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    Aldo Fornazieri

    Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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    O extravio das esquerdas

    "Os partidos de esquerda brasileiros vivem uma situação tão inusitada, tão patética, que é única na história da esquerda mundial: estão na retaguarda de torcidas de futebol na luta pela democracia e no enfrentamento ao governo Bolsonaro e a seus ativistas que vinham sendo senhores das ruas", diz o colunista Aldo Fornazieri

    Somos pela democracia, protesto antifascista em São Paulo (Foto: Pam Santos/Fotos Públicas)

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    Os partidos de esquerda brasileiros vivem um momento de extravio, de perdição, de inanição, que, muito provavelmente, não encontra nenhum outro momento comparável na história. Nem equivale mesmo ao momento de derrota para a implantação da ditadura militar em 1964, pois naquele momento, vários grupos e movimentos se embrenharam na luta de resistência contra a força das armas. Agora, sequer se enfrenta a força das armas. Talvez o medo, a covardia e o vício parlamentar sejam os principais inimigos das esquerdas. Os partidos entraram numa defensiva estratégica no início de 2015 e de lá não conseguem sair. Adotaram posturas defensivas e reativa com as quais cavaram derrotas sucessivas.

    Essas derrotas não foram apenas políticas. Foram também morais e psicológicas. Abateram a militância e geraram a descrença nos ativistas e nos movimentos sociais acerca da utilidade dos próprios partidos. Os jovens que militam hoje nesses ativismos e nesses movimentos não depositam esperanças de que os partidos possam liderar e comandar um movimento de enfrentamento e de superação ao atual quadro de abandono do povo, de destruição de direitos e de assassinato da dignidade nacional. 

    Os partidos de esquerda brasileiros vivem uma situação tão inusitada, tão patética, que é única na história da esquerda mundial: estão na retaguarda de torcidas de futebol na luta pela democracia e no enfrentamento ao governo Bolsonaro e a seus ativistas que vinham sendo senhores das ruas. A perplexidade que a inação das esquerdas provoca só é dimensionada pela perplexidade provocada pela ousadia celerada dos bolsonaristas. 

    Os partidos de esquerda se especializaram numa algazarra inconsequente contra isso e contra aquilo e em ação nenhuma. Promovem discussões tão infindáveis quanto inúteis sobre frente disso e frente daquilo, manifesto disso e manifesto daquilo, assinar ou não assinar um abaixo-assinado, esquecendo-se que a história sempre mostrou que a unidade se constrói nas lutas e que as fórmulas nunca foram úteis na substituição dos combates. 

    Desde a vitória de Bolsonaro, os partidos de esquerda nunca conseguiram caracterizar bem o seu governo e nem definir ações consequentes para enfrentá-lo. Em 2015-16, as esquerdas proclamavam o “não vai ter golpe” e teve. Agora, proclamam “vai ter golpe” e, dificilmente terá. Nota de senadores dos partidos de esquerda desmobilizaram os protestos do dia 7 de junho, não só por conta da pandemia, mas porque soaria como uma provocação ao governo. Tratou-se de um  exercício claro da pedagogia do acovardamento, da espera, da defensiva e da resignação em face de um governo que humilha e maltrata o povo e que, cruelmente, o conduz à fome e à morte. 

    A chama da indignação, da valentia, da coragem, do combate está morta na alma dos dirigentes e parlamentares dos partidos de esquerda. Viraram membros de um estamento burocrático que vive dos altos salários dos cargos parlamentares e de assessorias e do fundo partidário. Quem olha o site do PT, percebe que o maior instrumento de luta do partido é a emissão de notas. Se no plano das lutas populares os partidos de esquerda estão a reboque das torcidas, no plano da luta institucional terceirizam o enfrentamento aos desatinos autoritários do governo ao STF. A rigor, Alcolumbre, ao devolver a MP da intervenção nas universidades públicas, mostrou-se mais corajoso do que os parlamentares de esquerda. 

