O “fim da Era de abundância” na Europa não é o preço da liberdade, é o preço da geopolítica
A Europa está na trilha de uma submissão neocolonial. Esperemos que a insustentabilidade econômica dessa guerra para a União Europeia acorde seus Povos a tempo
O presidente da França, Emmanuel Macron, fez uma impactante declaração ao final de uma reunião do seu conselho ministerial, neste 24 de agosto de 2022, avisando sobre os dias difíceis que se avolumam no futuro imediato, pedindo sacrifícios de seu povo, com um aviso claro sobre “o fim da Era de abundância”. A declaração foi emitida com uma evidente pretensão histórica, em óbvia referência ao famoso discurso de Winston Churchill ao tomar posse, no começo da II guerra, quando o primeiro ministro britânico, sem meias palavras, oferecia ao povo britânico “sangue, suor e lágrimas”. A completa incapacidade da mídia em geral, mesmo a europeia, de perceber de imediato a referência em que se escora a declaração de Macron, é um triste sinal da agoridade absoluta dos meios de comunicação de massa, cada vez mais alheios e ignorantes sobre qualquer dimensão histórica da realidade, submersos num eterno agora orwelliano: quando o passado é reescrito pelo jornalismo bigbrotheriano, assassinando a história.
A declaração de Macron faz analogia com o arroubo de sinceridade do primeiro ministro britânico em 1940, que pedia sacrifício, patriotismo e heroísmo de seu povo, diante da guerra e do nazismo. Contra uma realidade explosiva, se planeja uma reação com custos para todos. Mas o que gerou essa realidade hoje: da guerra na Ucrânia e da crise climática? É contra essas causas que o presidente francês planeja agir, cobrado sacríficos gerais? Há paralelo entre a II guerra mundial com o que se passa hoje? Putin é um novo Hitler? Há um expansionismo militar da Rússia, ou da China? Há alguma ideologia totalitária despontando no horizonte histórico?
Parece que a declaração de Macron repete o discurso em situação farsesca.... E adianto que a resposta aos problemas econômicos que se avolumam só encontra solução na política: c’est de la politique, stupide.Dentre as questões elencada antes, destacamos que o que o governo russo chama de “operação militar especial” é obviamente uma expansão militar russa na Ucrânia: logo, uma invasão. Não há dúvidas sobre isso. Mas em nossos dias de hibridismo crônico (com golpes híbridos, guerras híbridas...), as coisas são realmente complicadas, e maiores camadas de compreensão são exigidas. Como diria Hegel “se as coisas fossem o que parecem ser, a ciência não seria necessária”. E nunca as ciências humanas foram tão necessárias para compreender a realidade, sendo o desprestígio em que elas são relegadas o segredo de sucesso do totalitarismo da agoridade eterna dos nossos dias de tirania da imbecilidade. As pessoas que não estudam cardiologia, não costumam emitir opiniões sobre cirurgias cardíacas. Já todos os que nunca abriram um livro de política, nem de história, não sentem o menor constrangimento em “achar” coisas sobre tais temas, sem uma formação humanística mínima. Antecipando a resposta de uma das questões precedentes, o totalitarismo que ameaça o futuro humano é o da ignorância humanística, que torna os homens cegos frente a disparada técnica. Tal avanço técnico não será decifrado pelo estudo da informática ou da biologia: só será decifrado pelo aprofundamento dos estudos humanísticos, que decodificam a técnica para fundamentar bases legais reguladoras sobre ela. A crescente defasagem da formação humanística da população, com um avanço técnico em disparada, é a receita perfeita para a construção de um futuro de um fascismo técnico dos monopólios privados internacionais. Mas voltando ao ponto estritamente militar da guerra na Ucrânia, caminha-se para um consenso entre historiadores militares, e outros especialistas, que a guerra na Ucrânia foi causada pela irrefreável expansão militar da OTAN para o leste. O que tornava a gigante Rússia cada vez mais cercada, e desequilibrava excessivamente a situação militar contra ela. Desde do famoso discurso de Putin em Munique em 2007, que é uma questão de Estado, de segurança nacional para a Rússia, que a Ucrânia não poderia ser incorporada na OTAN. E isso é uma questão geopolítica do Estado russo, não de governo: longe de ser um capricho de “um tirano autocrata”, como o binário e paupérrimo jornalismo mainstream ocidental obcessivamente tenta pintar o presidente Putin, tratando-o como um vilão de desenho da Marvel (o que agrada muito essa imensa maioria de adultos cada vez mais infantilizados que há no mundo...). Pois por mais que seja relevante o impacto individual na história, as estruturas são o determinante sempre.
