O futuro depois do coronavírus
Aquela apologia ao individualismo competitivo que vem do âmago dos neoliberais - a ideia de que sozinho e por méritos próprios os indivíduos vencem; de que o mercado é o senhor das relações e das resoluções dos problemas econômicos; da seleção natural dos melhores e do Estado mínimo, não sobreviveu aos tempos de coronavírus
O mundo está vivendo, se não o seu pior momento, pois ao longo da história da humanidade muitas crises - guerras e pestes - foram superadas, com certeza estamos passando por um dos piores desafios da humanidade nos tempos contemporâneos. O coronavírus avança mundo afora em velocidade estonteante. Na mesma proporção da velocidade da informação globalizada o vírus se espalha sem discriminar classe social, ideologias ou religiões e não há poder, por mais forte que seja, que consiga impedir sua proliferação.
No desespero não faltarão teorias explicativas sobre as causas e as consequências da pandemia. Segmentos religiosos, destacadamente os mais ortodoxos, vão definir este momento como um castigo de Deus, uma espécie de acerto de contas da divindade com os “pecados do mundo”. Nada mais tacanho para os que acreditam no Deus uno, pai e propagador do bem; castigo como método de punição divina não passa de uma visão autoritária, pois o Deus bondoso não deseja o mal para os seus filhos.
No meio político não faltam teorias conspiratórias do tipo “o vírus é invenção do comunismo chinês para atacar os povos ocidentais, exterminar com liberalismo no intuito de dominar o mundo”. No outro extremo, começam a surgir raciocínios antiamericanos afirmando ser o coronavírus uma criação americana para fazer valer sua vocação imperial no mundo, enfraquecendo seus concorrentes, destacadamente a China, país que desponta como seu principal concorrente comercial.
Historicamente sempre foi assim: quando os sapiens não conseguem uma explicação plausível para fenômenos naturais, procuram terceirizar as responsabilidades, atribuindo a causa fenomenológica às forças sobrenaturais ou a poderosas forças terrestres “ocultas” que agem sorrateiramente com finalidade impuras.
Mas o fato é que, mais uma vez, as esperanças da humanidade concentram-se na capacidade dos nossos cientistas. Tudo indica que, em breve, a ciência se sobreporá ao achismo ou às projeções “transcendentes” e, pelo acumulo empírico, não tardará, encontrará o remédio ou os remédios adequados para a cura dessa doença.
O fato é que a Covid19 está ai, é uma realidade que assola a humanidade, cujas consequências indicam uma previsível catástrofe com repercussão em todas dimensões humanas: relacionamentos, política e economia. Vencida esta crise, o mundo não será o mesmo.
Aristóteles, três séculos antes da era cristã, já afirmava que o homem era um ser gregário por natureza. Viver coletivamente, para além de uma vocação, era uma necessidade. Quer dizer, os seres humanos sabem que juntos encontram as melhores formas para um viver colaborativo. Como se vê, desde os tempos aristotélicos o mundo vem debatendo e elaborando formas de convivência que possam fazer a humanidade progredir harmonicamente.
Não é possível falar de harmonia sem que dois temas sejam tratados: a liberdade e a igualdade. A igualdade por ser condição primeira da harmonia social - numa sociedade de desigualdades latentes só o medo da força impedirá “a guerra de todos contra todos” para citar o contratualista e absolutista Thomas Hobbes. Por outro, para que haja um convivência saudável, é preciso que o tema “liberdade” seja permanentemente ajustado às circunstâncias históricas e, principalmente, padronizado em termos razoáveis para que a renúncia de uns não seja desproporcional à liberdade amplificada de outros. A dimensão da liberdade será sempre modelada pela necessidade da vida em sociedade.
Por que digo isso? Vejam! O momento que atravessamos, uma pandemia, está mudando os comportamentos em todas as dimensões: relação Estado/sociedade, indivíduo/coletividade, coletividade e futuro da humanidade. Nunca a coletividade precisou tanto de um Estado solidário como nos tempos atuais e nunca a solidariedade foi tão pronunciada com tanta ênfase. A disposição de ajudar, de compor interesses, de defender os semelhantes e de compartilhar preocupações, serviços e até bens é uma marca dos tempos de coronavírus. Aristóteles tinha razão: de fato, os seres humanos são sociáveis por natureza.
É fato que temas como política, poder, Estado e Democracia, em se tratando de futuro da humanidade, sempre estiveram no centro do debate. É impossível falar de liberdade, igualdade e de harmonia sem que estes temas ocupem lugar de destaque. Não há convivência coletiva sem um padrão pactuado de conduta, portanto, sem uma ordem jurídica versando sobre o conjunto dos assuntos que envolvem a vida, o comportamento e a convivência humana. A intermediação dos interesses, das expectativas e também dos conflitos é feita pelo poder político utilizando como instrumento o Estado. É uma relação dialética: o reconhecimento da existência de diferenças e de contradições no seio da sociedade e a necessidade da harmonia para uma melhor convivência coletiva vai ajustando os acordos possíveis até alcançar o equilíbrio estável. Quando este equilíbrio não está posto, a sociedade política em questão entra em crise. O Brasil está passando por este momento. Mas este não é assunto para este texto.
Uma coisa é certa: aquela apologia ao individualismo competitivo que vem do âmago dos neoliberais - a ideia de que sozinho e por méritos próprios os indivíduos vencem; de que o mercado é o senhor das relações e das resoluções dos problemas econômicos; da seleção natural dos melhores e do Estado mínimo, não sobreviveu aos tempos de coronavírus. No seu lugar, alimentada pelo amor e pelo profundo respeito ao ser humano, ramifica o instinto da solidariedade como motivadora de um padrão humanizado de enfrentamento à crise.
No lugar do lucro a qualquer custo – a proteção das pessoas; no lugar do “salve-se quem puder” – as mãos estendidas sem discriminação; no lugar do mercado como regulador da vida econômica – o Estado como expressão dos interesses da coletividade; e em substituição ao individualismo competitivo – a solidariedade entre indivíduos e nações. Este é caminho.
Na dinâmica imposta pela realidade segue o carrossel da história – na dor a humanidade vai moldando sua trajetória e aprendendo a colocar o ser humano e, por consequência, a vida no centro de suas preocupações. De nada adianta riquezas nas mãos de poucos – os milhões de excluídos serão sempre um dilema para aqueles que, por possuir riquezas, se consideram inimputáveis. Não é recomendável moldar o Estado para atender apenas o establishment – a pobreza em plena proliferação pelo mundo será sempre uma espada apontada para aqueles que insistem em tomar de assalto o poder para dele servir-se.
Na hora de apuros, como nos tempos atuais, as mãos estendidas se sobrepõem ao egoísmo. Ações coletivas são valorizadas e a importância de um Estado com preocupações sociais se impõe.
O liberalismo econômico não deu conta de acudir o conjunto da sociedade. A exclusão social segue sua trajetória crescente. As desigualdades são produto e, ao mesmo tempo, uma ameaça ao sistema liberal excludente. Sob a orientação do individualismo completivo, como estariam as expectativas do povo em tempos de Covid19?
Salve a solidariedade! Agora, mais do que nunca, “ninguém solta a mão de ninguém”! Com muita solidariedade vamos superar mais esta crise!
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