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    André Del Negri

    Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

    50 artigos

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    O sigilo de 100 anos e gastos secretos em cartão

    Para Bolsonaro, só a mentira salva

    Jair Bolsonaro e cartão corporativo (Foto: Reuters | Divulgação/EBC)

    Será mesmo que o ex-presidente Jair Bolsonaro achava que conseguiria engambelar um país inteiro ao engendrar um plano de esquecimento coletivo de atos decisórios de Estado com 100 anos de sigilo (?) ou, então, imaginar que a sociedade nunca teria acesso aos valores gastos com cartão corporativo da presidência da República? Convenham: o ex-presidente, ao classificar com sigilo de 100 anos, imaginou colocar alguns assuntos numa garrafa e jogar no cano de esgoto para que jamais os conteúdos chegassem até as esferas da fiscalidade processual (abertura a todos). 

    Na cabeça dele, ficaria combinado assim: ninguém toca no “assunto” e não se mexe, por ora ou, quem sabe (?), nunca, nos assuntos classificados com 100 anos de sigilo. Inexiste histórico de tantos atos sigilosos com tal grau de sigilo de 100 anos em um único mandato eleitoral. Não custa lembrar que pesquisa inédita avaliou os 1.379 sigilos decretados pelo governo federal entre 2015 e 2022. Não só: a pesquisa descobriu que 80% deles foram impostos durante o governo Bolsonaro (ver aqui). Sim, trata-se de um índice faraônico, que apostou de maneira deliberada no vale-tudo do secretismo. E, de fato, o governo Bolsonaro se transformou num “secret space apocalypse”, melhor definição para esse tipo de razão de Estado distante da transparência, fato que precisa ser alvo de rigorosa investigação, dado que o direito fundamental da publicidade que a Constituição protege foi estupidamente ameaçado por um “criptogoverno”. 

    O que vale, aqui, com esse panorama tumultuado, é disparar o debate e dizer que o fato que subsidia esses atos decisórios classificados com grau de sigilo, no âmbito do Direito, é, pontualmente, a discricionariedade, mas qual seria o limite dela? E aí cabe outra pergunta: qual o limite da mobilidade de atuação da autoridade administrativa? (ver aqui). 

    É bom lembrar que o ex-presidente Jair Bolsonaro, em quatro anos de governo (2018-2022), impôs sigilo de 100 anos ao menos 65 vezes sobre dados de pessoas próximas, sob argumento de proteger a privacidade (aqui). É revirar do avesso sites de notícias e jornais sobre o que se escreveu acerca dos atos sigilosos e refutação aos 100 anos de sigilo, que se descobre, com alguma perplexidade, que entre os casos mais conhecidos, estão o cartão de vacinação de Bolsonaro (aqui), o tema de que ele negou acesso a dados às supostas reuniões com pastores que negociaram verbas com prefeitos em nome do Ministério da Educação (aqui) e o acesso de filhos ao Palácio do Planalto (aqui), como também a sindicância do Exército sobre o ex-ministro da saúde, o general Eduardo Pazuello (aqui). 

    O que nos incomoda, no âmbito da política e da moralidade pública, é o fato de Bolsonaro bater recorde de gastos com o cartão corporativo da presidência da República. Para rememorar: entre janeiro e agosto de 2021, a conta atingiu a marca de R$ 5,8 milhões (aqui). Todavia, agora o ex-presidente tem um insuspeitado e terrível adversário a ser batido desde já: chama-se Tribunal de Contas da União (TCU). Há, por certo, no caminho, auditores que vão avaliar os gastos que a presidência da República realizou no cartão corporativo (ver aqui). Nota rápida: a vandalização ficou à escâncara durante a campanha, quando o ex-presidente gastou ao menos R$ 697 mil com o mencionado cartão (ver aqui), mantendo a sua tropa unida em Motociatas, lanches e hotel, com a tese conspiratória sobre as urnas. 

    Para encerrar: os abundantes atos sigilosos do governo Bolsonaro têm o sinete da “razão de Estado”, expressão que abarca meios sutis de dissimulação política. Como parece evidente, haverá revisão de atos que impuseram sigilo indevido a documentos de acesso público; e assim entrarão no radar da fiscalidade processual ampla e isonômica (aberta a todos).

    Uma coisa é certa: Bolsonaro achava tudo uma pouca-vergonha e afiançava, se eleito presidente da República, acabar com “isso daí”. Para Bolsonaro, só a mentira salva!

    Referências

    BOBBIO, Norberto. Democracia e Segredo. São Paulo: Unesp, 2015.

    DEL NEGRI, André. Segredo de Estado no Brasil. Belo Horizonte: D´Plácido, 2016.

    DEL NEGRI, André. Discricionariedade e Autoritarismo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.

    ROMANO, Roberto. Razão de Estado e outros Estados da razão. São Paulo: Perspectiva, 2014,

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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