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    Emir Sader

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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    O período histórico da Guerra Fria

    "Surgimento do campo socialista introduziu um período histórico inédito", escreve Emir Sader

    Bandeiras da Rússia e EUA (Foto: Vladimir Gerdo/Tass)

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    Os EUA saíram vitoriosos das duas guerras mundiais. Além disso, no plano econômico, enquanto os países europeus sofriam os danos dos conflitos, os EUA superavam os efeitos da crise de 1929, com os preparativos para a nova guerra, sem sequer sofrer, em seu território, os efeitos consequentes dela.

    Porém, em paralelo a esse processo de ascensão da hegemonia norte-americana no bloco ocidental, se dava a constituição do campo socialista, um bloco sob a direção da URSS. Apesar de golpeada duramente pela ofensiva militar da Alemanha, a URSS saía politicamente fortalecida da guerra, não só por sua capacidade de resistência, mas também por ter chegado primeiro a Berlim e protagonizado diretamente a derrota da Alemanha.

    A liberação dos países do leste europeu da ocupação nazista pela URSS permitiu a incorporação desses países ao sistema socialista, o que também aconteceu com a China, depois da vitória de sua revolução, expulsando os japoneses e os norte-americanos e derrotando seus aliados internos.

    O surgimento do campo socialista introduziu um período histórico inédito, porque a hegemonia mundial passou a ser compartilhada entre dois campos, sendo que um deles questionava a hegemonia capitalista no mundo. Economicamente, a superioridade dos EUA e das potências ocidentais era inquestionável. Porém, o equilíbrio que caracterizava aquele período se dava no plano militar, pela capacidade de ambas as superpotências de se destruírem mutuamente. Os EUA haviam lançado suas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki para demonstrar a seu novo grande adversário – a URSS – sua superioridade militar, que logo foi neutralizada pela obtenção de seu próprio armamento atômico.

    Pelos acordos do pós-guerra, havia áreas de influência delimitadas para os dois campos, restando algumas em disputa, como a África e regiões da Ásia, por exemplo. As duas circunstâncias de proximidade de enfrentamento direto nas duas esquinas da Guerra Fria foram Cuba e Berlim. Cuba rompeu os acordos que tinham definido a continuidade da Doutrina Monroe – América para os americanos – e os acordos sobre áreas de influência no final da Segunda Guerra Mundial, instaurando um regime socialista a 110 quilômetros dos EUA.

    A Alemanha, em particular Berlim, era, por definição, uma fronteira em disputa entre os dois campos. Pela forma que assumiu a divisão do país, seus acordos eram instáveis, permitindo que, principalmente Berlim, por sua localização, fosse objeto de disputa entre os EUA e a URSS, antes mesmo da construção do muro.

    Disputavam também duas caracterizações dos enfrentamentos que se davam no mundo: para o campo dirigido pelos EUA, a contradição fundamental era entre a democracia e o totalitarismo – havia sido derrotado o totalitarismo nazista, agora havia que derrotar o totalitarismo soviético. Já para o campo soviético, a contradição fundamental se dava entre o capitalismo e o socialismo, com o mundo tendo seu futuro no socialismo.

    O período foi, no plano econômico, o que Eric Hobsbawm caracterizou como "a era de ouro do capitalismo", o mais longo ciclo expansivo desse sistema. As locomotivas mundiais da economia – EUA, Japão, Europa –, assim como países da América Latina – Argentina, Brasil, México, entre outros – e o próprio campo socialista.

    Além da bipolaridade mundial e do ciclo longo expansivo do capitalismo, aquele período histórico tinha uma terceira característica: a hegemonia de um modelo de bem-estar social, em níveis de desenvolvimento diferentes, conforme a região do mundo, em que os direitos sociais eram reconhecidos e garantidos pelo Estado.

    Foi também um período histórico caracterizado pelo fim do colonialismo europeu, que havia sobrevivido, especialmente na África, mas também na Ásia. Além da independência da Índia e do surgimento do Paquistão, como divisão desse país, despontavam dezenas de novas nações africanas, originariamente com ideologias e lideranças nacionalistas.

    Assim, ao lado dos dois grandes blocos, liderados pelos EUA e pela URSS, surgia um campo relativamente heterogêneo, chamado de Terceiro Mundo, constituído por nações dos três continentes do Sul do planeta: América Latina e Caribe, Ásia e África. Suas características comuns eram mais dadas pela relativa distância em relação às duas grandes potências do que por traços compartilhados entre elas.

    Entre esses traços estava o fato de pertencerem ao Sul do mundo, isto é, à periferia do sistema capitalista, e de terem sido colonizados por muitos séculos, obtendo sua independência quando o sistema já estava constituído e todas as suas regiões estavam sob influência das grandes potências.

    Essa heterogeneidade fazia com que fosse um espaço de permanente disputa entre os que queriam que o movimento fosse basicamente anti-imperialista e os que pretendiam que tivesse uma postura equidistante entre os dois blocos.

    A unidade interna foi afetada por dois grandes e traumáticos acontecimentos: a guerra Irã-Iraque e a invasão soviética do Afeganistão, que o dividiu e levou ao seu declínio. Mais adiante, quando a URSS desapareceu, deixou de ter sentido a ideia de não alinhamento.

    Terminava não apenas um período histórico, mas uma fase da história mundial, muito particular porque marcada não pela hegemonia única de uma grande potência, mas pela bipolaridade mundial, pelo enfrentamento e delimitação das áreas de influência de dois campos, que se equilibravam em termos militares. E porque, pela primeira vez, um campo socialista aparecia como alternativa ao sistema capitalista.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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