O Iluminismo, Lula e as eleições
Assim como os iluministas combateram os dogmas religiosos de sua época, cabe a nós combater hoje os dogmas da religião neoliberal
O iluminismo é um movimento de emancipação intelectual que tem contribuído de maneira decisiva para a erradicação de dogmas, superstições e narrativas fake que legitimam as hierarquias impostas e as mais diversas formas de exploração.
Este movimento se expande vigorosamente em toda a América Latina, mas no Brasil do Presidente Bolsonaro há uma inquestionável aversão e uma hostilidade profunda ao iluminismo. O golpe de estado contra a presidente Dilma Rousseff foi a primeira vitória das forças anti-iluministas que se organizaram politicamente no Brasil para impôr sua agenda. Por isso, vários dos representantes mais conhecidos deste movimento acompanham com muita atenção a situação política de nosso país, conscientes de que as próximas eleições serão fundamentais para o futuro do iluminismo no Brasil.
O iluminista francês Montesquieu, em sua recente obra O Espírio das Leis, dedica todo um capítulo ao estudo da burguesia brasileira e de seu descaso pelo Brasil. Neste livro, Montesquieu mostra com clareza como esta burguesia, cuja capital espiritual é Miami, se organizou para derrubar a presidente Dilma Rousseff e em seguida elegeu Jair Bolsonaro. Montesquieu ainda aponta como esta mesma burguesia orquestrou a recente venda da Eletrobrás. Montesquieu retrata do seguinte modo um típico representante desta burguesia brasileira:
“Primeiramente este homem sente que pode ser feliz, grande e glorioso sem sua pátria; e logo depois que ele só pode ser grande nas ruínas de sua pátria.”
O abade Raynal,outro iluminista francês, fez uma denúncia contundente do genocídio dos povos indígenas da Amazônia no governo Bolsonaro em seu importante livro História das duas Índias, Sobre Bolsonaro e seu governo o abade Raynal comenta:
“A corrupção atinge o seu ápice quando o poder enobrece o que é vil.”
Dentre os iluministas é Denis Diderot quem, sem nenhuma dúvida, mais tem escrito sobre o Brasil. Diderot foi o primeiro na França a denunciar as ilegalidades da Operação Lava Jato e a perseguição contra o ex-presidente Lula na sua Carta sobre os Cegos. Diderot também denunciou o apoio da grande imprensa às manobras do ex- juiz parcial na Carta sobre os Surdos. Diderot foi o primeiro na França e talvez na Europa a alertar para o perigo de certas igrejas evangélicas brasileiras, expondo o virulento reacionarismo e a fúria anti-iluminista destas. Não é por acaso que Diderot tenha escrito a primeira biografia crítica da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, com o título A Religiosa. A Pastora Ministra, aliás, é uma celebridade na Europa: os inquisidores alemães Heinrich Kramer e James Sprenger dedicaram a ela sua influente obra Maleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras, desejando sucesso e continuidade ao seu trabalho. Kramer e Sprenger também já anunciaram publicamente seu apoio à reeleição de Bolsonaro.
Voltaire é outro iluminista francês preocupado com a ascenção ao poder e o fanatismo de certos evangélicos:
"Uma vez que o fanatismo tenha gangrenado um cérebro, a doença é quase incurável”, afirmou este autor. E em uma de suas peças de teatro uma personagem diz:
“Nossos sacerdotes não são o que um povo vaidoso pensa,
Nossa credulidade é toda a ciência deles.”
A crescente intolerância religiosa no Brasil sob Bolsonaro , com sua concomitante violência, levou Voltaire a escrever o seu já imprenscidível Tratado sobre a Tolerância. Diderot, por outro lado, publicou na Enciclopédia o artigo ‘Intolerância’, onde se dirige explicitamente a algumas seitas evangélicas:
“Quando você odeia seu irmão e prega o ódio ao próximo, é o espírito de Deus que o inspira?
Cristo disse: meu reino não é deste mundo; e você, seu discípulo, quer tiranizar este mundo!”
