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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    O Nazismo na América do Sul

    "omo a violência política é permitida. Como é fácil aceitar a tortura e a prisão se do outro lado existe uma suposta ameaça comunista. Como a América Latina foi vítima dessa deformação da política e da História", escreve o cartunista Miguel Paiva

    (Foto: Miguel Paiva)

    Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

    Cada dia fica mais claro porque os restos do nazismo que vieram da Europa renderam tantos frutos na América Latina, sobretudo no Brasil, no Chile e na Argentina. Desde o final dos anos 50 que uma corrente migratória de criminosos de guerra ou simpatizantes do nazismo se formou em direção ao nosso continente. Alguns fizeram escala na Espanha, que vivia ainda o auge do regime franquista de extrema direita. Na Argentina se escondeu Adolf Heichmann, um dos executores dos planos de extermínio de Hitler que foi sequestrado e levado para Israel pelos então caçadores de nazistas. O Brasil abriu as portas para alguns e durante a ditadura militar fechou os olhos para a permanência deles por aqui. Mengele, médico e assassino e Franz Wagner, oficial da SS que viveram anos no Brasil sem ser incomodados foram alguns deles. Fazia sentido o olho fechado dos militares sul americanos a esses criminosos. A doutrina se parecia.

    Agora, acabei de assistir na Netflix uma série documental de 6 capítulos chamada Colônia Dignidade que conta a história de um subproduto deste nazismo que proliferou por aqui. No caso, aconteceu no Chile dos anos 60 até 2010 quando o alemão Paul Schäfer morreu com mais de 80 anos. Durante décadas ele comandou a famosa Colônia Dignidade, numa zona ao sul de Santiago com a anuência dos chilenos, depois dos militares de Pinochet, quando serviu também de centro de torturas e por fim sob o governo neoliberal que veio a seguir.  

    Precisou que um alemão, que chegou por lá ainda criança, revelasse as atrocidades e a pedofilia perversa de Schäfer depois de fugir para a Alemanha junto com um também jovem chileno. Aí, o mundo escutou e as autoridades correram para prendê-lo. A essa altura, ele já estava na Argentina, mas isso não impediu que fosse preso e condenado a 20 anos de cadeia por pedofilia. Os crimes contra a humanidade, a colaboração com a tortura de Pinochet e o desaparecimento de vários prisioneiros que passaram por lá ficou para ser contado pela História.

    Schäfer era, claramente, um pós-nazista. Saiu da Alemanha no inicio dos anos 60, também acusado de pedofilia e fugiu para o Chile onde recebeu como presente uma área enorme para construir sua colônia.

    Aparentemente a ideia era receber as populações pobres chilenas, oferecer educação, saúde e moradia além dos próprios alemães que foram para lá com ele e que mantinham a corrente migratória funcionando. Só que Schäfer era um pedófilo, nazista, perverso e cruel. Tirava as crianças de suas famílias, tanto as chilenas quanto as alemãs, até mesmo sequestrando-as. Eliminava os sobrenomes e as entregava à guarda das chamadas tias.

    Ele abusava, literalmente, das crianças e conseguia manter seu poder através da imposição violenta da sua doutrina aos cidadãos comportados e temerosos. A colônia cresceu, construíram alojamentos, moradias, escola e hospital. Mas tudo como um estado dentro de outro estado que permitia esse poder paralelo.

    O moralismo era exacerbado, a religião, imposta e a única diversão que tinham era a ginástica e os cânticos. Impressionante como os regimes autoritários enaltecem a ginástica. É uma atividade física que não favorece o raciocínio. Os cânticos tem o mesmo efeito inebriante e evangelizador. Era disso que ele vivia acrescentando o lado cruel da pedofilia ao seu descontrole autoritário.  

    Quando Pinochet subiu ao poder num golpe de estado sangrento Schäfer foi o primeiro a respirar aliviado. As ameaças que surgiram durante o governo Allende de revelar o verdadeiro lado da Colônia e o difundido medo do comunismo que ele mesmo espalhava acabaram cedendo lugar a uma colaboração explícita entre a ditadura e Schäfer. Os alemães podiam importar armas sem fiscalização e através do grupo Pátria e Liberdade, que depois se revoltou contra Pinochet, ajudou abertamente o golpe. Além do centro de torturas, foram achadas, anos depois, várias ossadas. Mesmo assim depois que Pinochet saiu do poder os políticos não levaram a sério o que se revelava.  

    É reveladora essa constatação. Como a violência política é permitida. Como é fácil aceitar a tortura e a prisão se do outro lado existe uma suposta ameaça comunista. Como a América Latina foi vítima dessa deformação da política e da História. Schäfer foi condenado por pedofilia a duras penas. Antes das revelações do jovem alemão na Alemanha, as pessoas relutavam.  Falseavam relatos e sentimentos usando as crianças amedrontadas. Ameaçavam quem conseguia escapar para não revelar o que sabia. É toda uma conduta que agora vemos com mais frequência e nos ajuda a entender porque um povo sem educação é mais fácil de ser manipulado, mais fácil de acreditar em deuses, em salvadores da pátria, em messias. O nome Colônia Dignidade é um deboche como é o do Paulo Guedes em dizer que 2020 foi um ano próspero para o Brasil. As mentiras podem nos levar muito longe e depois fica difícil voltar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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