A peremptória negativa da entrada da Ucrânia na OTAN, defendida abertamente pela Rússia desde 2007, não é capricho de um presidente excêntrico, mas é uma questão de Estado, de segurança nacional russa, e de manutenção do equilíbrio militar europeu, que seria defendida por qualquer governante russo, fossem os czares, os comunistas, os social-democratas, ou o presidente Putin. A solução defendida por Putin e por Henry Kissinger (que nada tem de russófilo ou de comunista) era a “finlandização” da Ucrânia: mantendo o país neutro entre a OTAN e a Rússia. Bastava não entrar na OTAN. Como era antes! Mas desde 2014 que ”revoluções coloridas”, com a assustadora participação crescente de milicias neonazistas na Ucrânia, buscam incansavelmente quebrar a neutralidade do território, com guerras éticas contra os russos do leste da Ucrânia, e tendo inclusive o idioma russo sido proibido(o que ocorreria se o Canadá proibisse o francês? Ou a Bélgica proibisse o flamand ou o francês??? Ou a África do Sul proibisse o inglês? Ou o Paraguai o Guarani???)... Mesmo o leste do país sendo majoritariamente russófono, desde 2014 há a surreal e absurda proibição da língua russa, com perseguições étnicas, que causaram mais de 15 mil mortes de russófonos no leste do país. Não é exagero concluir que a OTAN, e o nazisimpatizante governo de Zelenski, empurrou a Rússia sobre a Ucrânia: pois seria evidente alguma reação russa.
A arrogante coragem da ignorância
Olhando numa perspectiva minimamente humanística, de que seus interesses precisam dialogar com os interesses dos outros, ou no caso nacional, de que seu interesse nacional deve considerar os interesses de seus vizinhos, ainda mais se seu vizinho for o maior país em extensão territorial do mundo, e com o maior arsenal de armas nucleares do planeta... Visto assim não parece ter sido uma boa ideia o caminho que a Ucrânia resolveu trilhar a partir de 2014. Era melhor ter se “finlandizado” e aproveitado da situação geográfica de “ponte”. Mas é bem conhecido como o ser humano pode trabalhar contra seus próprios interesses: interesses pessoais, de classe, ou interesses nacionais, como foi o caso. A ignorância dos processos políticos e históricos, dominante em grande parte da população sem bases humanísticas mínimas, produz tais resultados assombrosos.
Como quando tantos grupos sociais reclamaram de “corrupção” no Brasil, enquanto a gasolina, outros combustíveis e os alimentos estavam baratos, mas se calam quando políticas direcionadas disparam tais preços, para único lucro dos acionistas minoritários da Petrobrás, por exemplo, e descapitalizam a empresa, secando seus investimentos produtivos, fechando suas fábricas de fertilizantes (o que encareceu o alimento no Brasil), e entregando as distribuidoras da empresa: isso não é corrupção???
Depois de muito mergulho na loucura, a mínima lógica torna-se insuportável, e a negação vira porta de fuga: uma boa imagem é o exemplo cinematográfico dos filmes sobre a Guerra Civil americana, em que os Srs de escravos orgulhosos de se levantarem em guerra na defesa da “peculiar instituição”(a escravidão) no começo dos filmes, sempre acabavam os filmes loucos em “Casas Grandes” em ruínas... Imagino que este personagem esteja por todo lado no oeste do que foi a Ucrânia hoje... Depois de 6 meses de entrarem numa guerra em que havia duas saídas: ou a Ucrânia perdia(que é o que está acontecendo), ou era uma guerra nuclear planetária... O óbvio ocorreu logo: com todo o respeito à Ucrânia, entre este país ser fatiado, e uma guerra nuclear apocalíptica sobre a Terra, a primeira opção é o melhor para a Humanidade. E é o que está ocorrendo! Lembremos que tantos apoiadores do miliciando, eleito presidente do Brasil em 2018, bradaram por muito tempo que iriam “ucranizar o Brasil...” Parece que a história nos mostra o que eles buscavam fazer com o maior país da América do Sul.
