O manto brasileiro da Rainha Elizabeth II
Hildegard Angel conta como sua mãe, a estilista Zuzu Angel, fez o manto que em 1968 seria presenteado à rainha pela primeira-dama Yolanda Costa e Silva
Por Hildegard Angel, para o 247
Em 1968, a Rainha Elizabeth II veio ao Brasil. Foi um acontecimento. Chegou a bordo de seu iate Britania, que ficou fundeado na Baía da Guanabara. Se hoje somos caipiras e intelectualmente colonizados, vocês podem imaginar o que éramos há 54 anos. Os jornais só falavam disso, eram páginas e páginas a respeito. A chamada alta sociedade disputava os convites para a recepção do Presidente da República, Arthur da Costa e Silva, para a Rainha Elizabeth. Os ateliês de alta costura trabalhavam loucamente para entregar as encomendas, não havia mais espaço nas agendas dos melhores cabeleireiros da cidade.
Minha mãe, Zuzu Angel, estilista de dona Yolanda Costa e Silva, fazia seu guarda-roupa para a visita. Fazia também o manto, que seria presenteado à rainha pela primeira-dama. Não era uma roupa, era uma joia majestosa. Uma capa de zibeline azul royal, com uma pelerine sobreposta, formada por uma malha de ouro e pedras preciosas brasileiras, obra da joalheria H. Stern. Lindo demais.
O croqui da capa foi divulgado à mídia, que o publicou. A capa ficou pronta, foi feita a foto, que a mídia publicou e divulgou. Quando digo “a mídia”, eu me refiro à colunista social de maior sucesso na época, Nina Chaves, de O Globo, onde ela dirigia O Globo Feminino, editando página diária, e aos sábados editava o Suplemento Ela, de quatro páginas, sendo nas duas páginas internas sua coluna social.
Nina era amiga de Zuzu, e esta sempre priorizava a coluna de Nina. Ibrahim Sued, o colunista social mestre na autopromoção, tinha mais nome e poder. Nina, porém, tinha mais credibilidade e, assim como Ibrahim, tinha acesso direto a Roberto Marinho. Ambos eram muito capazes, cada um a seu modo, com grande disputa entre eles. Ibrahim detinha vantagem: era homem. Assim, se enturmava com mais facilidade entre os homens poderosos. Por exemplo: participava da mesa de carteado de Costa e Silva no Palácio das Laranjeiras.
Ibrahim deve ter ficado bem revoltado, quando viu o “furo” que a coluna semanal de Nina deu, superando sua coluna diária, ao noticiar o presente para a Rainha britânica. O que o “turco” (apelido de Ibrahim) fez? No carteado com o ditador, bombardeou o presente, dizendo que era cafona presentear roupa a uma monarca (mesmo se tratando de uma joia, não de uma roupa). Os puxa-sacos do jogo, com as cartas nas mãos, todos concordaram, e Ibrahim fez sua canastra real: Costa e Silva determinou que Yolanda não desse o presente.
O colunista correu para alardear a notícia no seu minuto diário no telejornal noturno da Globo, em que abria seu “caderninho” e lia suas “bombas”.
Eu estava assistindo à TV, quando ouvi o colunista proclamar: “Bomba, bomba, bomba! Direto do meu caderninho, trazida do Palácia”. E lascou o petardo: “Uma estilista e um joalheiro buzuntas estão divulgando que a primeira-dama vai presentear a Rainha com uma capa, mas isso é mentira, não vai acontecer”.
Obviamente, ele não queria atingir Zuzu nem a H. Stern, queria desmoralizar sua concorrente, Nina. Mas alvejou todo mundo.
Nina muniu-se com as fotos, os desenhos, a troca de bilhetes de Zuzu com Yolanda, e fez um artigo espetacular, muito bem ilustrado, para sua coluna do sábado seguinte. Chamava-se “A capa e a contracapa”.
Aos 18 anos, eu já trabalhava no Globo, como assistente de Nina, e fechava suas páginas nas oficinas, às quintas-feiras tarde da noite, ajeitando os clichês, excluindo os chumbinhos dos espaçamentos, para que coubesse todo o texto. Cada notícia era uma preciosidade. Nada podia ficar de fora. Então, eu sabia bem onde estava o artigo ilustrado de Nina, no centro da página central ímpar.
Na sexta-feira à noite, tocou o telefone lá em nossa casa/ateliê. Uma mulher, dizendo-se “da coluna da Nina”, pedia informações sobre a capa. A pessoa que ligou não sabia que a filha de Zuzu, que a atendera no telefone, era também da equipe de Nina Chaves. Eu, burra, não sabia que a pessoa que ligou era amiga de dona Yolanda, que certamente receava alguma reação de Nina Chaves, d respondi, na lata: “Se quer saber notícias sobre a capa, leia amanhã a coluna da Nina Chaves”.
No dia seguinte, abri o jornal e no meio da coluna da Nina havia um enorme anúncio! A página era das poucas do jornal em que anúncios jamais eram veiculados. Uma força maior, muito superior, havia parado as máquinas do Segundo Caderno e reimprimido as páginas de Nina Chaves, de acordo com a conveniência da primeira-dama.
Os leitores de O Globo nunca conheceram a verdadeira história da Capa e da Contracapa do presente presidencial à Rainha da Inglaterra. Aquele que foi sem nunca ter sido.
A título de curiosidade: anos depois, conheci uma grande amiga de outra primeira-dama, dona Dulce Figueiredo, e reconheci a voz do trote ao telefone.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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