O povo brasileiro já está tomando cloroquina faz tempo
Políticas neoliberais foram ineficazes e agravaram a crise socioeconômica brasileira
Diariamente acordamos com algum vídeo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro ou de seus apoiadores receitando o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19, mesmo sem nenhuma comprovação científica ou aprovação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Tal irresponsabilidade levou o governo brasileiro a produzir milhões de comprimidos do medicamento por meio do laboratório do Exército (inclusive com denúncia de superfaturamento de 167% no preço dos insumos, investigada pelo Tribunal de Contas da União) e acirrou ainda mais a politização de uma crise sanitária que já ceifou mais de 200 mil vidas no Brasil.
Apesar do comportamento charlatão de Bolsonaro ser repudiado por grande parte da sociedade brasileira, vem sendo bem comum no país a adoção de políticas econômicas estilo cloroquina – que comprovadamente não funcionam como remédio para o problema anunciado.
Desde 2015, no início do segundo mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, o Brasil vem apostando em políticas neoliberais que retiram direitos, proteções sociais e oneram os mais vulneráveis e a classe média. Esse processo econômico baseado na ortodoxia liberal e radicalizado nos governos Temer e Bolsonaro nos levou aos maiores índices de desemprego da nossa história e a uma economia que já não gera confiança em quase ninguém.
De acordo com o IBGE, são hoje mais de 14 milhões de brasileiros desempregados – um novo recorde, que infelizmente deve ser batido de novo em 2021 com o fim do auxílio emergencial e do programa de proteção ao emprego, extintos no final do ano. As agências de classificação de risco Fitch e Standard & Poor’s atualmente concedem nota BB- ao Brasil, três níveis abaixo do grau de investimento. Em 2020, o dólar chegou a R$ 5,90, batendo o recorde nominal e superando a expectativa de Paulo Guedes quando a cotação passou de R$ 4,60 (“se fizer muita besteira, dólar pode ir a R$ 5”), mas não a dos brasileiros que conhecem a capacidade infinita do governo Bolsonaro de produzir besteiras.
O presidente prescrevendo cloroquina em suas lives presidenciais não fica longe de Joaquim Levy, Henrique Meirelles e Paulo Guedes apresentando propostas de arrocho salarial, retirada de direitos, cortes de investimento público e teto dos gastos em pomposas capas de revistas ou em coletivas aclamadas pelos setores financistas.
Em seis anos, o povo brasileiro viu a limitação de investimentos públicos, o desmonte da Previdência Social e a precarização da sua mais importante carta de alforria, a CLT, em nome de uma suposta geração de empregos e recuperação econômica – mas nada disso aconteceu. De 2015 a 2019 (antes da pandemia, portanto o coronavírus não é desculpa), tivemos dois anos com PIB negativo e três anos com PIBinho de pouco mais de 1%. Depois da Reforma Trabalhista, os milhões de empregos prometidos não vieram, o que cresceu foi apenas o desemprego e os trabalhos informais, sem carteira. Com a Reforma da Previdência, os trabalhadores agora precisam contribuir por 40 anos para ter direito à aposentadoria integral – exigência cruel em um cenário com precarização do mercado, desemprego e informalidade em alta e a figura esdrúxula do trabalho intermitente, instituída pela Reforma Trabalhista.
Depois da ineficácia comprovada do receituário neoliberal, insistem na mesma fórmula com a Reforma Administrativa, em discussão no Congresso Nacional. É a cloroquina econômica sendo prescrita para o povo mais uma vez. A quem interessa um estado mínimo, após um ano em que ficou tão evidente a importância de serviços públicos de qualidade como o SUS? Certamente, o povo brasileiro não merece mais esse engodo.
O Brasil precisa encontrar o caminho da retomada econômica, da geração de empregos, do desenvolvimento sustentável e da inclusão social, em primeiro lugar através de uma agenda que priorize a derrota do novo coronavírus com uma política universal de imunização. E que vá em frente com uma profunda e progressiva Reforma Tributária, um Estado que retome as grandes obras de infraestrutura que estão paradas e um governo democrático, plural e responsável, que una o nosso Brasil para construirmos uma nação verdadeiramente justa, fraterna e soberana.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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