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    Ronaldo Lima Lins

    Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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    O preço da boiada

    É como a boiada passa. Pelo andar da carruagem, logo viveremos num deserto. Cabe destacar que, nos altos escalões da República, quando se diz alguma coisa, diz-se muito. O megafone dos cargos amplia o peso das palavras. Forças armadas se organizam para defender a população contra invasões, não para cumprir desígnios de um Presidente disposto a convocá-las por distração.

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    A humanidade já viveu, no passado, o espetáculo de dirigentes mal escolhidos ou levados a seus cargos por inúmeros motivos, desencadeando crises nacionais ou internacionais de proporções graves. É um motivo pelo qual o sistema democrático terminou prevalecendo como uma forma de escolha aceitável para o trânsito no poder. 

    Troca de nomes se instituíram. Um desequilíbrio da sorte, um cochilo na hora de votar, pode provocar convulsões e colocar em risco a saúde mental e física da população. Esses constituem argumentos para que as legislações eleitorais disponham sobre o pleito e os candidatos. Cumpre errar o mínimo possível. E se erra. 

    No momento em que se discute sobre o clima em nível mundial, desta vez com a participação dos Estados Unidos, o Brasil, embora não tivesse grande coisa a apresentar, chegou com duas ou três promessas para acalmar os ânimos. Sabe-se que estamos num governo displicente em termos de preservação. Não se preocupa com as tradições culturais, nem libera recursos para o patrimônio arquitetônico, que, aos poucos, se desgasta até a ruína. Universidades como a UFRJ pegam fogo, de tempos em tempos por inadvertência, falta de recursos. Despois da destruição, mal logra se reerguer porque não tem como transformar zero recursos em medidas no sentido das reformas. Finalmente, vivemos com Ricardo Salles, um Ministro do Meio Ambiente, que privilegia os madeireiros em detrimento das florestas e povos indígenas. 

    Como ele brincou, permanece atento para deixar a boiada passar. E ela passa... Nos seus vários sentidos. Falta-nos iniciativas do Estado para impedir que, no caminho, destrua valores numa extensão avassaladora. O que abunda em liberalidade!... Assim tem ocorrido com o coronavírus. Os preços são altíssimos. Desatento para a gravidade da situação, o Presidente, num programa de TV, ameaçou governadores e prefeitos com o que chama de “meu exército”, para tirar as pessoas de suas casas e levá-las à rua, ao trabalho e a suas demais ocupações. 

    Não aceita que as medidas de segregação social obedeçam a critérios da ciência, diante de um processo de contaminação mortal, ainda não contrabalançado pela vacinação. Se as duas ou três promessas à Conferência do Clima ajudaram a acalmar os ânimos, nós, deste lado do Planeta, continuamos aflitos. O quadro da estagnação aí está. E estagnação funciona como um parasita: rouba as energias e o espírito de iniciativa. 

    É como a boiada passa. Pelo andar da carruagem, logo viveremos num deserto.  Cabe destacar que, nos altos escalões da República, quando se diz alguma coisa, diz-se muito. O megafone dos cargos amplia o peso das palavras. Forças armadas se organizam para defender a população contra invasões, não para cumprir desígnios de um Presidente disposto a convocá-las por distração. 

    E há o equilíbrio dos poderes para impedir que algo de semelhante tenha lugar. Não devemos transformar uma ameaça em algo institucional para desencadear paixões. É, talvez, mais uma boiada arrastando os cascos na terra, ansiosa por seguir. A da irresponsabilidade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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