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    Jean Goldenbaum

    Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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    O voto judaico nos EUA, a quebra de estereótipos e – como sempre – o conflito Israel-Palestina

    Quantas vezes escutei por aí ou li na internet falarem que são os judeus, ou os sionistas (como se este termo significasse alguma coisa fora de um contexto), que colocaram e sustentaram Trump no poder?

    Hoje completa-se uma semana desde as eleições estadunidenses e três dias desde que soubemos derradeiramente os seus resultados. E ainda estou celebrando a chegada desse momento que esperei diariamente por quatro anos. Nos últimos dias foram muitas lives, postagens e discussões, nas quais defendi meu argumento contra a turma do “Trump e Biden é tudo igual”. Não, obviamente não é. Biden é um político padrão, que defende os seus interesse e os do seu país, uma pessoa decente e que aceita jogar o jogo político no tabuleiro de xadrez ao qual este cabe. Trump é o oposto de tudo isto e foi o líder mais perigoso do planeta desde Hitler. Simples assim. Assimilado e reconhecido como o indiscutível líder mundial do Neonazifascismo, o “projeto de Führer” estava prestes a remodelar a Ordem Mundial, substituindo a Verdade pela Mentira, a Democracia pelo Autoritarismo, a Ciência pelo Negacionismo, e a Tolerância pelas Armas, tudo isso em um distópico cenário de supremacia branca cristã heteronormativa.

    Desde 2016, nós da esquerda basicamente só sofremos derrotas. A queda de Trump é somente a nossa terceira vitória desde então, se unindo à soltura de Lula em novembro de 2019 e à reversão do Golpe da Extrema-direita na Bolívia em outubro de 2020. Portanto devemos sim comemorar. E muito. Quanto a Biden, a partir do momento em que assumir a presidência em 20 de janeiro de 2021, estaremos atentos e seremos oposição sempre que necessário, como perenemente fazemos frente ao Imperialismo dos EUA.

    Mas vamos ao tema deste artigo. Quantas vezes escutei por aí ou li na internet falarem que são os judeus, ou os sionistas (como se este termo significasse alguma coisa fora de um contexto), que colocaram e sustentaram Trump no poder? Incontáveis vezes. Sempre contra-argumentei me utilizando da arma que qualquer pessoa comprometida com a realidade e com a verdade porta: fatos. E os fatos são que os judeus estadunidenses são fundamentalmente democratas, ou seja, inimigos de Trump. Os números não mentem. Em todas as eleições – realmente sem exceção – desde que o voto judaico é computado (a partir de 1916), os judeus sempre votaram a favor dos liberais e contra os conservadores. Em algumas ocasiões, inclusive, a comunidade judaica optou em peso por candidatos de um terceiro partido ainda mais à Esquerda, como é o caso de Eugene Debs (1920), do Partido Socialista da América; de Robert La Follette (1924) e Henry Wallace (1948), ambos do Partido Progressista (todos os dados disponíveis na Jewish Virtual Library).

    Em 2016 os números foram o seguinte: 71% dos judeus votaram em Hillary Clinton, enquanto 24% optaram por Trump (além de 5% que votaram em outros candidatos ou não quiseram responder). Pois bem, após quatro anos da pior presidência da história, em 2020 a comunidade judaica ampliou sua diferença entre azuis e vermelhos, votando em 77% para Biden e somente 21% para Trump (segundo estudo do instituto GBAO Strategies, realizado em 4 de novembro). Ou seja, somente um em cinco judeus se mostrou trumpista.

    E realmente, em uma eleição cujos resultados foram tão “apertados”, o voto judaico de fato contribuiu para com a queda de Trump. Os números de judeus no país variam entre 7 e 10 milhões, dependendo dos parâmetros dos estudos. Sim, em números absolutos há mais judeus nos EUA do que em Israel. Inclusive, dos dez estados com maior porcentagem judaica na população, em nove venceram os democratas (perdendo somente na Flórida).

