O pedido de cassação do prefeito e a situação atual de Petrópolis
Chamo atenção para a necessidade de entender como o engajamento político cidadão é urgente para resolver os problemas da cidade
No dia 31 de março do presente ano, o petropolitano foi pego de surpresa com um pedido de cassação do prefeito Rubens Bomtempo (PSB). Infelizmente este é um dia que não traz boas memórias, no âmbito político, pois remete aos 21 anos de suspensão da democracia, pela ditadura militar brasileira. O processo foi rejeitado pela Câmara de Vereadores, mas diversos questionamentos perduram. No centro do debate está a gestão do executivo frente às medidas, pós a trágica chuva de 15 de fevereiro, a ação do legislativo, os interesses da população e o cuidado com a democracia.
Trago então algumas reflexões. Para iniciar, por que algo tão impactante foi realizado somente na véspera da sessão e por meio de um rito tão aligeirado? Através das pesquisas que desenvolvo e dialogando com alguns cidadãos locais, verifiquei que o autor da peça – Eduardo do Blog (Republicanos) – movimentou suas redes sociais, na mesma semana, anunciando o que ele estaria a protagonizar. Não notei movimentos similares nos canais de outros vereadores (nem da base de apoio do governo nem na bancada de oposição).
É importante ressaltar que a democracia representativa tem um princípio fundamental que é o diálogo como subsídio das disputas de ideias políticas. Em 2016, por exemplo, as condições de discussão sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff foram preservadas. O teor político deste acontecimento é que pode e deve ser pensado e falarei disso a seguir.
No caso de Petrópolis, um aspecto foi ilustrativo sobre a consistência do pedido, quatro parlamentares de dois partidos distintos (PSD e PL) votaram de modos diferentes, o que pode caracterizar uma falta de maturação devida sobre o tema. A favor da cassação se manifestaram Hingo Hammes (DEM), Marcelo Lessa (Solidariedade), Octávio Sampaio (PSL), Gilda Beatriz (PSD) e Fred Procópio (PL). Os contrários foram Júnior Coruja (PSD), Marcelo Chitão (PL), Dudu (MDB), Ronaldo Ramos (PSB), Domingos Protetor (PSC), Júnior Paixão (DC), Gil Magno (DC), Yuri Moura (Psol) e Mauro Peralta (PRTB). O autor Eduardo do Blog não votou, em conformidade com o regimento da casa. Na votação, durante a chamada nominal, muitos parlamentares argumentaram que faltou consistência na proposta de impedimento do mandato do prefeito. Após análises que fiz da matéria, tendi a concordar com esta percepção. Os argumentos favoráveis à cassação não foram suficientes para o convencimento da maioria dos vereadores da denúncia, de que Bomtempo deveria sair do cargo por ter cometido um crime.
Voltando ao caso da presidenta Dilma, o que ocorreu depois foi pedagógico em vários sentidos, em um deles, a população brasileira está podendo notar que este é um dos eventos mais traumáticos da democracia, pois significa a supressão do voto do eleitor (fora do período de eleição) e o que há de mais precioso na democracia representativa é justamente o fato de a população poder escolher quem ela quer que assuma os postos, no executivo e no legislativo. Assim, uma suspensão de mandato fora do prazo previsto, requer amplo debate e esclarecimento, em respeito ao votante.
Outra lição é que quando este tipo de veto é vislumbrado e efetivado, principalmente com tanta polêmica e falta de densidade, os desdobramentos políticos, econômicos e sociais revelam-se duradouros. Isto ficou notório nos embates ainda vigentes e constantes entre o Congresso, o STF e a presidência da república. A democracia sai ferida e a cicatriz requer tempo e um grande esforço coletivo para sarar, também pode-se aumentar o acirramento político da sociedade. A própria vida da população não necessariamente melhora. É só pensar na crise econômica que o país ainda enfrenta desde o início dos embates, ainda final de 2014, dias após a eleição de Dilma. Na cidade serrana, uma semelhança emerge, de certa forma, pois Bomtempo tomou posse há pouquíssimos meses, após arrastada análise jurídica, depois das eleições de 2020.
Em 2016, muitos atores estiveram envolvidos, como o poder judiciário, já em Petrópolis, este ente não entrou em cena, no debate da Câmara do dia 31 de março. Faltou uma maior discussão na imprensa também, ainda mais em tempos de acirramento político nas redes sociais e falta de profundidade na apuração dos fatos.
A cidade de Petrópolis acabou de passar por um trauma elevadíssimo com as chuvas e a superação disto ainda deve demorar, pois o ser humano demanda um tempo psíquico para lidar com este tipo de caso. Faço aqui então outra reflexão; será este o melhor momento para a cassação do mandato do prefeito, justamente na hora em que os cacos estão sendo juntados e a força coletiva cooperativa é necessária?
Se há uma insatisfação latente com a gestão municipal pós-tragédia, em quê o impeachment ajudará o povo? Pensando sobre estes pontos, a Câmara demandaria um esforço das atenções, por pelo menos 90 dias para se dedicar ao trâmite da cassação. O prefeito gastaria grande parte das suas atividades ao tema também, sendo que a reivindicação da população atingida é urgente. Sem dúvidas, energias seriam dissipadas e o foco na recuperação não teria o merecido empenho.
Alguns alicerces ficam de legado. As redes sociais, por exemplo, ajudaram a difundir aquela agitada sessão e pude constatar que a audiência no canal do YouTube da TV Câmara foi grande, atingindo mais de duas mil visualizações, até hoje. Vários grupos políticos participaram da reunião, defendendo suas posições. As páginas de muitos parlamentares estão movimentadas até agora, o que demonstra que o sistema político contém espaços para a população apresentar suas demandas e cobrar a classe política. É o tipo de vigilância e participação que deve ser cotidiana e traz resultado, apesar de várias vezes o cidadão achar equivocadamente que não.
Desenvolvendo mais uma dúvida, se a cassação não resolve a questão atual da cidade, quais são as implicações que o pedido traz à tona? No debate político, o enfraquecimento de um polo, significa a vitória do outro, logo já é possível notar que alguns agentes começam a ganhar destaque, angariando os frutos da movimentação, em torno do pedido do impeachment. A população local deve ficar atenta a isto. Uma hipótese não descartada também é que o governo estadual está bastante presente e implicado com a cidade. Em ano de eleição para Deputados e Governador, as disputas em torno de palanques devem entrar na análise desta conjuntura. É necessário ter atenção para verificar se não será uma tendência, no estado do Rio de Janeiro, a tentativa de desestabilizar politicamente prefeituras que não estejam alinhadas com determinados setores. O povo não ganha com isso, pois este não é um gesto republicano. É contundente também entender o papel das redes sociais, como ambiente que gera fatos e interações de forma espetacularizada.
Fecho o conjunto de ideias apontando que a população deve ser melhor informada para que o máximo esclarecimento seja a tônica do processo. Também para haver um impeachment, a caracterização do crime deve ser evidente. Chamo novamente atenção para a necessidade de entender como o engajamento político cidadão é urgente para resolver os problemas da cidade.
A experiência democrática é rica em exemplos de que soluções aligeiradas e que não observam estas questões, agravam mais os problemas do dia a dia. O diálogo convergente entre o poder político, as diversas instituições democráticas e o cidadão é um horizonte dos mais sólidos em situações complicadas como nos dias de hoje.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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