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    Jorge Folena

    Advogado, jurista e doutor em ciência política.

    56 artigos

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    O papel do judiciário no enfrentamento ao fascismo

    Comportamentos característicos de governos que tentam se impor pela força e truculência física e moral devem ser repelidos e limitados pelo Poder Judiciário

    Estátua da Justiça no prédio do STF em Brasília (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

    Nos últimos anos, o mundo ocidental tem se encaminhado para uma perigosa encruzilhada, ainda que a maioria dos seus cidadãos não tenha a mínima consciência da armadilha que está sendo montada. Em  diversos países do hemisfério nos deparamos com propostas de restrição de direitos fundamentais, num claro sinal de que o sistema político liberal capitalista atravessa uma profunda crise, que decorre de sua incapacidade de promover os meios mínimos necessários para que todas as pessoas possam viver em paz e com dignidade.

    Enquanto alinhava as ideias para escrever este ensaio, recordo-me da obra “Do espírito das leis”, de Montesquieu, não apenas por se tratar de um clássico das ciências sociais, mas por ser facilmente verificável a atualidade do pensamento do autor. Montesquieu afirmou que só existe democracia onde há igualdade e demonstrou que sociedades desiguais abrem caminhos para a instalação de regimes despóticos e tiranos, que se alimentam do medo e do terror para se afirmarem.

    Hoje, o que mais observamos neste que se convencionou denominar de “mundo ocidental cristão” é a gigantesca desigualdade social, decorrente da concentração brutal de riquezas e fontes de recursos.  A falta de igualdade e de oportunidades conduz à desesperança e a uma situação de constante temor.

    Essas são algumas das causas que fazem com que a população, tomada de receios em relação ao futuro e paralisada pelo medo, decida entregar seu destino nas mãos de políticos que se apresentam como homens fortes, antissistema, que propõem a implantação de um novo estado, onde impera o discurso de violência, ódio e repressão, que conduz à tirania.

    A tirania é uma forma de governo onde não existe o equilíbrio das forças políticas e sociais, base central do pensamento de Montesquieu. O autor afirma que, para que haja esse equilíbrio, é essencial a manutenção de instituições políticas capazes de garantir a existência de uma sociedade frugal, onde todos possam desfrutar das riquezas produzidas pelo conjunto social.

    Assim, o objetivo do nosso texto de hoje é analisar o papel de intermediação que deve ser desempenhado pelo Poder Judiciário, a partir da divisão de poderes desenvolvida por Montesquieu, como instrumento capaz de assegurar o equilíbrio de forças políticas e sociais, diante de governos que se apresentam com o rótulo do nacionalismo e forte apelo moralista, mas, ao fim, abusam de princípios caros ao próprio liberalismo.

    Governantes como Trump, Bolsonaro, Milei, Bukele, Noboa, entre outros, sem nenhum receio de desagradar aos cidadãos, manifestam a possibilidade de restringir liberdades individuais e ameaçam destruir qualquer política condizente com a pluralidade de pensamento, gênero, raça, origem, opção sexual e convicção de ideologia; além de defenderem todo tipo de ataques contra a natureza, concordam até mesmo em “abater” indivíduos de forma sumária e sem o devido processo legal, princípio que constitui uma das primeiras conquistas do liberalismo.

    Esses comportamentos, característicos de governos que tentam se impor pela força e truculência física e moral devem ser repelidos e limitados pelo Poder Judiciário, que é “uma espécie de contrapeso do poder legislativo e do executivo” (Kelsen).

    Nesse encaminhamento, podemos verificar que, apesar de seus (muitos) equívocos e de ter contribuído para a instalação do quadro quase permanente de violação de garantias fundamentais, o Poder Judiciário, representado no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, teve um papel preponderante de intermediação no processo de restabelecer o tão necessário equilíbrio de forças, único caminho para impedir o esgarçamento total do tecido social.

    Afinal de contas, o Poder Judiciário não poderia fechar os olhos para a possibilidade de disrupção da ordem instituída, em consequência da atuação das forças emergentes do fascismo, que não camuflam sua intenção de tornar supérfluas as instituições estatais, como fez Bolsonaro, ao longo de seus quatro anos de governo no Brasil, e como intenta fazer Donald Trump, agora em seu retorno ao governo norte-americano.

    No caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – ainda que sob ameaças, diretas ou veladas – atuou institucionalmente, ao lado das forças do campo democrático, popular e progressista, na proteção da democracia.

    O embate iniciou-se timidamente às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 2018, quando juízes eleitorais, de forma equivocada e autoritária, ordenaram que a polícia desse cumprimento a mandados de busca e apreensão e invadisse diversos campi universitários, nos quais os corpos docentes e/ou discentes estivessem a manifestar-se contra os perigos da ideologia do fascismo; por sinal, comportamento semelhante ao  adotado hoje  por Donald Trump no Estados Unidos contra universidades e estudantes que se manifestem contra as ações sionistas na Palestina.

    O mesmo Supremo Tribunal Federal, que, em casos anteriores, deixou uma evidente impressão de politização da justiça, com sua equivocada reinterpretação da presunção de inocência, direcionada para permitir o encarceramento do presidente Lula (ocorrido em 2018), se posicionou no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 584.

    Nesse julgamento, a ministra relatora Cármen Lúcia afirmou que “a única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. (…) Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”.

    Sem dúvida, a resposta do Supremo Tribunal Federal naquela oportunidade veio em boa hora e inaugurou uma nova etapa, onde, inclusive, restaurou-se posteriormente a garantia da presunção de inocência. Ameaçado diretamente pelas forças fascistas, o Tribunal viu-se compelido a agir para impedir o autoritarismo, que o ex-presidente ora denunciado por crimes contra o Estado Democrático de Direito tentou instalar no Brasil.

    E para isto, foi fundamental o enfrentamento, a partir de 2021, contra as diversas células fascistas instaladas por todo o sistema de justiça brasileiro, em particular contra a operação lava jato, que culminou no julgamento do Habeas Corpus 193.726, quando foram anuladas as ações penais contra o presidente Lula. 

    É importante ressaltar que o papel da Suprema Corte em qualquer país é o de garantidor da ordem jurídica da classe dominante; e é por isso que governantes que se contrapõem a essa ordem, sem um prévio acordo institucional, serão responsabilizados perante esse tribunal.

    Contudo, precisamos entender que, ao derrotarmos a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, ganhamos apenas uma batalha; sendo certo que, no combate ao fascismo reinante aqui no país e no mundo ocidental, ainda temos muita luta pela frente, antes de conquistarmos uma vitória efetiva, duradoura e significativa contra as ameaças de destruição encampadas pelo extremismo de direita.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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