    Os partidos de esquerda não conseguem imprimir direção, comando e sentido às lutas políticas e sociais e isto os descaracteriza enquanto partidos, pois os partidos devem dirigir. As atuais direções conduziram os partidos de esquerda a tamanha irrelevância que o principal confronto político do país hoje se define em termos de um confronto entre o governo de extrema-direita com governadores e atores de centro-direita.

    Quem olha os sites dos partidos de esquerda não vê o povo neles. Não vê o povo sendo humilhado nas filas da Caixa Federal; não vê o povo morrendo nas filas dos hospitais; não vê a fome do povo nas periferias. Sequer vê os movimentos de solidariedade do povo para com o povo que sofre necessidades e privações brutais. Quem olha os sites dos partidos de esquerda não encontra uma crítica aos prefeitos e governadores que, junto com a ação criminosa do governo federal, esculhambaram o enfrentamento à pandemia, ora defendendo o isolamento, ora a abertura, ora rodízios inúteis e tardiamente implantando o uso obrigatório da máscara. O poder público, falido qual os partidos de esquerda, nunca foi capaz de definir uma estratégia de isolamento forte e impositivo, para um período relativamente curto, o que teria poupado vidas e mitigado o desastre econômico. 

    Quem se informa diariamente no farto noticiário disponível, encontra nas resoluções dos partidos de esquerda apenas redundâncias repetitivas e indicação de generalidades. A resolução do PSOL(27/04/2020) afirma que é preciso adotar “medidas antissistêmicas”, mas o leitor, o interessado, não encontra nenhuma definição, exemplo ou determinação do que sejam essas medidas. A resolução do PT (12-13/03/2020) termina assim: “O PT conclama seus dirigentes, lideranças de movimentos populares, sindicais, governadores, prefeitos, lideranças religiosas, comunitárias, juntamente com todos os partidos comprometidos com a democracia a se manterem em vigília permanente diante da ameaça contra as instituições do Estado Democrático de Direito”.

    Isto é espantoso. Em primeiro lugar, fica um mistério acerca de quem é o PT que conclama seus próprios dirigentes. Os dirigentes seriam dirigidos por uma abstração ao invés de dirigir? Em segundo lugar, como e onde será a vigília? Nos altares vazios das igrejas? Nos tabernáculos do Senado e da Câmara? Nos esconderijos secretos dos amedrontados pelo golpe? Com lamparinas a querosene nas sacrossantas casas de cada um? Parece ser necessário pedir que os dirigentes tenham o senso do ridículo. 

    Se os partidos de esquerda se desvencilharam da reflexão estratégica, da elaboração de um diagnóstico do que aprisiona o Brasil a uma trágica circularidade e da proposição de um programa e de um movimento capazes de unir o campo popular, progressista e democrático, quem lê suas resoluções não consegue descobrir sequer qual é a centralidade tática desses partidos. Ora parece ser o impeachment como mero desejo e ora parece ser a anulação das eleições pelos tribunais, mas tudo sem luta. 

    A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, nas últimas semanas, lançou a palavra de ordem de “Lula presidente” em 2022. Qual é o sentido dessa palavra de ordem nesse momento? Já o PSOL definiu como prioridade a derrota eleitoral do bolsonarismo nas eleições municipais. Note-se que o partido de Bolsonaro sequer disputará as eleições e os bolsonaristas não serão os principais adversários eleitorais dos partidos de esquerda nessas eleições. 

    Se os partidos sequer conseguem definir claramente suas prioridades táticas é porque, realmente, estão extraviados na insensatez e na inconsequência de seus dirigentes. Enquanto isso, o povo, humilhado, abandonado, doente, sente fome e frio e não tem voz, não tem representação politica, não tem quem o defenda. Bolsonaro não é um a acaso, não é um ponto fora da curva. Ele tem algumas causas. E uma das causas é este estado falimentar dos partidos de esquerda, sua apatia, seus erros, sua perda de energia, de coragem e de combatividade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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