    Mas e as políticas de Trump pró-Israel? Bem, a questão é simples: Trump acreditou que suas políticas de extrema-direita que beneficiam os nefastos planos do também ultradireitista Netanyahu, fariam com que os judeus estadunidenses caíssem de amores por ele. O que ele não compreendeu desde o início e continua a não compreender é o seguinte: os judeus progressistas – grupo no qual me incluo – de fato se importam dia e noite com Israel, mas se importam também dia e noite com os palestinos, com os Direitos Humanos, com a Democracia e com a Justiça Social. Os judeus que apoiam e aplaudem políticas fascistas são os judeus fascistas, que no caso dos EUA comprovadamente se mostraram mais uma vez absoluta minoria.

    E nós continuaremos a lutar pela causa palestina, que ao nosso modo de ver não somente não contradiz a causa israelense, mas – muito pelo contrário – se abraça a ela. Uma Israel segura, livre, independente e soberana depende de uma Palestina segura, livre, independente e soberana. E o verdadeiro compreendedor da Ética Judaica sabe que nunca foi e nunca será admissível termos um Estado que oprime outro povo.

    E antes que algum leitor bravo e desavisado regurgite a palavra Sionismo sem conhecer um centésimo de seu significado, já deixo claro: ao longo dos tempos houve diferentes significados para este termo. E em nossa contemporaneidade há também diversas acepções ao seu redor, fazendo com que isoladamente ele não signifique nada. Para mim, enquanto sionista de Esquerda, Israel deve possuir pleno e integral direito de existir soberanamente, da mesma forma que possui plenos e integrais deveres de conduta ética para com povos não-judaicos que habitam o país ou que se avizinham a ele. E a fundação de um Estado Palestino, que já tarda 72 anos, não pode esperar mais. E assim que fundado, terá os mesmos direitos e deveres que Israel e que qualquer outro país no mundo tem.

    E por que isso não se concretiza? Simples: forças autoritárias – de ambos os lados, judeus e palestinos – que desejam manter o status quo da maneira que está, simplesmente pois lhes é interessante dos pontos de vista econômico e do mantenimento do poder político. E é claro, não somente os protagonistas judeus e palestinos possuem culpa nesta história, mas também diversos outros países do mundo e do próprio Oriente Médio, que possuem responsabilidade histórica pela verdadeira “bagunça” que criaram ao longo de séculos na região, através de seus impérios, mandatos, guerras e imposições.

    Enfim, após um reinado tão longo e destrutivo política- e ideologicamente de Netanyahu, sinceramente sou pessimista com relação à possibilidade de vermos uma solução vinda unicamente dos judeus israelenses. Minha esperança é que, em algum momento, os judeus da diáspora – aqueles que não vivem em Israel – possam ser a grande chave para o acordo que nós judeus progressistas e nossos amigos palestinos esperamos desde que nascemos. A comunidade judaica estadunidense pode ajudar. A alemã também, afinal é da mesma forma progressista. Já a brasileira, rachada em dois, em inevitável espírito de pura inimizade entre bolsonaristas e anti-Bolsonaro, pode contar com a metade que se propõe a positividades.

    E quanto a Biden e Kamala, faço meu pedido público: tragam a Paz à mesa de discussão em Israel e na Palestina. Mediem, colaborem, joguem a favor das duas partes – ou seja, façam o oposto do que Trump sempre fez. Tomem o exemplo de Lula e Celso Amorim e visitem Israel e Palestina diversas vezes. Nós estaremos com vocês, colaborando para que assim como vocês exemplarmente enviaram seu ex-presidente de volta ao covil fascista de onde ele nunca deveria ter saído, possamos também nos livrar de Netanyahu e de todos os seus lúgubres aliados, incluindo o cidadão que hoje preside o Brasil.

    Termino com as iluminadas palavras de Marek Edelman (1919-2009), último líder sobrevivente do Levante do Gueto de Varsóvia de 1943, que ilustram grande parte de minha identidade não somente étnica, mas, sobretudo, humana: “Ser judeu significa estar sempre ao lado do oprimido. Nunca do opressor.”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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