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    Marilza De Melo Foucher

    Economista e jornalista. Colabora com o Brasil 247 e outros jornais no Brasil, é colaboradora e blogueira do Mediapart em Paris

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    O olhar triste da Mariana

    "Por que me olhas assim Mariana? Pergunta à franco-brasileira. Porque o vírus da intolerância foi propagado pelo território francês"

    Homem caminha em frente a pôsteres com propaganda eleitoral em Paris, antes de eleição antecipada para o Parlamento da França 22/06/2024 REUTERS/Dylan Martinez

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    Ofereço um buquê de flores para Mariana. Esta mulher que simboliza a República francesa um buquê de flores multicoloridas, amarradas numa fita das cores como um arco-íris. Mariana agradece com um olhar triste.

    Por que me olhas assim Mariana? Pergunta a “bi-nacional” franco-brasileira. Porque o vírus da intolerância foi propagado pelo território francês e várias pequenas e médias comunas foram afetadas, principalmente nas zonas rurais.

    Precisamos salvar os filhos e as filhas da República. Eles/elas vivem nas zonas rurais, nas cidades periféricas próximas das antigas minas e de siderúrgicas. São os obreiros, metalúrgicos, agricultores que foram abandonados pelos governantes de esquerda e de direita. Estes lugares que a república desertou foram os primeiros cooptados pela extrema direita, que neles busca se fortalecer de crises sociais, econômicas e políticas.

    A extrema direita avança como um lobo na pele de cordeiro, trazendo consigo um novo discurso formatado para conquistar esses territórios abandonados. Aos poucos, os seguidores da família Le Pen vão destilando o racismo, instigando a rejeição aos imigrantes. Propagam a ideia de que os imigrantes são responsáveis pelos problemas do País. “Tudo é culpa dos migrantes”, afirmam em todas as ocasiões, mesmo que não existam em certos territórios a chegada de novos estrangeiros. E os chamados imigrantes têm dupla nacionalidade ou são naturalizados franceses, pois são originários das antigas colônias francesas. Todavia a mentira, a imprecisão e o exagero para provocar a divisão e o medo integram o DNA da extrema direita, desde o já conhecido passado macabro até hoje.

    A República não pode abandonar essa população sem bússola e atraída pelas promessas da extrema direita. É urgente buscar soluções socioeconômicas concretas para tratar o desemprego, a perda do poder aquisitivo, a desclassificação social, o deserto medicinal e a ausência de serviços públicos fundamentais. Os territórios que foram conquistados pela extrema direita devem ser incluídos na República. A extrema direita liberou o racismo e dividiu a França. O vírus da segregação racial e o ódio espalhados pela extrema direita precisa ser sanado

    Temos um mapa eleitoral retratando a divisão provocada por votos de protestos e votos de convicção. Na bagagem da extrema direita existe o peso histórico da ideologia fascista e nazista. Apesar da família Le Pen tentar esconder essa herança e reformar sua linguagem como estratégia de ascensão ao poder, assistimos, no primeiro turno, a um desfile de conteúdos xenófobos difundidos pelos novos eleitos da extrema direita. Entre os dois turnos, vários ataques racistas e de violência contra imigrantes foram registrados em discursos públicos e redes sociais.

    A nova frente popular de esquerda que conseguiu barrar a ascensão da extrema direita ao poder tem uma missão desafiadora: resgatar o simbolismo republicano da liberdade, fraternidade e igualdade. Olho para Mariana e digo a ela que a França será sempre multicolorida. Depois de expor suas primeiras preocupações Mariana lança um olhar menos triste, contemplando o buquê de flores decorado com uma fita que tem as cores do arco-íris

    Mariana acrescenta: Nós mulheres somos mais sensíveis às mudanças de estações e nesse buquê tem rosas vermelhas que não perdem seus espinhos para se proteger de agressões! A beleza não se priva de revolta! Nós mulheres somos resistentes às intempéries. Eu represento a República que venceu a tirania, diz Mariana. Temos que redesenhar um novo destino menos cinza para as gerações de migrantes, pois eles trazem novas cores para esta França mestiça

    A revolta dos jovens oriundos da migração é normal, todavia, devemos educá-los ao respeito republicano, aos valores que sustentam nossa República. Seguimos o que dizia Jaurès: A República é o direito de cada homem, qualquer que seja a sua crença religiosa, de ter a sua parte de soberania. Nossos valores não podem ser pisoteados e devem ser transmitidos aos jovens, dentre eles a laicidade que garante a todos os cidadãos, quaisquer que sejam as suas convicções filosóficas ou religiosas, a convivência pacífica.

    Outro valor precioso é a democracia e o exercício da cidadania. Os governantes devem defender a democracia, o que significa respeitar a soberania do povo. A República nasce para proteger os mais carentes. O modelo social francês é um patrimônio republicano.

    Os valores da liberdade, igualdade e fraternidade são reconhecidos na declaração dos direitos humanos e temos o dever de transmitir às novas gerações.

    Nossas crianças precisam de educação cívica para não serem afetadas pela rejeição do outro que é diferente. O outro é parte integrante do saber conviver com as diferenças

    A representante da República Democrática Francesa que se tornou símbolo mundial prossegue nos seus pensamentos. Eu só vou poder continuar sorrindo depois que os novos eleitos da república respeitarem os valores humanistas que nos guiaram e permitiram romper com a tirania.Espero que a esquerda unida e humanista possa governar para resgatar os símbolos de nossa República.

    Mariana, antes de se despedir, recorda a frase de Victor Hugo. “Eu quero que a República tenha dois nomes: que se chama Liberdade e que se chame coisa pública”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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