Oceania, Eurásia, Lestásia
O mundo vive uma longa transição desde a crise de Bretton Woods nos anos 1970, em que na visão de Giovanni Arrighi estaríamos saindo de um Ciclo americano do capitalismo histórico para um Ciclo chinês (no seu livro ele indica a Ásia). A crise está posta, e tais momentos são sempre de incríveis riscos, mas também de portas de oportunidades históricas únicas. A crise sistêmica entre EUA e China veio para ficar, e se a Ucrânia trilhou um caminho de suicídio histórico, sob um plano neonazista/neocolonial/russófobo, os países que fortaleçam seus sistemas nacionais de economia, suas estatais, e defendam sua produção interna, podem ter muito a lucrar. Há uma crise ambiental (invocada por Macron em seu discurso), com inflação de energia, de alimentos e de recursos naturais. Isso costuma ser muito bom para a economia do Brasil. Desde que nós não sigamos em direção ao penhasco de “ucranizar” o Brasil, e preservemos nossa boa tradição política, cujo auge exemplar nos foi legado por Vargas, na última crise sistêmica de transição do capitalismo histórico, na crise entre Alemanha e EUA: ficamos neutros o quanto foi possível, tirando o máximo dos dois lados.
Pois é ISSO o que o Brasil tem que fazer nessa briga planetária: arrancar o máximo que puder da China e dos EUA. Estamos na América, mas somos BRICS, não nos comprometamos, e arranquemos o máximo para o Brasil: ponto! Isso inclui uma luta pela reindustrialização nacional: o “fim da Era de abundância”, de que falou Macron, inclui um epílogo dos produtos industrias chineses muito baratos, com o aumento dos salários e do câmbio chinês, o que abre espaço para a necessária defesa de uma reindustrialização do Brasil.
Realmente o quadro histórico é muito promissor para o Brasil. Sendo o grande risco o risco interno: com os elementos da “elite” que se identificam mais com o Atlântico Norte do que com o Brasil. Como os já tão bem conhecidos golpistas de sempre, com destaque para os obcecados com o liberalismo econômico (que é o caminho da colonização). Mas também precisamos reparar nos militares “otantistas”: que estão mais preocupados com o sucesso da OTAN do que com o do Brasil, estes são seres extremamente perigosos para o futuro do Brasil, e seguramente sabotagens contra nosso desenvolvimento nacional virão daí nos próximos anos. Como é o caso da Europa de Macron: o otantismo está assassinando a Europa do bem-estar social e da prosperidade. Essa guerra foi um suicídio para a Ucrânia, e uma catástrofe energética e econômica para a Europa. Olhando objetivamente, sob o ponto de vista geográfico e econômico, seria bem melhor para a Europa se associar com a Rússia: uma imensidão de recursos energéticos, minerais e naturais, território com déficit demográfico, com o qual a associação produtiva com as potências técnicas/industriais franco-germânica, geraria uma superpotência planetária: a Eurásia inferida por George Orwell no seu livro 1984. Em 1948, com a total derrota do nazismo para os soviéticos, e o crescente movimento comunista em países recém libertado como França e Itália, gerou no autor a antevisão de um Bloco geopolítico Euroasiático. Tal bloco foi lembrado quando da invasão do Iraque em 2003, quando a França do presidente Jacques Chirac, apoiada pela Alemanha, vetou na ONU a legalização da invasão deste país: que foi feita por EUA e a Inglaterra (ou a Plataforma 1 da Oceania, como diria Orwell...) de Tony Blair. Naquele cisma do ocidente, foi possível vislumbrar o previsto por George Orwell: uma aliança Paris-Berlim-Moscou. O que seria uma gigantesca força planetária. Mas os EUA, com sua Plataforma 1 contra a Europa (a Inglaterra), têm uma agenda econômica totalmente submetida ao Complexo Industrial Militar, ao poder financeiro e comercial/naval/transportes, e às petroleiras. Nessa guerra orwelliana, contra qualquer bom senso, e sobretudo, contra a Europa, os EUA/Inglaterra geraram uma crise energética absurda na Europa, que a matará economicamente. Para os EUA perder a guerra é o menos importante: a guerra é um fim em si, e o que buscam é eternizar as guerras. Porém esta guerra está sendo um túmulo energético para a Europa. Essa guerra, diferentemente da II Guerra, na qual os herdeiros do Iluminismo(democracias burguesas e comunismo) se uniram contra a barbárie nazi, não está sendo feita para a defesa de nenhuma “liberdade”, a não ser a “liberdade” dos EUA expandirem a OTAN(que invadiu: Iugoslávia, Líbia, Síria, Afeganistão...) até a Ásia central: até a ex república soviética da Georgia é candidata. Mesmo uma expansão da OTAN na Lestásia está sendo ensaiada: buscando-se cercar a China, e ensaia-se uma “ucranização” de Taiwan. A Guerra é um fim em si para a Oceania.
