Oito mulheres assassinadas e um presidente tripudiando sobre o corpo delas
"No poder, Bolsonaro não assinou medida alguma contra o feminicídio. Ao contrário, sempre que pode o presidente cria regras para facilitar o acesso às armas e munições –, e segue disseminando raiva, incentivando o esfolamento de quem oferece resistência", escreve a jornalista Patrícia Zaidan
O presidente da República tem orgasmos diante do sofrimento das mulheres. É um chefe da Nação que todos os dias insufla crimes contra elas, libera armas e munições para matá-las, faz piadas torpes com o uso e o abuso dos corpos que ele considera fracos. Sua sanha sangrenta passa sempre pelos corpos. Há um certo fascínio pelas dores provocadas na carne das mulheres.
Seu mais recente ataque foi ao corpo da presidenta DILMA ROUSSEFF, a quem ironizou, tentando dar tom de farsa à tortura que ela sofreu aos 22 anos, durante prisão num dos porões da ditadura militar nos anos 1970. Sua fala asquerosa: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o Raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o Raio-X”. Evidentemente, Dilma respondeu à altura.
Debate de ideias com adversários nunca foi o forte de Bolsonaro. A palavra carregada de sentido, para ele, é a chula, a bruta, é o escárnio, o insulto a misoginia. Quando deputado, afrontou MARIA DO ROSÁRIO (PT) dizendo que não a estuprava porque a parlamentar não merecia – ele a considerava feia. Expediente semelhante adotou contra a jornalista PATRÍCIA CAMPOS MELLO, que denunciou disparos de fake news que o elegeram. “Ela queria dar seu furo”, disse o ogro, adotando o jargão jornalístico para notícia exclusiva – o que para a claque de Jair Messias tem contornos de orgia anal.
O Brasil de Bolsonaro é muito hostil com as suas mulheres. E nunca foi tão cruelmente permissivo com a matança delas. Neste momento, a deputada federal TALÍRIA PETRONE (Psol) vive em algum lugar incerto. Exatamente para não morrer, migra permanentemente de endereço com seu bebê a tiracolo. “Merece uma 9mm na nuca” é o mínimo que ouve desde o mandato de vereadora em Niterói (RJ), quando incomodava a milícia. A mesma milícia incensada e protegida pelo clã do presidente. Sob escolta da Polícia Legislativa, Talíria pediu proteção internacional à ONU denunciando o governo federal e o de seu estado por nada fazerem para poupar sua vida.
Bozo não se interessa por uma vida negra, por uma vida de mulher, e faz escola entre os bobos da corte que riem com ele. Bibo Nunes (PSL), parlamentar bolsonarista, acusou as deputadas de oposição de promover o vitimismo na Câmara dos Deputados. “Quando eu falar 'deputérica', estarei me dirigindo a uma deputada histérica” disse. Na mesma tentativa de desqualificar a mulher na política, e com a certeza de impunidade, o deputado Fernando Cury (Cidadania), também apoiador de Bolsonaro, passou a mão no seio da deputada ISA PENNA (Psol) em plena sessão da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Comportamentos racistas, LGBTfóbicos preconceituosos e de aversão à mulher, como os protagonizados pelo presidente da República, estão na gênese da matança. No poder, Bolsonaro não assinou medida alguma contra o feminicídio – só no primeiro semestre deste ano ocorreram 648 casos, as principais vítimas são as negras. Ao contrário, sempre que pode o presidente cria regras para facilitar o acesso às armas e munições –, e segue disseminando raiva, incentivando o esfolamento de quem oferece resistência.
Bolsonaro é a licença para a cafajestagem. A licença para matar.
Às atrevidas da nação, bala.
Às que se recusam a permanecer casadas, faca.
Às que denunciam o homem, açoite.
Àquelas que desejam o poder, então, estas têm que morrer pela raiz.
Não foi o recado dado a CAROL DARTORA (PT), primeira negra a ter a petulância de se eleger vereadora em Curitiba? Não foram ameaçadas várias mulheres negras vitoriosas nas últimas eleições municipais? Sentem-se “marcadas para morrer” SUÉLLEN ROSIM (Patriota), prefeita de Bauru (SP), ANA LÚCIA MARTINS (PT), vereadora em Joinville (SC) e RENATA SOUZA (Psol), deputada estadual que disputou a Prefeitura do Rio de Janeiro. Elas botaram a boca no mundo, registraram queixa na polícia, avisaram a imprensa e a sociedade. Se morreram como MARIELLE FRANCO será mas uma trama do Estado. O feminismo vai cuidar delas. Vigiará para que não toquem em um só fio de cabelo das representantes das mulheres no poder.
Este é um Estado que descuida sempre. E deixou que OITO homens ASSASSINASSEM suas mulheres e ex-companheiras em menos de uma semana. Elas ganharam a morte de presente neste Natal. Todas, de alguma maneira (ou de várias maneiras) haviam tentado impedir o derramamento de sangue dentro de casa, mas não conseguiram deter seu matador – em geral um homem abjeto que tem se sentido cada vez mais encorajado à macheza, a não levar desaforo de mulher. Salve Bozo, fazendo seguidores!
