O imponderável como armadilha fatal
A presença de candidatos fora da curva ética, moral e legal, com propostas vazias e enganosas vai continuar pautando, assustadoramente, os processos eletivos
À véspera das eleições municipais e dos resultados das pesquisas de intenção de votos para os candidatos das diversas cidades do país, não tem como não nos surpreendermos pelo fato de boa parte dos eleitores revelar uma escolha acrítica de seus futuros representantes.
A maioria estimulada pelo encantamento com candidatos, que oportunamente vestem roupagens populares, que ressaltam suas origens pobres, que gesticulam e se expressam ao modo de eleitores oriundos da periferia esquecida, que enaltecem suas histórias de superação, a despeito da miséria em que viviam, acaba sendo presa fácil de candidatos inescrupulosos e exploradores da fragilidade alheia.
A hipocrisia é tanta, que inúmeros candidatos se valem de outros artifícios, além dos mencionados, como a cor de sua própria pele. Nesta toada, o candidato Sebastião Melo (MDB) à prefeitura de Porto Alegre, depois de anos se identificando como branco, atualmente se autodeclarou pardo. Assim age para capitanear votos da população parda e negra porto-alegrense, que no último Censo Demográfico de 2022 representam 13,04% e 12,6%, respectivamente. Quanto aos votos dos brancos que perfaz 73,6% do contingente populacional da cidade, ele já amealhou boa parte, desde as eleições anteriores.
A desfaçatez é generalizada, pois cerca de 40 mil candidatos mudaram de cor ou raça. (Disponível no site do Brasil de Fato, reportagem datada de 24/08/2024).
A cada dia da propaganda eleitoral, observa-se o crescimento de candidatos desqualificados, embora as revelações de suas trajetórias profissionais e pessoais altamente suspeitas do ponto vista moral, ético e legal. O desrespeito ao povo é notório. Vociferam calúnias contra seus adversários, declaram promessas irrealizáveis na tentativa de agradar a camada menos informada e historicamente marginalizada.
Com posturas radicais de direita e ultra conservadoras, atingem também as classes sociais mais abastadas, a despeito de suas grotescas figuras e do total despreparo, no entanto, subservientes aos interesses da elite financeira, inclusive em muitos casos financiados por ela. É imperativo recordar que o Ministro da Fazenda do ex-presidente inelegível, trabalhou nessa direção em detrimento de reformas que beneficiassem a camada pobre e média baixa da população. Em direção oposta, a equipe do Ministro da Fazenda do atual governo vem mudando sensivelmente o panorama discriminador e ultra neoliberal adotado por Paulo Guedes. Nesta semana foi divulgado o crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB), nos meses de abril, maio e junho. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda explicou que os resultados deste crescimento se devem à expressiva aceleração da atividade econômica, conduzida pela indústria e pela retomada de investimentos. Esse dado revela a inclinação de Fernando Haddad por uma economia sustentável, com prioridade no desenvolvimento social. Em 2018, muitos eleitores embarcaram na onda de que a escolha entre Bolsonaro e Haddad era uma escolha difícil.
Na esteira dos argumentos anteriores, há mais um absurdo difícil de entender nestes tempos de eleições, como o fato de diversos candidatos terem escolhido como cabo eleitoral o ex presidente. O nome de Bolsonaro ainda influencia na captação de votos, apesar das várias investigações que tramitam sobre ele, como a de golpe de Estado, a de apropriação e venda ilegal de joias pertencentes à União, a de fraude no cartão de vacina, além da péssima e inconfiável gestão de seu governo no combate à pandemia.
Do mesmo modo, é estranho que o atual prefeito Sebastião Melo da capital do Rio Grande do Sul, tenha recuperado 40% da preferência dos eleitores porto-alegrenses, em somente quatro meses, após a grave enchente que alagou a cidade por seu absoluto descaso na manutenção do sistema de proteção contra cheias, além da falta de investimentos nas áreas da educação, da saúde e do transporte que no passado, durante os governos progressistas, representavam o orgulho dos gaúchos. Melo precarizou serviços vitais oferecidos à população, sobremaneira nos bairros de periferia, esquecidos por ele e mais atingidos pelas inundações de maio. Com sua figura parda por conveniência e de homem do povo ao estilo bolsonarista de enganar, ele vai amealhando votos.
