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    Elisabeth Lopes

    Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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    O feitiço virou contra o feiticeiro

    Marçal está fora do segundo turno, apesar do número assustador de votos que conseguiu amealhar

    Pablo Marçal (Foto: Reprodução/YouTube/Jornalismo TV Cultura)

    Num dia em que deveríamos comemorar os 36 anos da Constituição Brasileira cidadã, nos deparamos com mais um crime eleitoral. O que esperar de um candidato tão deplorável? Pablo Marçal (PRTB) mais uma vez degenerou o devido processo eleitoral ao publicar nas redes sociais um falso e criminoso laudo médico sobre o candidato Guilherme Boulos (PSOL), à véspera das eleições para prefeitura de São Paulo. 

    Desta vez, o feitiço virou contra o feiticeiro que foi longe demais com sua poção venenosa para acabar com o adversário. Marçal está fora do segundo turno, apesar do número assustador de votos que conseguiu amealhar. No entanto, nem sempre o desfecho ocorre desse modo. 

    Ainda está presente na memória indignada de alguns eleitores a mentira divulgada à véspera da eleição presidencial em 1989, em que Lula concorria à presidência do país com o deprimente caçador de marajás, Fernando Collor de Melo. O sequestro do empresário Abilio Diniz foi usado para acabar com a imagem do Partido dos Trabalhadores (PT). A mídia corporativa, patrocinada pela elite econômica que não aceitava ter um torneiro mecânico no executivo federal, divulgou a mentira de que teriam membros do PT envolvidos no sequestro do dono do grupo Pão de Açúcar. 

    Após Collor ter vencido as eleições, veio à tona a verdade. Ficou comprovado que não havia nenhum indício do envolvimento de filiados do PT no sequestro do empresário. A fake news usada para retirar Lula do páreo eleitoral contra Collor foi registrada pelo Jornalista Mario Sergio Conti, em sua obra Notícias do Planalto: a imprensa e o poder nos anos Collor ao referir que: “as investigações posteriores provaram que nenhum militante do PT estivera envolvido no sequestro de Abílio Diniz, realizado por aventureiros ligados a grupos esquerdistas da América Central. Os sequestradores disseram em juízo que policiais civis os torturaram e, antes de os apresentarem à imprensa, os forçaram a vestir camisetas do PT”.

    Como consequência dessa mentira, o destino do país, em 1989, foi mudado por uma infame fake News. Do mesmo modo, em 2024 a futura administração da cidade de São Paulo poderá ser maculada pelas artimanhas ilegais de um candidato comprovadamente à margem de qualquer princípio moral e ético. Este marginal que ambiciona administrar o erário da mais rica e exuberante cidade da América Latina tem que ser parado, senão pela justiça eleitoral tardia, pelo povo cansado de políticos sem escrúpulos, que enriquecem inexplicavelmente da noite para o dia.

    Na era da propagação veloz de infinitas informações é difícil não sermos afetados em nossa racionalidade analítica sobre o que é verdade e o que é mentira. Caso não sejamos cautelosos, a nossa sucumbência à inverdade poderá ser fatal. Quantas mensagens acessamos nas redes sociais, que nos confundem à primeira vista e pela pressa não as investigamos? As imagens e vozes produzidas pela inteligência artificial podem nos fazer crer que são autênticas. 

    A luta entre a mentira e a verdade esteve sempre presente na sociedade. Na eleição presidencial de 1945, o empresário Hugo Borghi, dono de estações de rádio e apoiador do candidato Eurico Gaspar Dutra, divulgou uma mentira contra o seu adversário, brigadeiro Eduardo Gomes, referindo que este havia declarado que não precisaria do voto de eleitores, que supostamente teria identificado como marmiteiros. Essa nota distorcida sobre a fala do brigadeiro caiu como uma luva na opinião pública.     

    Há leis para frear as calúnias, as difamações, as mentiras indecorosas, no entanto, a rapidez no julgamento dos que mascaram a realidade não chega a tempo de evitar o estrago e a destruição produzida. Os escombros causados pela inverdade permanecem no ar por muito tempo.

    Como evitar esse mal? Como barrar as “Mentiras que parecem verdades” tão bem analisadas na obra de Umberto Eco e Marisa Bonazzi. Um projeto semiótico que analisa os livros didáticos italianos, oferecendo pistas necessárias para romper com armadilhas ideológicas, habilmente engendradas em imagens e textos de livros escolares tendenciosos, com o objetivo de reforçar o conservadorismo, o papel patriarcal do homem em relação à figura da mulher na sociedade, a submissão a valores e costumes retrógados entre outras narrativas. 

    Ao transferirmos as análises de Umberto e Marisa para o contexto político, ficam visíveis os ilusionismos dos discursos da extrema direita, de suas propagandas eleitorais, de seu ideário reacionário do alcance de poder econômico a qualquer preço, do machismo, da misoginia, da meritocracia, da acumulação do capital, da absoluta idolatria ao neoliberalismo e do cultivo de mentiras que parecem verdades.

    Nesse horizonte pérfido, o candidato mal intencionado deforma um fato a respeito da vida de seu adversário, convertendo a verdade em uma mentira no intuito de minar de vez sua reputação.

    No ensaio de Hanna Arendt Verdade e Política, publicado em fevereiro de 1967 na revista The New Yorker e depois adicionado a seu livro Entre o passado e o futuro, Hanna refere que “as mentiras sempre foram instrumentos necessários e legítimos, não somente do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista”.

    Ampliando o espectro das mentiras, que contadas tantas vezes viram verdades, ao modo do nazista Paul Joseph Goebbels, é imperativo referir que na democracia burguesa a metamorfose da verdade em fake é recorrente. 

    Segundo o professor Mauro Iasi: “como uma cobra que troca de pele, o poder burguês se desfaz das formas que lhes foram úteis para apresentar novas para que continuem sendo eficazes. Isto significa que estão preparando a próxima mentira e ela será apresentada como a mais nova e enfim revelada… verdade” (Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2017/04/11/a-mentira-e-a-pos-verdade/).

    A democracia liberal renova seu acervo de inverdades aprimorando-o de tempos em tempos no sentido de perpetuar sua dominação. O Congresso brasileiro, por exemplo, formado majoritariamente por parlamentares da extrema direita e do centrão, sustentados pelo racionalismo capitalista e pela defesa de interesses corporativos, não produz as mudanças estruturais falsamente prometidas ao povo, durante as campanhas eleitorais mentirosas. A esquerda, em minoria, não reúne força suficiente para barrar a aprovação de projetos que ferem os interesses da classe trabalhadora. A prática de controle social pelo povo nem sempre é eficaz, por vezes grande parte dos eleitores nem lembra em quem votou. 

    Romper com essa realidade inóspita da mentira que parece verdade e as consequentes más escolhas de políticos oportunistas, que se valem da mentira para galgar o poder e enganar o povo não é tarefa fácil, mas não é impossível. 

    Essa demanda é urgente e necessária mediante uma sociedade com tanta desigualdade social, onde a fome e a miséria persistem com profundos abismos entre o que se locupletam da mentira e os que sucumbem enganados vilmente por ela. Assim, é imprescindível a criação de mecanismos institucionais céleres que protejam o povo contra a morte súbita da verdade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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