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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O preço da guerra

    Tudo isso já poderia ter sido evitado, mas os EUA pressionaram a Ucrânia a continuar resistindo, e passaram a inundar o cenário de guerra com muitas armas

    Carros destruídos na cidade de Izium, na Ucrânia 20/09/2022 (Foto: REUTERS/Gleb Garanich)

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    Marcelo Zero

    A OCDE acaba de divulgar dados, em seu novo Economic Outlook, que ajudam a “precificar” a guerra na Ucrânia.Preço nada barato. Segundo o estudo, intitulado Paying the price of war, o “preço”, apenas em 2023, será de “ao menos” US$ 2,8 trilhões. Quase US$ 3 trilhões que serão subtraídos do PIB mundial, no próximo ano.  De 3%, neste ano, o crescimento da economia mundial se reduzirá para somente 2,2%, em 2023.

    As principais economias mundiais serão afetadas. Os EUA, por exemplo, ficarão praticamente estagnados. “Crescerão” apenas 0,5 %.

    Mas o dano maior se concentrará na Europa, cujos países aderiram às sanções draconianas contra a Rússia, a mando dos EUA. Destinadas a congelar a economia russa, seu comércio e suas finanças, tais sanções agora estão congelando os europeus. Talvez literalmente.

    Os preços dos combustíveis e da energia estão disparando a alturas estratosféricas. Muitos negócios, principalmente pequenos e médios, ameaçam fechar suas portas, pois não têm como pagar esse custo exorbitante da guerra. Consumidores comuns pensam em não usar, ou usar pouco, a calefação no inverno. Pessoas frágeis e idosos em geral correm o risco de morrer de frio ou de doenças respiratórias.

    Segundo a OCDE, a economia do Reino Unido, principal aliado dos EUA na Europa, não crescerá nada, em 2023. As economias da França e Itália permanecerão praticamente estagnadas, uma vez que crescerão apenas 0,6% e 0,4%, respectivamente.

    Já a principal economia europeia, a da Alemanha, sofrerá uma recessão de -0,7%. Uma pesquisa com 3.500 empresas, recentemente realizada pelas Câmaras de Indústria e Comércio da Alemanha (DIHK), revelou que 16% delas estavam reduzindo a produção ou descontinuando as operações comerciais, devido ao aumento dos preços da energia. 

    Outras fontes fazem previsões mais lúgubres. O Commerzbank, um dos maiores bancos de investimento da Alemanha, afirmou, em relatório de agosto, que a crise do gás poderá levar a uma "severa recessão", comparando as consequências da guerra com a crise financeira global de 2008.

    Vários outros países também pagarão um custo alto. O Brasil, por exemplo, crescerá, segundo a OCDE, somente 0,8%, em 2023.  Isso significará queda no PIB per capita. 

    Por sua vez, os pobres do mundo pagarão o custo da guerra e das sanções com a fome. A FAO já advertiu, em maio deste ano, que a guerra e as sanções deverão incrementar os preços das commodities agrícolas, que já estão em níveis muito elevados, em mais de 20%, o que aumentará o número de famintos do mundo em 800 milhões. 

    Tudo isso já poderia ter sido evitado. Em março deste ano, Rússia e Ucrânia estavam se aproximando a um acordo de paz. Contudo, os EUA pressionaram a Ucrânia a continuar resistindo, e passaram a inundar o cenário de guerra com muitas armas, inclusive com armas ofensivas, que poderiam, eventualmente, ser usadas em ações contra o território russo.

    Saliente-se, ademais, que, ao contrário do que a imprensa ocidental e brasileira divulgou, a ameaça de uso de armas nucleares não veio da Rússia. 

    Conforme a Nuclear Posture Review, divulgada, em abril de 2018, pelo Departamento de Estado, os EUA desenvolverão um grande número de armas nucleares táticas. Tais armas estariam destinadas a responder a ameaças nucleares ou “não nucleares” à segurança dos EUA ou de “seus aliados”. Assim, pela nova política, os EUA admitem explicitamente uma resposta nuclear a um ataque ou ameaça não nuclear. No texto, menciona-se um ataque cibernético aos EUA ou a aliados como uma das possíveis motivações para uma resposta nuclear tática.

    Isso é muito preocupante, (e, com certeza, assustou o Kremlin), pois se borra intencionalmente a fronteira entre guerra convencional e guerra nuclear.  Uma resposta nuclear, ainda que limitada, a um ataque convencional poderia escalar fácil e rapidamente numa guerra nuclear total, capaz de destruir o planeta várias vezes. Na realidade, essas armas nucleares táticas dos EUA devem se destinar, prioritariamente, a ofensivas em conflitos convencionais, algo antes impensável. Não haveria mais o equilíbrio e a dissuasão do “terror nuclear”.

    Não obstante, nossa mídia, por desinformação ou má-fé, divulgou a tese de havia sido Putin a ameaçar o mundo com uma “ofensiva nuclear”. Na realidade, o governo russo apenas estava respondendo, de forma defensiva, a essa e outras ameaças feitas reiteradamente pelos EUA e a Otan.

    O fato concreto é que a guerra tende a se intensificar e a se expandir, com consequências imprevisíveis.

    No contexto geopolítico da nova Guerra Fria (não tão fria assim), impulsionada pelos EUA, cuja atual doutrina de segurança nacional substituiu o combate ao terrorismo pela luta pelo poder mundial com Rússia, China e aliados como a principal ameaça aos seus interesses, a paz tem pouca chance.

    Caso nada seja feito, a tendência é que a crise se agrave substancialmente. 

    Em vez de mera redução do crescimento mundial, poderemos ter recessão internacional, como já advertiu o Commerzbank.

    Isso sem falar no custo em vidas no cenário de guerra, que não para de aumentar. 

    EUA e Otan promovem, na Ucrânia, um jogo que não é nem de soma zero. É um jogo irracional de soma negativa. Um jogo no qual todos perdem, principalmente os aliados europeus.

    Infelizmente, muitas vezes não se pode apostar na racionalidade humana. Em certos cenários de conflito e de estimuladas fobias contra adversários, predomina o desvario e o ódio incontido. 

    Desvario que pode chegar ao ponto de glamourizar a guerra em capas da Vogue. É ódio que, ao tentar destruir o adversário, ameaça aniquilar o mundo. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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