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    Paulo Bearzoti Filho

    Militante do MPM – Movimento Popular por Moradia e do Mímesis Conexões Artísticas, ambos coletivos progressistas de Curitiba (PR)

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    O “motim” no porta-aviões Theodore Roosevelt

    Para qualquer lado que se olhe, o episódio produz uma sensação de desconforto

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    Quando se lançou à disputa das prévias do Partido Republicano, em junho de 2015, Donald Trump declarou que os Estados Unidos estavam se “tornando um país do terceiro mundo”. Uma afirmação forte, que ele, aliás, repetiria outras vezes, por exemplo, em agosto de 2016, já como candidato à presidência, ou em março de 2018, referindo-se à infraestrutura do país que ele próprio passara a administrar.A percepção, na verdade, não está restrita ao presidente Trump. Ainda há pouco, a mesma comparação ocorreu a um médico novaiorquino, ao falar, na CNN, sobre a crise do coronavírus: “É alucinante. Não temos equipamentos, não temos leitos. Pensar que estamos na cidade de Nova York, e isto está acontecendo. É um cenário típico de país do terceiro mundo”.

    Algo semelhante, quem sabe, tenha também passado pela cabeça do Capitão da Marinha Brett Crozier, nas últimas semanas em que esteve no comando do porta-aviões nuclear Theodoro Roosevelt. 

    Em 5 de março, a poderosa embarcação fez uma parada técnica em Da Nang, no Vietnã. Em 24 de março, quando já voltara a navegar, constatou-se que alguns dos marinheiros apresentavam sinais de Covid-19. Eles foram transportados para terra, mas, em pouco tempo, os casos a bordo já atingiam a casa das dezenas.

    O Theodore Roosevelt é um dos maiores navios de guerra do mundo. Seus 330 metros de comprimento e 79 de largura comportam 90 aeronaves e deslocam nada menos que 104 mil toneladas. Demanda quase 5 mil tripulantes, que, apesar das gigantescas dimensões da embarcação, têm de partilhar postos de trabalho, refeitórios e alojamentos bastante diminutos, o que sem dúvida configura um ambiente altamente propício para a propagação de doenças infectocontagiosas.

    Pensando em todos esses fatores e, sobretudo, na segurança de sua tripulação, o Capitão Crozier solicitou que o Theodore Roosevelt aportasse e fosse evacuado. No entanto, em sintonia, talvez, com o negacionismo da administração Trump, o alto comando da Marinha, para a surpresa e a decepção do capitão, não pareceu dar muita importância à solicitação, que, a despeito da relatada emergência, não foi prontamente atendida.

    Crozier tomou então uma decisão heterodoxa para os meios militares. Redigiu uma carta mais enfática a seus superiores e a enviou com dezenas de cópias, de modo que a correspondência acabou “vazando” e sendo publicada pelo San Francisco Chronicle, ganhando em seguida amplo destaque na imprensa do mundo todo.

    A reação da Marinha foi, contudo, mais convencional. O Theodore Roosevelt de fato atracou, na Ilha de Guam, uma possessão extraterritorial (uma “colônia”) e uma importante base militar dos Estados Unidos no Pacífico, onde começou a ser evacuado. Brett Crozier, porém, foi repreendido por quebra da cadeia de comando e sumariamente destruído de seu posto.

    E aí aconteceu o episódio mais inusitado, que a maioria dos comentadores militares ocidentais considerou um verdadeiro “motim”. Em sua saída do porta-aviões que havia comandado em meio à grave crise sanitária, o Capitão Crozier foi cercado e ovacionado por centenas de marinheiros que em coro lhe gritavam o nome. Uma tocante aclamação de subalternos que legitimamente reconheceram o compromisso de um oficial com o bem-estar de seus subordinados. Os vídeos da cena ganharam ampla divulgação na mídia e nas redes sociais e, no fim das contas, Crozier saía saudado como um “herói”.

    Como era de esperar, o chefe da Marinha, Thomas Modly, não gostou nada de ver um oficial que a burocracia militar julgou insubordinado receber tantas e tão espontâneas homenagens. Num áudio dirigido à tripulação do Theodore Roosevelt, soltou que Brett Crozier havia agido como um “estúpido”. A fala repercutiu muito mal, e Modly – vejam só – foi levado, também ele, a demitir-se alguns dias depois. Quer dizer: o mais alto comandante da Marinha perdia seu cargo por destratar um “simples” capitão (cargo equivalente ao de coronel no Exército).

    Para qualquer lado que se olhe, o episódio produz uma sensação de desconforto. Se Crozier não passa de um “estúpido insubordinado”, seria o caso de nos perguntarmos: mas, afinal, é alguém assim que dirige um dos maiores porta-aviões nucleares do mundo?

    Se ele, ao contrário, agiu com previdência e denodo, mas foi punido por isso, as dúvidas então recaem sobre a capacidade que a cúpula militar dos Estados Unidos tem de dar ordens à fantástica máquina de guerra sob seu comando. 

    Em qualquer das hipóteses, uma confusão própria de países desorganizados, que, como diria o presidente Trump, parecem do “terceiro mundo”.

    Em tempo: nas duas primeiras semanas de abril, o total de infectados do Theodore Roosevelt atingiu cerca de 550 tripulantes. O próprio Capitão Crozier testou positivo. Em 13 de abril se noticiou a primeira morte entre eles.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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