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Emerson Barros de Aguiar

Escritor, bioeticista e professor universitário

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O lugar do pobre na sociedade brasileira: a inexistência

No Brasil, os períodos de promoção da justiça social são tolerados por alguns anos, mas, depois, o ódio represado das elites e dos seus auxiliares explode furioso, reprimindo e destruindo tudo o que foi conquistado

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Há alguns anos, a minha avó vivia numa casa no centro da cidade que tinha um pé de Ipê amarelo bem em frente.

Para mim, ele sempre parecia me dar as boas vindas, balançando alegremente os galhos ao sabor do vento.

Era uma árvore simpática, de porte médio, que projetava uma larga sombra sobre o jardim, tornando as tardes mais amenas e agradáveis.

Como ocorre também com algumas outras espécimes, ele trocava de roupa para a estação mais colorida do ano, vestindo-se de amarelo para comemorar a chegada da primavera.

Era uma árvore de necessidades modestas. O seu tronco brotava de uma pequena circunferência de terra, na calçada coberta de pedras. Contentava-se com uma simples poda periódica e nunca necessitou sequer de um fertilizante ou de um inseticida.

Ninguém imaginava, que aquela árvore tão afável e gentil, pudesse ter uma inimiga mortal: a vizinha, cuja ocupação de parte das tardes era varrer compulsivamente a calçada da sua casa. Naturalmente, pela proximidade, a sua calçada estava quase sempre coberta pelas folhas do Ipê da casa da minha avó, o que a deixava furiosa.

O centro da cidade, com o tempo, foi se tornando um endereço mais comercial, levando a minha avó e as minhas tias, que com ela moravam, a se mudarem para a praia.

A vizinha, então, cega pela chance de “vingança” contra a árvore que “sujava” a sua calçada, tão logo percebeu que o Ipê tinha perdido as suas protetoras. Mandou cortar a árvore e jogar óleo queimado no pequeno toco que dela restou rente ao chão. O óleo queimado foi usado como herbicida, para impedir que a planta resistisse ao atentado e renascesse. Funcionou. O ódio foi maior do que a vida e a árvore morreu.

Aquele Ipê simplesmente existia, sem prejudicar ninguém e ainda abençoava a vida ao seu modo. Mesmo assim, alguém nutria um ódio irracional contra ele.

Do mesmo modo, penso eu, quantos nutrem um intenso ódio de classe pelos pobres e por suas conquistas?

Quantos estão apenas à espera que as leis e as instituições que os protegem desapareçam para atacá-los a machadadas?

No Brasil, onde parece que a vida dos mais vulneráveis é uma concessão feita pelos ricos, onde cada respiração do pobre é sentida como um atentado e uma provocação aos que se consideram os donos do oxigênio, há um permanente clima de conspiração contra ações, projetos, pessoas e governos que tenham práticas socialmente inclusivas, como se o mais aceitável fosse que os mais desprotegidos permanecessem na exclusão e na carência permanentes.

Na física, a lei a da inércia, ou primeira lei de Newton, diz que os corpos tendem a ficar em repouso até alguma força ser exercida sobre ele.

Na vida social dos países que atingiram um certo patamar de equidade há algum tempo, a inércia favorece mais a justiça e o bem-estar coletivo.

As forças que operam contra o equilíbrio da sociedade são repelidas pelo seu conjunto.

Numa sociedade injusta, ocorre o oposto: a inércia favorece o desequilíbrio.

Aqueles que tentam promover a equidade e o bem comum são perseguidos, difamados, presos ou mesmo mortos.

O sistema reage contra eles.

No Brasil, os períodos de promoção da justiça social são tolerados por alguns anos, mas, depois, o ódio represado das elites e dos seus auxiliares explode furioso, reprimindo e destruindo tudo o que foi conquistado.

O ressentimento contra os pobres e contra àqueles marcados para serem socialmente subordinados espera o melhor momento para se despejar através de uma avalanche de ódio e de intolerância.

A revolta é contra a filha da manicure que foi cursar medicina, contra o porteiro que viajou de avião e contra a dificuldade de conseguir empregadas domésticas.

A rebelião é contra a prosperidade dos pobres, contra a alforria dos miseráveis, contra a igualdade de direitos e a solidariedade coletiva. Mas a retórica, o discurso, a fala é sempre contra a corrupção e a favor da família e da pátria.

Até o Nome de Deus é usado em vão para justificar o egoísmo.

Na distopia social das elites brasileiras, não é que o pobre deva se conformar sendo pobre, permanecendo sempre em seu lugar, sem jamais reclamar.

É muito pior do que isso.

Ele não deve ter necessidades, não deve consumir recursos, não deve ser beneficiário de nenhum programa ou verba, não deve viver, não deve respirar, nem sequer existir.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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