O uso político do episódio Ramona será inevitável
Mas traz também revelações sobre o belo trabalho dos médicos cubanos em mais de 70 paises
O assunto da doutora Ramona (ela é médica, por favor, não vejam qualquer ilação nas aspas quando tratei do assunto em texto anterior) parece ter uma dimensão maior do que uma simples deserção individual.
Temia-se, de início, um efeito dominó, com outros abandonos por parte dos médicos cubanos.
Não aconteceu, pelo menos por enquanto. A Rede Globo, através do repórter Gerson Camarotti, lembrou que, recentemente, na Venezuela, um programa similar teve 80 baixas.
O governo passou a admitir esse tipo de risco quando Ramona, espertamente, solicitou o status de refugiada.
E baseando-se no salário que recebem os médicos não cubanos do programa "Mais Médicos", requereu, de acordo com a legislação brasileira, a equiparação com esses profissionais, o que lhe daria algo em torno de R$ 36 mil de diferença pelo tempo que esteve no programa.
Outro risco - e esse parece que é o que preocupa mais o governo, é a constatação, por parte do próprio Ministério do Trabalho, de uma irregularidade na forma com que foi criado o programa.
Pessoas residentes e trabalhando no Brasil teriam de receber seus salários integralmente aqui e não num país estrangeiro.
Preocupa porque inviabilizaria todo o "Mais Médicos", programa utilizado simultaneamente como vitrine para catapultar as candidaturas da senhora presidente e do ex-ministro Padilha em São Paulo.
Não está em questão a competência e/ou dedicação dos profissionais vindos da ilha.
Como eu registrei com uma história pessoal, com suspeita de ter adquirido malária, fui muito bem atendido, anos atrás, por um médico cubano em Boa Vista, capital de Roraima. Isso apesar da precariedade das instalações hospitalares.
Foi nessa ocasião que fiquei sabendo da possibilidade de se "importar" médicos de Cuba. E que muito antes da criação do "Mais Médicos" outros Estados brasileiros já teriam feito convênios semelhantes.
O episódio detonado pela doutora Romana serviu no entanto também para esclarecimentos valiosos, como o do médico cubano Alejandro Santiago Benitez Marín, que informou via G1 existirem hoje médicos formados em Cuba espalhados em mais de 70 países.
O motivo é óbvio: a excelência da formação médica cubana, celebrada internacionalmente, e o eficiente atendimento na ilha.
Segundo Marin, que está há três anos no Brasil, o que mais o impressionou aqui foram as deficiências estruturais, as filas do SUS, onde um paciente leva três meses para exames como uma ultrassonografia ou ressonância.
Em Cuba, esses exames costumam ser feitos logo nas primeiras consultas e ajudam no diagnóstico.
Doutor Marin, que se desligou de qualquer convênio há tempos, sabe da preferência dos formandos em medicina por consultórios com ar condicionado no Rio ou em São Paulo.
Essa questão, do médico pensar em primeiro lugar no seu próprio conforto, não é privilégio nosso. Em todos os países de cultura e hábitos ultra-capitalistas é a mesma coisa.
Também a criação de verdadeiros conglomerados médico-financeiros é decorrente desse tipo de regime. É a exploração do médico pelo médico.
Marin acha absurda a campanha do Conselho Federal de Medicina, que tentou e ainda tenta desqualificar os médicos cubanos, comparando-os a curandeiros ou feiticeiros. "Existem médicos cubanos bons e ruins, assim como existem médicos brasileiros bons e ruins".
E acrescenta: "Não temos culpa se o Brasil não cuidou direito da área de saúde e precisa agora trazer médicos de fora".
Ele não tem dúvidas que tanto o governo como a oposição tentarão tirar proveito do gesto da doutora Ramona.
Apenas não concorda com a forma como o governo quer pagar, repassando o dinheiro para Cuba e Cuba decidir quanto o médico vai receber.
Como vocês definiriam o Doutor Marin: um neo-liberal escrachado ou um canalha fascistoide?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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