesta a preocupação com a questão da segurança dos dados e o seu uso. Defendem a governança internacional da Internet.
E, eles mencionam as relações internacionais de um novo tipo. Eles batem com muita ênfase e falam em aderir firmemente aos princípios morais e aceitar a responsabilidade, defendendo fortemente o sistema internacional com o papel central de coordenação das Nações Unidas.
Então, isto mostra o fortalecimento do sistema das Nações Unidas, coisa que o Biden não está fazendo, apesar de ele se dizer multilateralista. Ele voltou para a Conferência do Clima, que completa 30 anos este ano. Trump saiu e Biden voltou. Voltou para a OMS, o que é positivo.
Mas, no final de 2021, ele convocou uma Conferência Internacional pela Democracia no Mundo, chamando apenas 110 países, deixando 83 de lado. Ele deve achar que estes países não sejam a favor da democracia.
Política de sanções
Há dois parágrafos duríssimos de crítica à chamada política de sanções adotadas pelos Estados Unidos, com as quais ninguém aceita e nem concorda. Mas, os Estados Unidos não renunciam a isso. A União Europeia também faz as suas sanções.
O que são sanções? Significa usar a força econômica, política, militar e diplomática de um país para oprimir outros povos. Não são outros governos. Porque, o que fundamenta a sanção é que se vai tentar estrangular tanto um país que o povo vai ficar tão revoltado contra o seu governo que vai derrubá-lo. Eles fazem isso, claro, com governos que não se subordinam aos EUA.
Isto não funciona. Não funcionou em lugar nenhum. Em Cuba não funcionou, na Rússia não funcionou (não está funcionando mesmo depois da guerra na Ucrânia), na Síria, no Irã também não. O resultado é o sofrimento do povo. As primeiras experiências de sanções foram feitas em janeiro de 1991, quando começou a primeira agressão ao Iraque, que acabou no mesmo mês de janeiro.
O bloqueio e embargos ao Iraque começou depois do dia 28 de janeiro de 1991. Os tanques chegaram perto de Bagdá, mas eles recuaram, Saddam Hussein não foi derrubado naquele momento. Só que eles impuseram um bloqueio aéreo, naval e terrestre com centenas de sanções. Entre 1991 e 2003, quando ocorre a segunda agressão ao mesmo país, estima-se que nesses 12 anos tenham morrido até dois milhões de iraquianos, sendo meio milhão de crianças.
Algumas conclusões
Para não dizer que não falei das flores, eu preciso dizer que a China e a Rússia vão fortalecer os BRICS a partir da 14ª reunião da Conferência de Cúpula, este ano, que ocorrerá em Pequim, na China, no mês de setembro, sob a presidência de Xi Jinping (14). No Brasil estaremos em vésperas de eleições importantíssimas.
Eu não falei muito sobre a Índia, que é governada por um Partido de direita, mas ela é um polo mundial, mas polo subordinado. No entanto, a tendência é que ela se desgarre dos Estados Unidos, porque ela tem todos os interesses na Ásia. Ela não pode ficar isolada da Rússia e da China. Em especial mesmo da Rússia, da qual é a maior compradora de armas. Por isso ela não se coloca contra esse país no conflito na Ucrânia.
Eles também decidiram fortalecer a OCX – Organização de Cooperação de Xangai, fundada em 15 de junho de 2001, que completou 20 anos em 2021. Como também completou 20 anos o Tratado de Amizade entre Rússia e China assinado no mesmo ano. Faz parte do documento isto que nem no auge das revoluções russas e chinesas usaram esses termos, é uma aliança inquebrantável.
De minha parte, não tenho dúvida da importância e relevância desse documento – que não é um acordo nem um tratado. Eu diria que é uma espécie de Manifesto de uma Nova Era ou Nova Ordem Mundial. Eles não dizem que todos os países devem segui-los. Mas o seu conteúdo será referência para uma nova forma de relacionamentos entre os países. Vamos verificar.
Notas
1. A íntegra desse documento histórico pode ser lido neste endereço <https://bit.ly/36mMbaU>;
2. No meu livro Conflitos Internacionais em um mundo globalizado, que lancei em 2021 a sua terceira edição, escrito em parceria com o jornalista José Reinaldo Carvalho, publicado pela minha Editora Apparte, na página 433 eu publiquei um capítulo intitulado “Novas e velhas ordens mundiais”, em alusão a um livro de Noam Chomsky de mesmo nome.
3. A notícia do envio de mais três mil soldados pelos EUA à Polônia pode ser lido neste link <https://bit.ly/38vQAJE>;
4. O chamado de Emmanuel Macron à Lula pode ser lido neste link <https://bit.ly/3DJrcvq>;
5. O significado de PIB medido em Paridade de Poder de Compra pode ser lido neste link <https://bit.ly/3r1vgSA>;
6. Essa frase dita pela secretária Rice foi amplamente difundida, mas pode ser lida aqui <https://bit.ly/3v2LXhT>;
7. O significado da sigla AUKUS está aqui <https://bbc.in/3jbo0PH>;
8. E neste link <https://bit.ly/3DP5ru7> pode ser lido o significado de QUAD;
9. Aqui neste link <https://bit.ly/36nlUZN> pode-se conhecer mais e melhor a história da ASEAN e seus membros;
10. Também neste novo link <https://bit.ly/3DSXJPJ> está a história da APEC e seus membros de forma atualizada;
11. Dados sobre esse que é o maior mercado de livre comércio do mundo pode ser conhecido aqui <https://bit.ly/3DL5FCt>;
12. Criada em 2019, neste link <https://bit.ly/3uZ7HLp> está o site oficial – em inglês – dessa força armada;
13. Os dados da declaração famosa do grande cientista estão neste link <https://bit.ly/35NUuN0>;
14. O site oficial da XIV Cúpula dos BRICS, que ocorrerá em setembro na China é este aqui <https://bit.ly/3r6gmKV>.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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