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    Wadih Damous

    Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro

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    O sequestro e o banimento de Cesare Battisti

    Cesare Battisti foi forçado ilegalmente a deixar o Brasil, sequestrado na Bolívia e enviado para a Itália para cumprir uma pena de prisão perpétua, fruto de um processo carregado de questionamentos e arbitrariedades.

    O sequestro e o banimento de Cesare Battisti (Foto: Reprodução/Twitter)

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    Cesare Battisti foi forçado ilegalmente a deixar o Brasil, sequestrado na Bolívia e enviado para a Itália para cumprir uma pena de prisão perpétua, fruto de um processo carregado de questionamentos e arbitrariedades.

    O processo em que foi sentenciado à revelia em 1993 é um retrato da confusão que vigia, à época, no direito e na política Italianos. Os fatos pelos quais foi condenado se deram entre 1978 e 1979. Nesses idos, integrava a organização Proletários Armados Pelo Comunismo. Battisti foi preso em 1979 por "associação subversiva e posse de arma de fogo" e conseguiu fugir da Itália após ser condenado na Itália por esses crimes em 1981. Depois de viver exilado no México, Battisti obteve refúgio político na França de François Miterrand (1981-1995) , que acolheu ex-militantes que decidissem abandonar a luta armada.

    Em território francês, se tornou escritor de romances policiais e reconstruiu sua vida, permanecendo lá por 11 anos até ser surpreendido com a revisão do refúgio pelo presidente Jacques Chirac. Em meio a protestos de intelectuais e artistas, Battisti chegou a ser preso, mas ganhou a liberdade. Quando a ordem para extradição à Itália se tornou definitiva, Battisti foi obrigado a deixar a França em razão de ter se tornado objeto de negócio entre os governos de direita da França e da Itália.

    No período em que esteve refugiado na França, foi delatado por um ex-companheiro de organização política preso acusado de homícidio, que imputou a Battisti 4 homicídios dos quais ele nunca admitiu a prática. Na época, todos os delatores foram soltos e Battisti acabou condenado, sem direito a defesa, à prisão perpétua. Dos 4 homicídios, 2 foram cometidos no mesmo dia em locais diferentes. A justiça italiana alegou que Battisti era mentor de um e executor de outro. Foi, no entanto, o único condenado.

    O judiciário da Itália vivia momento parecido com o que se passa hoje no Brasil onde a justiça foi substituída por um lucrativo mercado de delações em que se negocia de tudo: dignidade, mentiras e dinheiro, muito dinheiro.

    Este é um breve resumo da história politica e jurídica de Cesare e foi justamente esse enredo de absurdos técnicos e acusações à revelia e farsas jurídicas, somado a ameaças concretas à sua vida por autoridades italianas que orientou a decisão do ex-presidente Lula de, assim como Miterrand, acolher o escritor e conceder-lhe
    refúgio político. A decisão soberana do presidente da República foi antes chancelada pelo Supremo Tribunal Federal. Após isso, o escritor refaz sua vida no Brasil, casa com uma brasileira e se torna pai.

    O processo político que forçou Battisti a sair do Brasil foi vexatório e indigno e será, decerto, no rol dos maiores absurdos jurídicos da nossa história. Em setembro de 2017, Temer tentou reabrir clandestinamente o caso após visita do primeiro ministro italiano durante os jogos olímpicos. Articulado com a PGR, tentou enviar Battisti para a Itália sem o respaldo do STF .

    Diante dessa tentativa ilegal e criminosa do governo Temer de expulsar o escritor para a Itália, mediante procedimento sigiloso, Battisti pleiteou e obteve liminar em 13 de outubro de 2017, em sede de habeas corpus no STF, para obstar qualquer tentativa de extradição até que a Corte proferisse julgamento definitivo.
    Ou seja, apenas o plenário da Corte poderia analisar o mérito do habeas corpus. No entanto, Bolsonaro já vinha ameaçando entregar Battisti de presente para a Itália, desconsiderando a decisão soberana do Brasil de concessão de refúgio político bem como a decisão do STF e o fato do escritor ter filho brasileiro o que, a teor do que determina o Estatuto do Estrangeiro assegurava, por si só, a permanência dele no Brasil como imigrante com visto permanente.

    A extradição negada por Lula obedece a preceitos da teoria dos direitos humanos e se torna um direito adquirido do refugiado que sob nenhum pretexto pode ser alterado, incidindo aqui, também, o princípio do não retrocesso. E mais: o art. 54 da Lei que trata do Procedimento Administrativo prevê que a administração tem um prazo de 5 anos para anular efeitos favoráveis de um ato praticado. Ou seja, como a decisão do presidente Lula data de 31.12.2010, não poderiam seus sucessores, passados 5 anos desta data, revoga-la ou alterá-la .

    No entanto, o ministro Fux que, em decisão liminar, afirmou que somente o colegiado poderia julgar o mérito do HC, deu por bem, monocraticamente, cassar os seus efeitos . Na sequência, em jogo aparentemente combinado, Temer assinou o decreto de extradição.

    O escritor foi obrigado a pedir refúgio na Bolívia e por lá aguardava a decisão soberana daquele país até o momento em que foi preso e enviado imediatamente à Itália para morrer na cadeia. A Bolívia não conseguiu assistir ao Brasil passar vergonha sozinho. Correu e apressou o passo para passar junto. Infelizmente, os dois países se mostraram ao mundo como repúblicas de bananas. O mínimo de dignidade e soberania que a Bolívia poderia ter tido era analisar o pedido de refúgio e, só depois, decidir sobre o destino de Battisti. Ao não fazê-lo, foi cúmplice na ação de sequestro do governo italiano.

    Este caso é um retrato da vileza dos tempos em que vivemos. Mais um entre tantos outros que já foram emoldurados e outros tantos que ainda o serão. Resta-nos, então, expressar a nossa indignação e continuar lutando para que um dia fatos como esse sejam devidamente evitados e que não voltem mais a acontecer.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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