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    Jose Carlos de Assis

    Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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    O show de Alok e a violência no país

    O Rio de Janeiro está rendido totalmente à criminalidade

    Show de Alok em Copacabana, Rio de Janeiro (Foto: Reprodução/Prefeitura do Rio)

    Show significa mostrar. O que o show de Alok mostrou, em lugar de arte, é que o Rio de Janeiro está rendido totalmente à criminalidade. Durante o tempo do espetáculo, previsto para duas horas, o banditismo correu solto em frente ao Copacabana Palace, o espaço glamoroso da cidade de cem anos atrás. Agora, ele testemunhou, nas areias à sua frente, uma verdadeira guerra entre bandidos e espectadores, com o resultado absolutamente espantoso de mais de 500 detenções.

    Foram centenas de assaltos, múltiplos roubos de celulares, agressões com brutal violência física, cercos de turistas e arrastões. Um destes se revelou particularmente cruel: um bando de uns vinte criminosos, semelhantes a cães raivosos, separou um turista da multidão, arrastou-o para o lado do mar e o cercou, espancando-o violentamente até quase matá-lo ali mesmo. Para quem assistiu, foi um show jamais visto de capitulação da cidade ao banditismo.

    A primeira ideia que me ocorreu, quando soube do número de presos, foi de questionar quantos outros bandidos continuaram soltos, fora do alcance dos 1.200 policiais anunciados para dar conta da segurança do evento. Sabíamos que haveria violência, pela experiência de réveillons passados em Copacabana, mas neste foi um excesso. E coloca outra questão: como será o próximo, e os que virão a seguir, dada a absoluta falta de perspectiva de solução para a insegurança crescente da cidade?

    Comecei como repórter de polícia no Rio, nos anos 70, por três meses, tempo suficiente para não me entusiasmar em continuar com esse tipo de jornalismo, no qual não via muito futuro por sua baixa cobertura pela imprensa “séria” da época. Hoje, a Tevê Globo dedica ao crime quase metade de sua programação de notícias. Não é escolha. É imposição dos fatos. São centenas de mortes mensais em confrontos de bandidos entre si e com a polícia, e dezenas de mortos inocentes por balas perdidas.

    Ou a sociedade se mobiliza no sentido de reagir a essa situação, ou seremos todos definitivamente dominados pela criminalidade. Já não é uma questão de governos federativos isoladamente: é uma questão do “governo”, em seu conjunto, pois é assim que o desafio se coloca à cidade e ao país, e é assim que o povo vê os responsáveis por combater o crime. O problema é similar ao das mudanças climáticas: ou agimos todos juntos, ou afundamos no mesmo barco!

    A imobilidade contra o crime, nos níveis como chegou em cidades como Rio e São Paulo, já tomando conta de outras metrópoles, é um caminho aberto para o fascismo. Como disse acima, o povo vê a segurança como responsabilidade “do governo”, não de algum nível de governo em particular. Se não há resposta institucional eficaz para o crime generalizado, todo o sistema governamental fica comprometido. Em algum momento as vítimas passam a culpar o regime político.

    Estamos vendo a Argentina resvalar para uma situação ingovernável, reprisando a experiência histórica de sublevações de rua de duas décadas atrás. A crise social levou à insegurança, e a insegurança está levando, de novo, ao questionamento do regime. Não há vencedores nessa batalha – ou melhor, os vencedores que existem, como sempre, são as classes dominantes, que retiram benefícios de qualquer situação, já que seus interesses pessoais prevalecem sobre os interesses comuns.

    A associação do fascismo a uma reação política degenerada contra criminalidade extrema é quase automática. Quando a insegurança chega a limites insuportáveis, a própria sociedade apela para uma ordem autoritária, dispensando os mecanismos democráticos, reconhecidos como ineficazes. É isso que tornou possíveis figuras como Mussolini e Hitler, e este é um risco que nós próprios corremos se a ordem democrática que estamos construindo não der resposta à crise de segurança.

    Por outro lado, não há como ignorar o fato de que, por trás da criminalidade, existe uma questão social não resolvida, associada ao extremismo político neoliberal das últimas quatro décadas no mundo – e levado ao paroxismo no Brasil de Temer e Bolsonaro. Foram tempos de concentração de renda, de alto desemprego, de salários baixos e índices de desenvolvimento insuficientes. Tudo isso gera degradação social, e a degradação social leva à criminalidade e à violência, difíceis de controlar.

    Não há mágica para a solução de um problema tão complexo. Como as iniciativas dos governos se distribuem entre várias prioridades, só uma forte pressão da Sociedade Civil pode levá-los a concentrar esforços e recursos na questão da segurança, que se revela absolutamente imprescindível. O primeiro passo para isso é uma tomada de consciência coletiva da sua urgência. E, para isso, certamente, serviu o show de Alok, na praia ensanguentada em frente ao Copacabana Palace.

    Para mim, a questão da segurança tornou-se pessoal. É que minha família jamais sairia do Rio, mesmo porque é todo o país que sofre os efeitos da criminalidade. Em razão disso resolvi ousar. Com economistas amigos, escrevemos as linhas mestras de um programa para enfrentar, simultaneamente, o desemprego e a criminalidade nas metrópoles. Chama-se “Programa Cidade Cidadã”. É um desafio para que todos façam o mesmo, na tentativa de buscar uma ação comum com os governos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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