O governo Lula, a produção de alimentos e a segurança alimentar
O novo governo deve abrir um diálogo com as prefeituras no sentido de estimular e incentivar a agricultura urbana
Em seu primeiro discurso, logo após ter sido proclamado como o novo presidente da República, Lula falou que ia reativar os conselhos formados por membros da sociedade e que, enquanto existiam, ajudavam o governo na formulação de políticas públicas.
E falou também, como vinha repetindo ao longo da campanha, que uma das suas prioridades era acabar com a fome de milhões de brasileiros. Afinal, como ele mesmo lembrou, não tem sentido milhões de pessoas passarem fome no terceiro maior produtor de alimentos do mundo.
Então, vamos lá, por partes.
Como se sabe, Jair Bolsonaro extinguiu vários (se não todos) desses conselhos. No primeiro dia de seu governo, detonou o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar).
Como Lula traçou como prioritário o combate à fome no país, um de seus primeiros atos deveria ser justamente a recriação do Consea e, junto com os seus membros, procurar soluções que possam tirar milhões de brasileiros da insegurança alimentar. A recriação do Consea, além de ser um ato simbólico, é uma tarefa fácil de ser executada, pois praticamente não precisa “passar” pelo Orçamento do governo de 2023, já enviado por Bolsonaro ao Congresso.
Algumas outras ações, que devem ser também prioritárias quando se fala em produção de alimentos, talvez sejam um pouco mais complexas, pois precisam “passar” pelo Orçamento (sabe-se já, porém, que fará parte da equipe de transição um grupo de trabalho para fazer a revisão do Orçamento enviado ao congresso por Bolsonaro; ou seja, de alguma forma, Lula vai ter que rever/mexer no Orçamento, pois com o que foi enviado não vai conseguir governar em 2023).
Quando se fala em combater a fome, fala-se, obrigatoriamente, em produção e distribuição de alimentos. E quando se fala em produção de alimentos, temos que falar, obrigatoriamente, em agricultura familiar, responsável por cerca de 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros.
Então, é obvio que investir na agricultura familiar faz parte de qualquer programa de combate à fome. Além disso, investir na agricultura familiar significa aumento de produção de alimentos e a consequente baixa nos preços. Não se combate a fome se não diminuirmos a alta inflação nos preços dos alimentos ocorrida no governo Bolsonaro.
Já que o Orçamento será revisto pela equipe do futuro governo e o combate à fome é prioritário, seguem aqui algumas sugestões.
Revisão do corte de verbas do PAA
Conforme mostrei em artigo recentemente publicado aqui neste espaço, o governo Bolsonaro reduziu drasticamente o orçamento de seis programas que auxiliam no combate à fome: 38,4%. Pior: caso a previsão orçamentária de 2023 não seja revista a redução será ainda maior (52,9%).
Esses cortes não afetam apenas a segurança alimentar das pessoas, mas interfere também na economia, na geração de empregos, já que a agricultura familiar é responsável pelo maior número de empregos no campo (muito mais do que emprega o agronegócio).
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sofreu, de 2019 a 2022, uma redução de 39,32% (R$ 344,2 bilhões para R$ 208,9 bilhões). Criado em 2003, no primeiro governo Lula, o PAA promove a compra, pelas prefeituras, de alimentos diretamente da agricultura familiar. Esses alimentos são distribuídos a pessoas em situação de insegurança alimentar.
Aumento da verba do Formação de Estoques Públicos
O programa Formação de Estoques Públicos – agricultura familiar teve redução de 78,02% (de R$ 1,7 bilhões em 2019 para ridículos R$ 384 milhões em 2022). Este programa é uma política do governo para garantir preço e renda ao pequeno produtor e regula o preço dos produtos no mercado interno.
Plano Safra
Outro ponto que deve ser levado em consideração é a parcela do Plano Safra destinada ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)
Como vem acontecendo nos últimos anos, o Plano Safra 2022/23, que destina verbas para custeio e investimentos aos produtores rurais, reserva a menor parcela dos recursos à agricultura familiar e privilegia os conglomerados agropecuários, que se preocupam mais com o lucro do que com a alimentação do brasileiro, pois concentram sua produção nas chamadas commodities (produtos destinados, principalmente, à exportação, como soja, açúcar, café, milho, suco de laranja etc). Enquanto os grandes e médios produtores foram beneficiados com R$ 287 bilhões, coube à agricultura familiar R$ 53,61 bilhões.
É importante que essa divisão seja revista, se não para 2022/23, mas para o próximo.
Agricultura urbana
O novo governo deve abrir um diálogo com as prefeituras no sentido de estimular e incentivar a agricultura urbana, responsável pela produção de cerca de 20% dos alimentos consumidos no mundo.
Se um órgão ou departamento do governo federal cuidar desta questão, ação política será mais importante do que um simples repasse de verbas. O desenvolvimento da agricultura urbana tem mais a ver com os municípios do que com governo federal. Mas o apoio político-administrativo, e logístico, da União contará muito.
Investir na agricultura urbana é investir no pequeno produtor rural, na agricultura familiar, na proteção ao meio-ambiente, na geração de emprego e renda, enfim, investir na cidade. É aproximar o produtor ao consumidor final, é diminuir desigualdades.
Um sistema de agricultura sustentável deve sempre estimular cada vez mais a proximidade entre o produtor e o consumidor final, que é uma das vantagens da agricultura urbana.
E nem é preciso reinventar a roda; é só seguir o exemplo de centenas de cidades do mundo, incluindo várias brasileiras, que já têm programas avançados de fomento à agricultura urbana.
Um exemplo é o Rio de Janeiro, onde o programa Hortas Cariocas, presente em 56 pontos da cidade, sendo 27 hortas em escolas municipais e 29 em comunidades. Somente neste ano, considerando janeiro a setembro, a produção de alimentos já passou de 59 toneladas.
Por enquanto é isso. Já é um bom começo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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