O voto cristão
"Jesus praticou a opção pelos pobres, rejeitou as discriminações e alertou que não se podia amar a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo", escreve Chico Alencar
O site da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) publicou artigo, não assinado, que afirma ser "incompatível" professar a fé cristã e votar na esquerda. Gerou controvérsia.
A cúpula da IURD, que já apoiou Lula e Dilma, agora está fechada com Bolsonaro. O texto é pesado e panfletário, culpa a esquerda pelo "caos", pela "destruição da rede familiar", fala em "estratégia maléfica para angariar votos" e menciona suposta "atuação da esquerda a favor dos conflitos" como coisa "do diabo".
Essa posição dos chefes da IURD é contestada até na sua base - pesquisa recente do Datafolha coloca Lula com 34% da intenção de votos entre evangélicos, contra 33% de Bolsonaro.
Diversas denominações cristãs, tradicionais e mesmo neopentecostais, têm visão bem diferente. O princípio fundante do cristianismo é "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo". Ora, o capitalismo é o sistema das coisas e do apego e acúmulo material. A competição, não a cooperação, é seu dínamo. A desigualdade social é anticristã. A base histórica do pensamento de esquerda é a igualdade entre todos os seres humanos.
Jesus Cristo praticou a opção preferencial pelos pobres, rejeitou todas as discriminações e alertou que não se podia amar a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo. Nem transformar templo em "covil de ladrões" (templo do qual expulsou os mercadores da fé).
Documentos da Igreja Católica e de outras denominações reiteram que a maior dimensão da caridade é a política. E que a fé deve não fundar partidos, mas inspirar a atuação cidadã e o voto consciente.
Orienta-se o voto em quem se pauta pela ética pública e tem em seu programa o cuidado ambiental (o sistema vigente é predador!), a luta contra as injustiças, os privilégios, os preconceitos, o sistema que reproduz a miséria, a fome, a indiferença.
A fé cristã inspirou figuras progressistas, de bem com a vida e com o mundo, como o bispo anglicano Desmond Tutu, a missionária Dorothy Stang, o pastor batista Luther King, madres Maurina e irmã Dulce (Santa Dulce dos Pobres), o espírita Léon Denis, os católicos Helder Câmara, Paulo Arns e Pedro Casaldáliga. E, sobretudo, milhares de anônimas e anônimos que pautaram sua vida pela dedicação às lutas dos oprimidos, com grandiosa sensibilidade social.
Que também nunca faltou a inúmeros adeptos de religiões de matriz africana, muçulmanos, judeus e budistas, militantes e eleitores da esquerda.
A direção da IURD devia abrir seus poderosos espaços de comunicação para a resposta aos ataques genéricos e superficiais que fez à esquerda, para os que pensam diferente da posição estreita que externou. Seria um gesto de fidelidade à democracia e ao ecumenismo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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