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    Francisco Dominguez

    Professor de ciência política na University of Middlesex

    19 artigos

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    O que está em jogo nas eleições no Brasil

    Devemos apoiar a luta dos brasileiros em defesa de sua democracia

    Manifestação a favor da democracia e contra Bolsonaro em São Paulo (Foto: REUTERS/Carla Carniel)

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    Por Francisco Dominguez
    Publicado originalmente no
    Tribunemag

    Após quatro anos de governo Bolonaro de direita, os brasileiros votarão por um novo presidente em 2 de outubro de 2022. O ex-presidente Lula-que atualmente se encontra em alta nas pesquisas - está enfrentando um ocupante cada vez mais delirante, que parece ter ameaçado com uma violenta ação inconstitucional caso venha a perder as eleições.

    A vitória de Bolsonaro se deu dois anos após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT, em 2016, a primeira mulher a ocupar este cargo. O PT ocupava a presidência desde 2003.

    O período 2010-2016 foi dominado pela crise de "contração do crédito" que levou o mundo à turbulência, com uma contração econômica generalizada, um enorme endividamento nas economias avançadas e uma redução considerável no consumo de matérias-primas. O Brasil foi duramente atingido. Em 2015 o PIB havia diminuído em 3%, a inflação era alta (10%) e a dívida pública subiu para 63% do PIB, tornando difícil para o governo manter suas políticas sociais de erradicação da pobreza.

    A ala direita do Brasil capitalizou a crise.O reacionário Movimento Brasil Libre (MBL)  desencadeou uma onda de protestos de rua que também se alimentou da investigação da Lava Jato sobre a corrupção na Petrobras, uma das maiores empresas petrolíferas estatais do mundo. Isto permitiu  criar uma atmosfera de instabilidade no Brasil utilizada tanto para realizar o impeachment da presidente Dilma por uma votação parlamentar baseada falsas acusações , quanto para lançar uma caça às bruxas anti-PT, para a qual a grande mídia global contribuiu de forma maciça e diária, embora a mídia brasileira ainda fosse muito pior.

    O governo interino de Michel Temer, aproveitando esta campanha intoxicante, tomou medidas para reverter as políticas sociais do PT, congelando os gastos do Estado com saúde e educação por vinte anos.

    O que o MBL começou não estaria completo sem remover Lula como candidato presidencial para 2018. O Juiz Sergio Moro foi encarregado de conduzir uma investigação buscando condenar Lula sob acusações de corrupção. Moro conseguiu isso após uma investigação de quatro anos, levando à prisão ilegal do ex-presidente por 580 dias - primeiro com uma pena de nove anos de prisão em 2017, e depois aumentada para doze anos em 2018 quando Lula apelou. Moro empregou todos os truques sujos do arsenal da lei para prender Lula, pelo qual ele contou com o total apoio da classe dirigente do Brasil e da mídia nacional e mundial.

    Fernando Haddad, o candidato presidencial do PT que substituiu Lula, teve apenas três semanas para lutar pelas  eleições presidenciais de 2018. O clima generalizado anti-PT criado após o impeachment de Dilma e a prisão de Lula permitiu aos empresários pró-Bolsonaro quebrarem  todas as normas eleitorais e pagar milhões de dólares para inundar as mídias sociais com notícias falsas retratando Haddad "como um monstro pervertido, recomendando a distribuição de mamadeiras em forma de pênis para creches” e "kits gays ensinando a homossexualidade nas escolas". Bolsonaro venceu no segundo turno com 55 por cento dos votos.

    Jair Bolsonaro é descaradamente racista, misógino e homofóbico. Ele tem insultado repetidamente as mulheres, a comunidade LGBT, e os negros e indígenas brasileiros. Ele apóia abertamente a ditadura militar de 1964-85 e dedicou seu discurso em apoio ao impeachment de Dilma ao  Coronel Ustra, que em 1970 comandava sessões de tortura. Que este tipo de discurso de ódio esteja sendo proferido pelo presidente representa um enorme revés para a democracia e para os direitos humanos no Brasil.

