O pior sistema penitenciário do Brasil e a “arte” de enxugar gelo
"Reconhecimento da governadora é mais do que bem vindo, mas atrasado em pelo menos uma década"
Em entrevista à CNN Brasil exibida no último sábado, 27 de abril, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), afirmou que o estado da federação por ela administrado desde janeiro de 2023 possui o “pior sistema penitenciário do Brasil” e que, como solução para tal quadro, pretende aumentar o número de vagas atualmente existente nas prisões estaduais.
O reconhecimento da governadora é mais do que bem vindo, mas atrasado em pelo menos uma década, desde que, no decorrer da década de 2010, acumularam-se inúmeras resoluções emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Estado brasileiro em virtude das condições inumanas do Complexo Penitenciário do Curado, no Recife. Tais inumanas condições do sistema penitenciário em Pernambuco são em parte determinadas pela mesma ordem de razões que fizeram o Brasil entrar na “era do encarceramento em massa”, no início do século XXI, e que resultaram num salto da população carcerária nacional de 232.755, em 2000, para 832.295, em 2022 – um crescimento de mais de 350%. Mas, para que um estado da federação passe a ter o “pior sistema penitenciário do Brasil”, algo a mais precisou ser feito, para além do que foi realizado nos últimos 20/25 anos em todo Brasil. E esse algo a mais tem nome, sobrenome, paternidade e ano de nascimento: a política de segurança pública lançada pelo governador Eduardo Campos, em 2007 – o Pacto pela Vida. No ano de 2015, a Human Rights Watch já colocava o dedo na ferida de uma política que “funcionou como incentivo para que a polícia promovesse mais detenções e maior encarceramento”, por intermédio do estabelecimento de “bonificações financeiras a policiais pelo alcance de metas relacionadas à apreensão de drogas e armas”. Os resultados negativos dessa política de encarceramento em massa, permeada pela cultura punitivista, são inúmeros e apontam na direção da violação dos direitos humanos da população negra, pobre, jovem e periférica de um estado que tem a metade da sua população situada abaixo da linha da pobreza. Nada indica, porém, que, com o novo plano de segurança do estado lançado pela governadora do PSDB em 2023 – o Juntos pela Segurança –, a situação do sistema prisional pernambucano venha a superar as crônicas e cotidianas violações aos direitos humanos dos presos em todas as suas unidades, não apenas no Complexo do Curado acima citado. Os veículos das polícias militar e civil já não circulam mais pelas vias públicas do estado de Pernambuco com os adesivos do Pacto pela Vida, pois já foram devidamente substituídos pelos adesivos do Juntos pela Segurança, mesmo antes que o detalhamento deste último tivesse sido apresentado em fins de 2023. No entanto, tudo leva a crer que Raquel Lyra continua presa (sem trocadilho, por favor) à conservadora e ineficaz ideia de que a solução para retirar o estado por ela governado da condição de “pior sistema penitenciário do país” encontra-se localizada no aumento do número de vagas atualmente existente nas prisões estaduais. Não, governadora. A saída para este “labirinto da punição” que é o sistema prisional não está situada na construção de mais celas, mas sim na implementação de uma política de segurança pública que possibilite a inversão das tendências de “encarceramento em massa” em vigor no Brasil, desde o início do século XXI, e em Pernambuco, desde o ano de 2007. No mais, continuará em vigor a velha “arte” de enxugar gelo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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