O meu lado masoquista
"Durante o recolhimento nessa pandemia, descobri em mim um inesperado lado masoquista. Dedico parte do meu tempo a ver aberrações via internet", conta Eric Nepomuceno, do Jornalistas pela Democracia, que completa: "dediquei exatos 44 minutos e 26 segundos para assistir a uma conversa de Jair Messias com o mais exibido e irresponsável de seus filhos, o deputado federal Eduardo"
Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia
Faço aqui uma confissão: durante o recolhimento nessa pandemia infinita, descobri em mim um inesperado lado masoquista. Dedico parte razoável do meu tempo a ver aberrações via internet.
Nada, porém, comparável ao ataque de masoquismo sofrido na noite do sábado 19 de dezembro: dediquei exatos 44 minutos e 26 segundos para assistir, via youtube, a uma conversa de Jair Messias com o mais exibido e irresponsável de seus filhos, o deputado federal Eduardo. Teria sido apenas absurdo e quase cômico, se não se tratasse de quem preside um país de 210 milhões de habitantes. Um país destroçado em todo e qualquer aspecto, com um governo de uma inércia sem remédio, e que quando sai de sua paralisia se mostra brutalmente desnorteado. Um país presidido por um Aprendiz de Genocida que, diante de uma pilha de quase 190 mil cadáveres, continua a insistir numa campanha contra a vacinação, capaz de uma frase memorável: “Se eu tiver câncer e não quiser fazer quimioterapia, problema meu”.
Faltou uma alma caridosa para esclarecer a semelhante animal que câncer não é contagioso.
É bem verdade que nas minhas outras fases de masoquismo eu já tinha visto uma sequência interminável de absurdos expelidos pela boca abjeta do Ogro presidencial.
O que me chamou a atenção, porém, na noite de sábado, foi a junção, ao longo – repito – de 44 minutos e 26 segundos, de uma formidável amostragem do que existe de pior no personagem que nos preside.
Mentiu com a mesma naturalidade com que respira, distorceu realidades palpáveis e evidentes, e para fechar a conversa com chave não de ouro, mas de excremento, debruçou-se numa louvação apaixonada a uma das figuras mais tenebrosas e desprezíveis da história contemporânea brasileira, o torturador Brilhante Ustra. E então notei o número de pessoas que, como eu, tinha acompanhado aquele desfile insuperável de aberrações e absurdos: quase 160 mil. Como não cometeria a ingenuidade de imaginar que seriam todos masoquistas como eu, não tive outra saída a não ser concluir que são seguidores do Aprendiz de Genocida. Lembrei em seguida que as mais recentes pesquisas de opinião pública mostram não apenas que sua aprovação ronda a casa de 37%, como subiu sete pontos desde dezembro de 2019.
É verdade se trata do pior índice, passados dois anos de governo, de José Sarney para cá. Mas também é verdade que ao longo do tenebroso 2020 essa aprovação se manteve estável.
Leio análises de acadêmicos, de publicitários. Todas recordam que a aprovação de Jair Messias mudou de norte: agora, ele é criticado pelas classes média e alta, e aprovado pelas mais baixas.
Nesse caso específico – os mais pobres – o auxílio emergencial, como não?, ajudou e muito. Mas e todo o resto dos desastres em que o país mergulhou? Se foram beneficiados pelo tal auxílio, é justamente entre os das classes sociais mais baixas que estão os principais prejudicados pela destruição do país.
Hoje, são 14 milhões de desempregados. Quantos serão em 2021?
E há, enfim, um aspecto que me faz naufragar em espanto: existem, e são muitíssimos, milhões, os brasileiros que comungam com o mesmo credo do Aprendiz de Genocida.
Aliás, há também outro aspecto que me deixa pasmo: onde está a oposição? Onde as chamadas forças progressistas? Onde os democratas deste país, se é que sobraram nessa terra devastada?
Triste domingo este, que veio depois do sábado de surto masoquista. Melhor ir para o fogão e preparar um franguinho de leite.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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