    Bolsonaro descreveu Covid-19 como uma "pequena gripe", aconselhou as pessoas a não usar máscaras (o que poderia causar pneumonia e morte, disse ele), e alegou que as mulheres poderiam crescer barba e as pessoas poderiam se transformar em crocodilos como resultado dos efeitos colaterais das vacinas. O Brasil registrou 34 milhões de casos e quase 700.000 mortes, um dos piores números do mundo.

    As políticas econômicas de Bolsonaro, por sua vez, viram os gastos com a saúde cair drasticamente, juntamente com os gastos com a educação. Entre 2019-21, os gastos do Estado destinados às mulheres caíram 46%. Bolsonaro desmantelou as proteções trabalhistas, congelou o salário mínimo e privatizou a companhia estatal de eletricidade, que gera 30% da energia do país, como um prelúdio à privatização da Petrobras. Mais de cem ativos energéticos estatais também foram privatizados. Sob sua responsabilidade o desmatamento da Amazônia brasileira atingiu um recorde na primeira metade de 2022 (1.500 milhas quadradas, 80% maior do que no mesmo período em 2018), e em meados de 2022 estimava-se que 32 milhões de brasileiros estavam passando fome.

    Em contraste, durante treze anos de governo do PT, trinta milhões de brasileiros foram tirados da pobreza. Em 2015, os salários reais eram 78 por cento mais altos do que a inflação acumulada desde 2002. Mais de 90 por cento dos beneficiários do programa Bolsa Família - erradicação da pobreza - eram mulheres - 68 por cento das quais negras - e o desemprego caiu para menos de seis por cento, o nível mais baixo da história. 214 escolas técnicas e 18 universidades estaduais foram criadas com educação gratuita em todos os níveis disponibilizada a milhões de estudantes, muitos dos quais receberam bolsas de estudo (51% deles eram mulheres). 10,5 milhões de pessoas de baixa renda foram colocadas em 2,6 milhões de casas através do programa de habitação, e os cuidados básicos de saúde atingiram 70% da população - um outro recorde histórico.

    A desastrosa má administração de Bolsonaro levou sua aprovação a um forte declínio (para menos de vinte por cento em novembro de 2021), agravado por ter que enfrentar uma disputa presidencial contra um Lula muito fortalecido, que foi totalmente exonerado em 2021 pela Suprema Corte de todas as acusações de corrupção. A última pesquisa Datafolha (20 de agosto de 2022) mostra Lula com 47% da intenção de voto contra 32% para Bolsonaro.

    Em resposta, Bolsonaro e seus partidários ficaram furiosos. Marcelo Arruda, um líder local do PT, foi assassinado com três tiros por um apoiador de Bolsonaro durante sua festa de 50 anos em 10 de julho. Um comício eleitoral do PT no Rio de Janeiro também foi interrompido pela explosão de uma bomba caseira. Desde então, Lula veste um colete à prova de balas.

    Bolsonaro emitiu mais de uma dúzia de decretos em favor do direito dos brasileiros de portar armas, o que levou a um boom na posse de armas. Ele disse que o sistema de votação eletrônica do Brasil não é confiável e ameaçou não reconhecer os resultados ou ceder o poder se ele perdesse, insinuando uma tempestade brasileira do "Capitol-a-la-Trump". Só se pode imaginar o que ele fará se Lula não ganhar no primeiro turno.

    O que está em jogo é muito sério:  Bolsonaro representa uma grave ameaça à democracia brasileira já agredida e machucada. Figuras proeminentes da política, dos negócios, da ciência e das artes emitiram um Manifesto do Cidadão para defender o Estado de Direito e se opor ao seu "delírio autoritário", que foi assinado por mais de um milhão e endossado por mais de 500 organismos da sociedade civil no Brasil. Associações privadas, como a Federação Brasileira de Bancos e as principais federações sindicais, emitiram uma declaração semelhante. Na Grã-Bretanha,  parlamentares assinaram uma moção especial denunciando as ameaças eleitorais de Bolsonaro e a violência política.

    Diante desta situação, devemos apoiar a luta dos brasileiros em defesa de sua democracia, que já foi prejudicada pelo impeachment de Dilma, pela prisão de Lula e pela restrição dos direitos sociais, econômicos e políticos. Devemos redobrar nossa solidariedade, nos opor e condenar os ataques de Bolsonaro.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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