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    Roberto Bueno

    Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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    O terrorismo de Estado durante a ditadura militar: o caso Riocentro

     O propósito final da ação violenta daquele grupo era corroer e finalmente impedir o processo de "abertura lenta, gradual e irrestrita" que havia sido anunciado pelo General Ernesto Geisel como norte político para a sua administração

    O terrorismo de Estado durante a ditadura militar: o caso Riocentro

    A ditadura militar brasileira derivada do golpe de Estado de 1964 foi articulada com o alto empresariado nacional, com a grande mídia nacional e setores controlados do Poder Judiciário, logo desembocando no derramamento de sangue de cidadãos brasileiros por parte dos militares. O terrorismo de Estado foi prática dos militares apoiados pelo sistema de inteligência na tentativa de galvanizar sustentação na opinião pública. Um destes movimentos foi o célebre caso da bomba que os militares tentaram detonar no Riocentro com potencial causação de milhares de mortes. Uma vez mais é preciso recordar este fato histórico para os mais jovens, pois não podemos esquecer o que significa o governo das armas em que a liberdade é miragem, a vida sob censura o desatino diário assim como o roubo da esperança, enquanto a tortura o pesadelo que constantemente é transformado em realidade.

    Corriam os dias da distensão política, já entrado o Governo do General João Baptista Figueiredo (1979-1985) quando, na noite do dia 30 de abril de 1981, entrada a madrugada estava a ser comemorado o dia do trabalhador com um grande show musical ao qual acudiram milhares de pessoas no Riocentro, cerca de 18.000 delas, em uma ampla área destinada ao estacionamento de veículos em Jacarepaguá (RJ). Foi organizado um grande show com artistas populares da MPB como Gal Costa e Chico Buarque, Gonzaguinha e Alceu Valença. Era o cenário para uma noite de congraçamento popular, mas em que poderia haver demonstrações públicas de hostilidades ao regime militar do General Figueiredo, que também ganharia as manchetes por declarar a preferência pelo cheiro dos cavalos ao do povo.

    O atentado havia sido planejado para detonar a bomba de sorte a atingir a multidão, ou seja, tratava-se da organização pelo regime militar brasileiro da exposição à morte de milhares de pessoas para tentar viabilizar condições para angariar apoio político para um regime já decadente. O plano envolvia a detonação de bombas para logo acusar os grupos de esquerda, e ao atribuir a eles a prática de atos terroristas com o objetivo de desestabilizar o Governo, aumentar a repressão nos últimos momentos do regime. Macabro o plano, a ideia era pavimentar com sangue humano a trilha das condições políticas para instaurar clima de pânico extensível à íntegra da sociedade brasileira, o que justificaria a sequência ao processo de abertura política que mantinha profundamente insatisfeitos os militares da chamada linha-dura.

    A má manipulação da bomba levou à explosão acidental por parte do agente encarregado da operação há apenas momentos antes de levar o petardo para o seu local de detonação. A dupla de terroristas militares a mando do Estado chegou ao Riocentro às 20h58m, e pouco após, quando dava às 21h20m, e enquanto Elba Ramalho ocupava as atenções no palco, foi detonado o petardo ainda dentro do veículo Puma. A explosão vitimou instantaneamente o Sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, deixando semi-destroçado o corpo do agente do DOI, que tratava de ultimar a preparação da bomba no veículo Puma, placas OT-0279, em que estava sentado na posição de passageiro, enquanto ao volante estava o Capitão Wilson Luiz Chaves Machado, que conseguiu sair do veículo com ferimentos gravíssimos à vista nua, tendo sido Andréa Neves da Cunha, conhecida irmã de Aécio Neves, quem o socorreu primeiramente levando-o ao hospital, finalmente vindo a sobreviver.

    Nos momentos seguintes ao atentado a grande imprensa empreendeu a difícil tarefa de amenizar a responsabilidade do regime militar. Contudo, não apenas aqueles militares haviam seriam relacionados ao caso em clara preparação de ato terrorista, pois na sequência outros nomes começaram a surgir. Além daquela bomba que explodira no colo do Sargento Rosário, ainda outra explodira na casa de força, mas que, por mau cálculo, não teve carga suficiente para afetar a iluminação do Riocentro e obstar as condições de continuidade do show, que correu sem que o público tivesse notícia do sucedido, até que o cantor Gonzaguinha informou o fato, referindo que antidemocratas haviam jogado bombas para amedrontar o público. Começavam dias bastante difíceis para o regime militar.

