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Ádamo Antonioni

Jornalista e professor de Filosofia. Doutor em Educação e mestre em Comunicação. Autor do livro “Odeio, logo, compartilho: o discurso de ódio nas redes sociais e na política.

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O tigrinho e o porco: uma reflexão sobre as bets no Brasil

As apostas esportivas online criaram um mercado bilionário no país às custas do endividamento dos brasileiros

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Um levantamento realizado pela Educa Insights revelou que 35% dos brasileiros interessados em cursar uma graduação neste ano adiaram os planos devido aos gastos com apostas online, o chamado “jogo do tigrinho”. Com a promessa de ganhos rápidos, as apostas tornaram-se uma alternativa atraente para muitos jovens. No entanto, a longo prazo, este ciclo vicioso de abandono escolar e dependência financeira tende a criar uma força de trabalho menos qualificada, além de aumentar a desigualdade social.

As “bets” foram liberadas no Brasil em 2018 sem qualquer regulamentação. As empresas de apostas passaram a investir pesadamente em publicidade nos canais de TV e redes sociais, contratando influenciadores, artistas e atletas para divulgarem os jogos online, com a promessa de dinheiro fácil. As apostas esportivas online criaram um mercado bilionário no país às custas do endividamento dos brasileiros e gerando problemas de saúde mental em muitas famílias.

O teórico José Marques de Melo já dizia lá nos anos 1970 que a natureza lúdica dos brasileiros é uma das mais significativas da nossa identidade cultural. O brasileiro é Homo ludens, argumenta Melo, porque levamos a sério aquilo com que nos divertimos e fazemos brincadeira com coisa séria. Assim, levamos muito a sério atividades como carnaval, futebol e jogo do bicho. Este último, nesta Era Digital, ganhou novos contornos tecnológicos, invadindo as telas dos smartphones e tornando-se num tigre esfaimado por dinheiro.

Num país em que a concentração de renda é um escândalo, tendo em vista que os 10% mais ricos concentram 51% da renda total do Brasil, o que sobra aos outros 90% é a ludicidade, é a fantasia, é o sonho. Também podemos resumir na pergunta capciosa daquele apresentador de um programa tosco nos domingos: Quem Quer Ser Um Milionário? E alguém dirá que não?

É neste ponto que o Homo ludens encontra-se com o Homo aeconomicus. É da união destes dois elementos que faz explodir os jogos de apostas online no Brasil, porque um explora o imaginário através da diversão, o outro pega pelo bolso, nutrindo a esperança do sucesso financeiro.

O Homo aeconomicus, nas sociedades neoliberais como a nossa, adota como princípio universal a concorrência ampla e generalizada, em que todos estão competindo contra todos, não há espaço para cooperação e solidariedade, é uma selva em que sobrevive o mais forte. E todas as dimensões da sociedade passam a ser interpretadas como uma empresa. A escola é uma empresa. A Igreja, uma empresa. A administração pública, empresa. Até mesmo nossa própria subjetividade é vista como uma empresa. Somos os “empreendedores de nós mesmos”. Esta análise foi desenvolvida pelo filósofo francês Michel Foucault lá nos anos 1970.

Muito se tem falado sobre educação financeira como forma de conscientização. Porém, se o conteúdo estiver enraizado numa lógica neoliberal, voltada à competição generalizada do “todos contra todos”, não resolve o problema, só o agrava. Como pensar numa educação financeira que ofereça uma alternativa ao modelo neoliberal e que esteja comprometida com uma sociedade verdadeiramente justa e democrática? Uma Educação que não aborde nossos problemas estruturais, como desigualdade, concentração de renda, autoritarismo, não é educação, é só papo vazio de coach.

Como diria Marx, que tanto influenciou o século passado com suas ideias, estamos tentando fazer a história, mas apenas sob as condições que nos são dadas. E neste século XXI, diante das atuais condições que nos são dadas pelo neoliberalismo, esta nova fase do sistema capitalista, parece que apenas assistimos a história sendo contada, enquanto somos tomados por um sentimento de cansaço, desilusão e desesperança.

Assim seguimos em busca de respostas num cenário cada vez mais caótico à medida que novas perguntas vão surgindo. O que fazer? Talvez desempoeirar teorias, atualizar conceitos, aproximar autores como Marx e Foucault. Seja como for, o certo é que não há como enfrentar o tigrinho sem antes limpar definitivamente a sujeira deixada pelo porco capitalista.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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