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    Diego Ricoy

    Historiador, professor e mestrando em História pela UFSJ

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    O tapa de Will Smith e o cuspe de Jean Wyllys

    Atos de rebeldia contra opressões e silenciamentos históricos, reações a discursos dominantes que impulsionam violências cotidianas contra minorias oprimidas

    Chris Rock e Will Smith (Foto: Brian Snyder/Reuters)

    Certamente você deve se lembrar do cuspe que o ex-deputado Jean Wyllys deu em Bolsonaro em 2016. Mas qual a sua relação com o tapa que o ator Will Smith deu no rosto de seu colega de profissão, Chris Rock?

    Pois bem. Comecemos pelo seguinte: esses dois casos não são tipos de violência qualquer. Não são atos que devam ser vistos como puramente bárbaros, selvagens, incivilizados. Não é o mesmo que um policial agredir o favelado, ou um marido agredir a esposa. Afinal, esses últimos são exemplos de agressões exercidas por forças de ideias dominantes produzidas por grupos também dominantes: racismo, machismo, xenofobia, aporofobia, homofobia… discursos de ódio e intolerância em geral. Já as de Wyllys e de Smith são atos de rebeldia contra opressões e silenciamentos históricos, reações a discursos dominantes que impulsionam violências cotidianas contra minorias oprimidas. São, na verdade, reações às violências simbólicas. 

    Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, grupos dominantes produzem uma cultura também dominante, composta de sistemas simbólicos que são impostos de forma arbitrária a toda a sociedade. Assim, padrões de comportamentos sociais são definidos por essa “cultura legítima”. Eles acabam se tornando quase que uma segunda pele do indivíduo, dificultando a percepção de violências por conta da naturalização de nossos comportamentos e condutas morais. É por isso que muitas vezes a dor do outro acaba sendo reduzida ao que se tornou costume chamar de “mimimi”, já que ela não é visível a olho nu. Neste sentido, sob o pretexto da defesa da liberdade de expressão, muitos grupos e indivíduos promovem agressões a minorias sociais por meio de ações que Bourdieu considera como “violências simbólicas”: a imposições de valores culturais que reproduzem opressões em forma de piadas, discursos politicamente incorretos etc. É a dominação cultural e a eficácia das ideias dominantes, portanto, que legitima essas ações violentas.

    Jean Wyllys reagiu com um cuspe no rosto de Bolsonaro devido ao seu discurso pró-impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, em que evocou a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (torturador no contexto da Ditadura Militar) para justificar seu voto. Will Smith desferiu um tapa no rosto de Chris Rock depois dele ter feito uma piada sobre o cabelo de sua esposa, Jada Smith, que sofre de alopecia - doença que promove a queda capilar. São essas as razões das agressões.

    Portanto, cabe destacar que quando alguém diz que “a violência não nos leva a lugar algum” como forma de desaprovar tais ações, o que essa pessoa faz é equiparar de modo muito equivocado os atos de Wyllys e de Smith aos de violências cotidianas. Que fique claro: não há simetria entre esses episódios. Como bem nos lembra Michel Foucault: onde há poder, há resistência, e onde se exerce o poder, se constituem também contrapoderes. Assim, não dá para dizer que Jean Wyllys e Will Smith se precipitaram em seus atos. O cuspe e o tapa foram usados como instrumentos de reação ao modus operandi da cultura dominante, que oprime cotidianamente as minorias sociais.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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