    Mesmo com todas as evidências e provas o Coronel Job Lorena de Sant'Anna entregou relatório cujo eixo era manter a versão do DOI-CODI, que excluía a culpa dos militares envolvidos na ação, optando pela versão de que o Sargento Rosário e o Capitão Machado teriam sido vítimas de subversivos. O caso seria reaberto apenas em 1999, nada menos do que 18 anos após, pela Procuradora da República Gilda Berer, e um novo IPM (Inquérito Policial Militar) foi aberto sob a presidência do General Sérgio Conforto, que desta vez foi concludente pela responsabilização do falecido Sargento Rosário, do Capitão Machado assim como de Newton Cruz, então Chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações, criado pela lei nº 4.341 em 13 de junho de 1964), e também do conhecido Freddie Perdigão, então Chefe da Agência do SNI no Rio de Janeiro, envolvido em diversos casos nebulosos durante a ditadura militar, além de ter sido identificado por muitas vítimas e companheiros como um bárbaro torturador atuante nos porões da ditadura sob codinomes como "dr. Nabig" ou "dr. Pereira", a quem foram atribuído diversos crimes.

    A todas luzes tratou-se de um ato terrorista planejado nos gabinetes militares e das autoridades da área de segurança do Estado, e uma série de evidências se somavam para sustentar esta hipótese, depois plenamente confirmada. Os indícios e provas se somavam, posto que o veículo Puma tinha placas falsas, dentro do qual havia outra bomba (que não explodiu), ademais de granadas, algo inexplicável para quem comparece a um show musical com grande afluxo de pessoas. Além disto havia a informação casualmente registrada por garçons durante o dia em um restaurante que suspeitaram da reunião de um grupo de homens armados lendo um mapa. Chamada a polícia ao local, foram identificados como agentes do DOI e militares do CIEX (Centro de Informações do Exército). Havia planejamento e método. Entre as providências para a boa execução do plano, o chefe da segurança do Riocentro tinha sido substituído precisamente naquele dia, assim como o policiamento tinha sido conveniente desativado, algo inexplicável justo em noite em que era esperada uma grande aglomeração humana que demanda aumento de policiamento e não o seu cancelamento.

    O caso Riocentro foi típico do terrorismo de Estado, planejado pelos militares da conhecida linha-dura do regime da qual o atual Presidente do Brasil e o seu grupo fardado mais próximo é saudosista. O propósito final da ação violenta daquele grupo era corroer e finalmente impedir o processo de "abertura lenta, gradual e irrestrita" que havia sido anunciado pelo General Ernesto Geisel como norte político para a sua administração, embora pronto seria notável tratar-se apenas de estratégia política para assegurar as bases autoritárias do regime sem que a ala radical ganhasse mais espaços no poder. A contenção da evolução autoritária impunha cuidado com o terrorismo de Estado, e o caso Riocentro foi a gota d´água que limitou as ações terroristas da ditadura militar, pois em face da configuração da opinião pública, qualquer outro movimento identificável de violência terrorista dos militares teria sido fatal e certamente abreviado o regime.

    Era assim neutralizada uma das armas mais sujas do poder ditatorial militar para a disputa política, ou seja, o Estado dispor de seus órgãos para assassinar os seus cidadãos. O terrorismo de Estado é objeto de primeiro combate, pois se quando segmentos sociais reagem contra o Estado é possível duvidar de suas legítimas motivações, no mesmo não ocorre quando o Estado é que organiza o massacre dos cidadãos. É este modelo de Estado, terrorista e torturador, que Bolsonaro e o seu séquito de militares pretendem comemorar neste fatídico dia 31 de março de 2019, embora as proibições judiciais tenham sido prolatadas, as quais, sem embargo, costumam ter eficácia apenas em regimes democráticos. A dança sombria e funesta à beira do abismo não deu ainda seu passo conclusivo e, enquanto o ébrio dançarino não é contido, resolve ele arriscar seu derradeiro passo tentando um duplo twistcarpado.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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