Nesse panorama assustador, marcado por apelos maliciosamente atrativos e oportunistas, sustentados pelas campanhas dos candidatos da extrema direita, ainda amparados na carona bolsonarista, surge uma nova personagem na política brasileira, mais perniciosa e melhor preparada que Bolsonaro, o candidato à prefeitura da capital de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), não obstante os vários processos judiciais movidos por cometimento de práticas ilegais, detalhadas em reportagem publicada no site UOl (Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2024/09/01/pablo-marcal-ja-foi-preso.htm), além de suas propostas esdrúxulas e fictícias.
Este candidato, por incrível que possa parecer, está empatado com o candidato Guilherme Boulos (PSOL) e o candidato bolsonarista Nunes (MDB), no ranking de intenção de votos para a prefeitura de São Paulo. O modo de se expressar e de se apresentar como homem simples do povo, que venceu na vida contrariando o possível determinismo de sua origem miserável, tem cativado parte da população, sobretudo, os jovens periféricos que se identificam com sua história de vida. O ex-coach incute nas mentes desses jovens a esperança de o mesmo acontecer com eles, bastando acreditar e ter fé. Todavia, ao ser questionado pelas ilegalidades que cometeu, ele se justifica do modo mais torpe.
O caricato Marçal, ao ser entrevistado no programa Roda Viva conseguiu por meio de deboches desestabilizar os jornalistas da bancada. É certo que este programa deixou de ter a qualidade que tinha no passado, não só pela qualidade de seus ancoras, como pela bancada que reunia jornalistas renomados de várias tendencias ideológicas, o que ampliava o espectro de questionamentos feitos ao entrevistado, devolvendo ao telespectador as informações de que necessitava para uma avaliação mais abrangente e fidedigna dos candidatos.
A propósito desse descalabro eleitoral, é precisa a análise do cientista político Rui Tavares Maluf, ao expressar que: “sempre teve na sociedade uma parte que oscila muito entre o que poderia ser aceitável e o que é criminoso. E quando você tem uma figura como Pablo Marçal, que não tem freio ou, pelo menos, não se mostrou até agora, essa gente se sente representada” (Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/marcal-projecao-nacional-ou-fenomeno-local-o-que-dizem-especialistas). Ele ainda assevera que esta postura não é uma característica observada somente no Brasil, existe em todo o mundo ocidental.
A presença de candidatos fora da curva ética, moral e legal, com propostas vazias e enganosas vai continuar pautando, assustadoramente, os processos eletivos, seja no Brasil ou fora dele. Enquanto não for realizada uma revisão sistemática no ordenamento legal que barre a admissão de candidatos como Pablo Marçal e seus vários antecedentes criminais, essa materialidade será reincidente. Portanto, há um grande risco desse indivíduo administrar o maior orçamento do país.
Nesse horizonte, vamos continuar assistindo as oscilações entre as más lideranças que surgem e se apagam pela substituição de outras bem mais nocivas. Esse panorama nada animador faz parte da história das sociedades que ainda respiram por aparelhos no sentido de um desenvolvimento sócio educacional, político, econômico e ético cultural que permita ao povo atingir um nível consciência crítica consistente, a fim de não se deixar levar por fetiches que encobrem a realidade, tais como: a mudança ocasional de cor ou raça, o falso estilo popularesco, as promessas inviáveis, a compra de votos e as lacrações nas redes sociais.
Entretanto, nem tudo está perdido, nem tudo é terra arrasada. Assim como a deprimente onda bolsonarista vem demonstrando sinais de decadência, a aparição de candidatos falsamente antissistema, ou que se valem de artifícios cínicos para angariar votos, mais dia, menos dia deixarão de iludir o povo. Em notícia de última hora, a pesquisa data folha divulgada no dia 05/09/24 anuncia que a rejeição a Pablo Marçal aumentou muito. Há esperança, mesmo que ainda esteja lá bem no alto do décimo segundo andar do ano, como o poeta Mario Quintana nos faz acreditar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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