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    Weiller Diniz

    Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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    O paraíso fecal

    "Além de rabiscar e assinar uma planta eleitoreira incerta e precária, o fura teto Guedes desceu vários andares no andaime do poder e virou vidraceiro do centrão, limpando as janelas e levando pedradas", escreve Weiller Diniz

    jair-bolsonaro-paulo-guedes (Foto: Alan Santos/PR)

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    Por Weiller Diniz, publicado originalmente em Os Divergentes

    O canteiro central da demolição institucional, política e administrativa do bolsonarismo é cercado pelos tapumes malcheirosos da baixíssima cognição, da estupidez e da indigência lexical. Pela imperícia em compreender a complexidade do Brasil, pela inapetência ao trabalho e a incapacidade de se expressar, a maioria dos peões martelam parábolas escatológicas com uma assiduidade infecta.

    “Merda”, utilizada como exortação nas coxias teatrais, é um dos vocábulos prediletos nas fossas bolsonaristas. O capitão, além das obsessivas analogias anais, é um chapiscador de agressões e palavrões. Quando não está falando “merda” está obrando uma titica qualquer. “Cocô dia sim, dia não”, ensinou o mestre do desarranjo.

    A Globo – imprensa de maneira geral – também é “merda”. Dia desses quase morreu por uma obstrução intestinal. Olavo de Carvalho, guru da cloaca, ameaçou derrubar a “merda de governo” e Romário, justificando o apelido de “baixinho”, falou que o país era uma “merda” antes de Bolsonaro. As palavras e as obras deles são coletadas no mesmo esgoto da deterioração.

    O capitão Bolsonaro está rodeado de capatazes incapazes, embora devotos das chulices. Paulo Guedes, outrora estrela do lixão e essência aromática da fedentina, incorporou os coliformes nauseabundos ao vocabulário. Ao defender a natimorta CPMF recendeu os doutrinamentos da latrina: “Você acha que sou um homem de desistir fácil das coisas? De forma alguma. Porque você acha que estamos pensando nessa coisa de merda”. Depois incensou o miasma no debate sobre a reforma tributária: “Temos que desonerar o custo do trabalho. Enquanto as pessoas não vierem com uma solução melhor, eu prefiro esse imposto de merda”, adubou o ministro em evento realizado em outubro de 2020.

    Uma flatulência da despersonalização. Ele era o chefe do encanamento econômico e não outras “pessoas”, uma terceirização imprecisa, ilógica. Outrora síndico perfumado do condomínio xexelento, Guedes está em estado de putrefação, recendendo aos cadáveres insepultos. Só ele não ouviu a descarga da suíte econômica e ainda boia por lá.

    A casa começou a cair para ele muito antes. A economia demanda planejamento, cálculo estrutural, fundações sólidas, alicerces seguros para evitar rachaduras e, sobretudo, rejeita remendos e improvisos. O mestre de obra Paulo Guedes, que sempre promete entregar a obra na semana que vem, fracassou na empreitada e não entregou obra alguma. Depois de quase 3 anos espanando todos os cômodos da economia, as gambiarras do posto Ipiranga provocaram um curto-circuito fatal, transformando a centelha em uma explosão de alta octanagem.

    A inflação voltou ameaçadora e está perto dos 2 dígitos, a fome ressurgiu devastadora, os investidores evaporaram, fábricas fecharam, a dívida pública cresceu, o PIB tem desempenhos pífios, o desemprego atinge mais de 30 milhões de pais e mães de família, a renda do brasileiro evaporou, o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no planeta e o Brasil levou um tombo vertiginoso no ranking das economias mundiais, caindo do telhado para o calabouço. Nenhuma das projeções desenhadas por Guedes saiu da prancheta (déficit zero, trilhões de privatizações, empregos etc.).

    O novo reboco fiscal, que ameaça botar a casa abaixo e tem a solidez das construções milicianas no Rio de Janeiro, foi lavrado eufemisticamente como “licença para gastar”. Exatamente como a “licença para matar” do ex-ministro Sérgio Moro, arquiteto responsável pela implosão da política que, agora, cobra o preço na economia. O bacanal fiscal, gastança irresponsável dos recursos públicos, tem frágeis vigas eleitoreiras e desenhos populistas muito toscos. É dar com uma mão e tirar com a outra.

    Furar o teto resultará no aumento das contas públicas, maior elevação dos juros, explosão inflacionária, desvalorização do real e no fosso profundo da recessão. No lado externo da obra adensará a perda da credibilidade, a desconfiança e a imprevisibilidade, ralo devastador para qualquer economia do planeta. Rastejando no porão das intenções de votos e amargando rejeições superlativas no topo da edificação, o despreparado capitão quer ascender no elevador da popularidade pelo botão da irresponsabilidade.

    Com a implosão liberal, Paulo Guedes vem assistindo deserções em seu barracão. 15 abandonaram a empreitada ao longo dos últimos meses. Joaquim Levy tomou uma denúncia vazia por causa da nomeação do advogado Marcos Barbosa Pinto, que trabalhou em governos do PT. Levy foi levado a síndico do BNDES por indicação de Paulo Guedes. Os dois têm passagem pela Universidade de Chicago, considerada a principal ‘resort’ do pensamento liberal.