Por fim, Jean-Jacques Rousseau, alarmado com a situação dos pobres no Brasil, lembrou que:
“O que é mais necessário e talvez mais difícil em um governo, é uma rigorosa integridade para fazer justiça a todos, e especialmente para proteger os pobres da tirania dos ricos.”
E em referência às tragédias com as enchentes em Petrópolis e Recife, Rousseau alertou:
“Outro ponto não menos importante é que as perdas dos pobres são muito menos reparáveis do que as dos ricos, e que a dificuldade de aquisição aumenta sempre com a necessidade.”
Montesquieu, Raynal, Diderot, Voltaire – e muitos outros – declararam seu apoio à eleição de Lula. Entre os iluministas franceses Choderlos de Laclos é o único a discordar do voto em Lula no primeiro turno. Para este autor, ter Alckimim como vice-presidente é um erro que terá consequências graves. Laclos tornou público seu pensamento sobre a chapa Lula-Alckimim em seu livro As Relações Perigosas, uma advertência que não pode ser ignorada.
Da Alemanha também vieram manifestações de apoio à eleição de Lula. Georg Lichtenberg, um dos mais conhecidos representantes do iluminismo neste país, enviou ao ex-Presidente uma mensagem simples e muito tocante por ocasião de seu recente casamento:
“Caro Lula,
Deve-se viver em Fatrimônio.”
E Lichtenberg também informou ao ex-Presidente estar seguro de sua reeleição, pois:
“Um ser humano pode elogiar algo ruim e condenar algo bom, mas a humanidade não pode.”
É esta humanidade que, contra a ignorância, a destruição, o descaso e a intolerância, tantos esperam ver triunfar nas próximas eleições no Brasil.
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O Espírito das Leis de Montesquieu (1689-17559), uma das mais importantes obras do iluminismo, foi publicado em Genebra em 1748 e em 1751 foi colocado no índice de livros proibidos pela Igreja Católica. A citação de Montesquieu que eu utilizei é mesmo deste livro.A História das duas Índias - Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des Européens dans les deux Indes - título original em francês – do abade Guillaume-Thomas Raynal ( 1713-1796), publicada em 1770 e proibida em 1772, republicada alguns anos depois, é uma contundente e enciclopédica denúncia dos crimes cometidos pelo colonialismo. A citação utilizada é da obra L'esprit et le génie de M. l'abbé Raynal.Denis Diderot ( 1713-1784) é um dos mais relevantes escritores do iluminismo e teve um papel fundamental na elaboração da ‘Enciclopédia’, tendo contribuído também na elaboração da História das duas Índias, A Carta sobre os Cegos foi publicada em 1749 e levou Diderot a ser preso pela censura. A Carta sobre os Surdos é de 1751.O romance A Religiosa foi escrito por volta de 1780, mas só foi publicado em 1792.A citação de Voltaire (1694-1778) se encontra no artigo ‘Fanatismo’ em seu Dicionário Filosófico. A peça de teatro mencionada é o Édipo e as palavras são ditas pela personagem Jocasta.As citações que utilizei de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) são do Discurso sobre a Economia Política, de 1755.O romance de Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803) As Relações Perigosas foi publicado em 1782 e é considerado uma das melhores obras da literatura francesa do século XVIII. Laclos foi também um defensor da educação e da autonomia da mulher.Georg Christophe Lichtenberg (1742-1799) foi um escritor, físico, matemático e naturalista e um dos principais nomes do iluminismo na Alemanha. Suas citações foram retiradas dos seus Aforismos.
A herança literária e filosófica do iluminismo ainda é uma importante fonte de inspiração e de alimento para nosso pensamento. E o iluminismo ainda é um aliado imprescindível nas tantas e tão necessárias lutas de nosso tempo.
A intolerância religiosa, o racismo, as violências de gênero e a degradação ambiental são sinais de um passado que persiste apenas porque interessa à ordem econômica dominante e à sua exploração do ser humano e do planeta.
Assim como os iluministas combateram os dogmas religiosos de sua época, cabe a nós combater hoje os dogmas da religião neoliberal, da infalibilidade do mercado, da santidade das privatizações e da salvação pelo capitalismo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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