Essa “guerra eterna” vinda das capitais da Oceania orwelliana(NY, Washington, Londres), não causam mais benefícios econômicos perceptíveis em empregos, como na guerra do Vietnam, nem na economia dos EUA. E, se para os EUA esse caminho se desenha cada vez mais perigoso do que lucrativo, para a Europa ele é um suicídio econômico e energético.
No fim da URSS (1991) o então presidente da França, François Mitterrand, tentou fazer um bloco de segurança mútua nos países do leste europeu que compunham o Pacto de Varsóvia, sem a Rússia. Os EUA vetaram, depois descumpriram, a partir de 1997, com sua palavra aos russos de não expandir a OTAN nos outrora países do Pacto de Varsóvia (o que não retira a culpa de Gorbachev, e do Estado maior soviético então, de não ter exigido por escrito na ONU tal compromisso de não expansão da OTAN para o leste). E essa é a origem da crise: se a guerra é solução de crise econômica para o complexo industrial militar, para a Europa hoje, essa guerra em sua porta, é um túmulo energético para sua economia.
E na crise sistêmica de transição em que estamos, as capitais da Oceania (NY, Washington, Londres) não parecem estar disposta a sair da guerra, e farão de TUDO para impedir a formação de um bloco Euroasiático. Já atiraram a Rússia no colo da China, e farão de tudo contra qualquer reconciliação continental. E suspeito que o principal agente, no futuro próximo, a impedir uma aliança Euroasiática será uma Polônia expandida com o fatiamento da Ucrânia: tal Polônia expandida irá desequilibrar politicamente a União Europeia, e jogará o futuro europeu cada vez mais na direção da extrema direita. Como dizia Napoleão: “a Polônia é um país aonde todos os exércitos amarram seus cavalos...” Um país com esse histórico de submissão, quando tem algum empoderamento, costuma, de forma quase adolescente, a fazer muita bobagem... E hoje é a OTAN que transforma a Polônia em seu estábulo de ressentidos anti-russos, a garantir uma guerra eterna, ou apocalíptica, contra a Rússia. Garantindo assim o racha da Eurásia, e fortalecendo o fascismo, a extrema direita, na Europa. E garantindo muita crise política na União Europeia. Essa guerra, caso gere uma Polonia expandida, é a garantia de crise no futuro da Europa.
É preciso seguir a recomendação de De Gaulle e sair da OTAN
A saída da OTAN, com a organização de Forças Armadas europeias, é a solução para salvar o projeto europeu. Mas suspeito que a Polônia será o peão da Oceania a impedir tal solução. Eis que o “fim da Era de abundância”, com sacrifícios crescentes do povo, anunciado por Macron, é o preço da submissão geopolítica da Europa à Oceania anglófona, e o custo da “liberdade” da Guerra sem fim da OTAN, emanado de capitais de fora da Europa continental. A Europa está na trilha de uma submissão neocolonial. Esperemos que a insustentabilidade econômica dessa guerra para a União Europeia acorde seus Povos a tempo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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