    O ex-secretário Marcos Cintra acumulou desgastes no governo ao sugerir a tributação de igrejas e a criação de outros impostos, como a recriação do tributo sobre transações financeiras, nos moldes da extinta CPMF. Mansueto Almeida, que integrava a equipe econômica desde 2016, na gestão Temer, e seguiu na administração Bolsonaro, também deu baixa na carteira. Ele comandava o Tesouro. Salim Mattar, insatisfeito com o ritmo das vendas de patrimônios do Estado também saiu. Roberto Castelo Branco, também indicado por Guedes para Petrobrás, foi despejado por Bolsonaro em mais uma martelada populista.

    Assim que o calote nos precatórios foi cimentado para escorar o aumento do Bolsa Família, marketing indissociável do PT, mais quatro capatazes de Paulo Guedes entregaram o capacete e abandonaram o canteiro da heresia liberal. Foram eles: o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, a secretária especial-adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo.

    A debandada fragiliza ainda mais o engenheiro-chefe da economia em ruínas e concreta a frouxidão no alicerce fiscal, que foi severamente criticada por economistas do mesmo aldeamento ideológico de Guedes. Entre eles ex-ministros como Maílson da Nóbrega, Henrique Meirelles e Affonso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Guedes disparou pregos contra todos eles. O andar de cima, liderado pelo rooftop do mercado financeiro, também detonou o puxadinho eleitoreiro de Paulo Guedes.

    O aterro populista visa a impulsionar o nome do capitão na região Nordeste, condomínio quase privativo do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Fernando Haddad, em 2018, obteve 69,7% dos votos (7 em cada 10 votos) contra 30,3% de Bolsonaro, que tem hábito de se referir aos nordestinos pejorativamente chamando-os de “paraíbas”. Em 2020, após 5 parcelas de auxílio emergencial de R$ 600 a mais de 66 milhões de pessoas – dinheiro na veia – a avaliação positiva do governo oscilou modestamente por lá.

    O acréscimo de ótimo e bom em relação aos 30% da eleição rendeu poucos andares. Entre as 5 capitais de maior impopularidade à época, 4 estavam no Nordeste: Salvador, São Luiz, Teresina e Fortaleza. De acordo com as pesquisas mais recentes, Lula mantém a dianteira na região com muita folga. O DataFolha de julho/2021 registrou 64% para Lula e 16% para Bolsonaro no Nordeste.

    Além de rabiscar e assinar uma planta eleitoreira incerta e precária, o fura teto Guedes desceu vários andares no andaime do poder e virou vidraceiro do centrão, limpando as janelas e levando pedradas em nome de quem, verdadeiramente, manda na economia. Nos últimos meses o centrão controla o orçamento público, que foi privatizado e embaçado, sem nenhuma transparência. Mais do que conservar os recursos para as emendas parlamentares, os governistas no Parlamento terão um colchão adicional de mais R$ 80 bilhões para torrar nas eleições do ano que vem, 40 vezes o valor do Fundo Eleitoral.

    Estima-se um rombo superior a R$ 100 bilhões, sendo que apenas R$ 49 bilhões são destinados ao auxílio. Não é uma simples pedalada, mas uma motociata fiscal poluente que irá estourar no futuro. Quem sempre paga a conta dessas farras é o povo, geralmente os mais pobres. O centrão estará sempre hospedado sob qualquer teto governamental, desde que haja dinheiro a rodo, independente da cor vermelha das paredes ou das fachadas verde e amarelas.

    Na atual construção ainda foi edificada uma anomalia para blindar o governo no Congresso contra pedidos de impeachment. Ergueu-se um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões em emendas para aplainar o centrão. Boa parte dessa alvenaria é destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. O flagrante do “tratoraço”, sem controle, foi fotografado num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos.

    Os ofícios, revelados pelo jornal “Estado de São Paulo”, mostram que o esquema muda o eixo das leis orçamentárias. São os ministros que deveriam definir onde aplicar os recursos e não parlamentares. Esse quarto secreto foi desenhado para dificultar o controle do Tribunal de Contas da União e da sociedade. A distribuição dos valores atende a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo. Com as portas arrombadas, a peça orçamentária, antes pública, virou privada.

    Paulo Guedes não responderá apenas pelos erros crassos nas maquetes rudimentares da economia. Enquanto o Brasil atola na lama ardente do paraíso fecal, o porteiro do prédio da economia entrega as chaves do cofre e da casa ao centrão. Guedes se ocupa em nutrir seus milhões de dólares na cobertura do paraíso fiscal, nas Ilhas Virgens Britânicas. A cada tremor que racha as estruturas do vulnerável casebre brasileiro, o dólar sobe e a caixa registradora de Guedes acrescenta alguns tijolinhos no patrimônio impermeabilizado lá fora.

    O telhado de vidro de Guedes está trincado e há muitos cômodos mal iluminados nesse barraco. Por aqui os escombros da economia são visíveis. A fome ressurgiu, o emprego sumiu, o real diluiu e o Brasil desmilinguiu nessa gestão dos obreiros do caos, da desordem, da morte, da mentira, do golpe e da miséria. Quem perde o telhado ganha as estrelas. No caso de Guedes e do centrão a explosão do teto é um lote escriturado no paraíso celestial.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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