As OITO VÍTIMAS de casos de feminicídio ocorridos no período das festas, entre 24 e 29 de dezembro, eram mulheres que bancavam suas decisões, suas escolhas e a vida longe da brutalidade, do controle do ciúme – que elas não queriam mais. Vão fazer muita falta para os filhos, a família e a sociedade.
- VIVIANE VIEIRA DO AMARAL ARRONENZI, 45 anos, foi assassinada a facadas na frente das três filhas, na Barra da Tijuca. Era véspera de Natal. O autor da barbárie é o ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronenzi, que foi preso.
- THALIA FERRAZ, 23 anos, foi liquidada pelo ex diante de seus familiares, em Jaraguá do Sul (SC), na noite de Natal. O bruto enviou uma mensagem para a vítima, um dia antes do crime, com a pergunta: “Gosta de surpresa?”. Ele deixou duas crianças, de 3 e 6 anos, sem a mãe.
- EVELAINE APARECIDA RICARDO, 29 anos, tomou tiros na cabeça, dados pelo namorado durante a ceia. O assassinato ocorreu em Campo Largo, cidade da região metropolitana de Curitiba. O crime recai sobre Alexandre Rodrigo do Nascimento, que fugiu.
- ANNA PAULA PORFÍRIO DOS SANTOS, 45 anos, morreu em Recife com duas balas, uma no rosto e uma no peito, logo após o jantar de Natal. O autor dos disparos criminosos foi o próprio marido, Ademir Tavares de Oliveira, sargento reformado da PM. Exímio atirador. Foi autuado em flagrante por feminicídio.
- ALINE ARNS, 38 anos, virou alvo mortal do ex-companheiro, que, depois de pôr fim à vida dela, se matou. O crime ocorreu dia 25, na cidade de Forquilhinha (SC). Aline era mãe de uma adolescente de 17 anos.
- LONI PRIEBE DE ALMEIDA, 74 anos, teve seus cabelos brancos irremediavelmente tingidos de vermelho. O disparo contra sua cabeça é de autoria de Laudelino Almeida, 74 anos. Ex-marido de Loni, dirigiu-se à casa dela para insistir em reatar o casamento. Depois de aniquilá-la, matou-se. Socorrida em estado grave, ela deu seu último suspiro na noite do dia seguinte, 25 de dezembro. O crime ocorreu em Ibarama (RS).
- CAMILA MIRANDA BANDEIRA, 32 anos, recebeu várias facadas na madrugada de domingo (27/12), em Três Corações (MG). O matador foi preso. As quatro filhas do casal, entre 6 e 11 anos, assistiram ao crime bárbaro. Depois de cortar os cabelos de Camila com a faca, o agressor atingiu seu rosto com socos e pontapés, como descreveram as crianças à polícia. A discussão começou quando o autor, desconfiando que a mulher o traía, arrancou seu celular. Em maio, ela já havia denunciado as recorrentes ameaças e agressões, mas não pediu medida protetiva.
- ROBERTA PEDRO DE OLIVEIRA, 26 anos caiu sem vida depois de vários golpes de faca, dia 29 de dezembro. O casal teve uma discussão na véspera. Para não morrer, Roberta saiu de casa, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Ela não suportava mais os ataques de ciúme de Paulo Soares, o marido. Ao voltar para buscar seus pertences, acabou mortalmente ferida. Sua irmã tentou segurar o criminoso e ficou ferida também.
No Brasil bolsonarista, os brucutus estão muito à vontade, porque também juízes – que representam, no imaginário popular o topo da lei – têm deixado de cumprir seus papéis. Um deles é o magistrado Rodrigo de Azevedo Costa, que recebe salário de 32 mil reais para dizer no tribunal que não está “nem aí para a Lei Maria da Penha”, para gritar com mulheres e humilhá-las nas audiências que realiza na Vara de Família da Nossa Senhora do Ó, em São Paulo.
Outro juiz merecedor de nota é Rudson Marcos. Ele não impediu o linchamento moral de MARI FERRER, vítima de estupro, durante a sessão conduzida por ele em Florianópolis, na qual era julgado o agressor André de Camargo Aranha, um empresário metido a playboy. Mari foi esculachada pelo defensor de Aranha, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que a transformou em ré. De forma sádica, ele apresentou fotos dela, e as classificou como "ginecológicas". Disse que "jamais teria uma filha" do "nível de Mariana", mulher que fazia um "showzinho" no julgamento, porque seu "ganha pão era a desgraça dos outros". A guilhotina ia descendo sobre o pescoço da vítima, que pedia proteção e respeito ao juiz – e Rudson apenas perguntou se Mari queria um copo d’água.
Já a psicóloga ARTENIRA SILVA E SILVA SAUAIA teve que recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para acusar o Judiciário do Maranhão de incompetência em protegê-la da violência praticada pelo ex-marido, Hugo Moreira Lima Sauaia, advogado nascido em uma famosa família de gente do direito. A separação em 2009 já resultou em 16 processos – que até agora deram em... coisa alguma.
As mulheres estão sendo esmagadas. A sociedade, a imprensa, as igrejas, o Judiciário, o Congresso Nacional quase não têm feito nada. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro senta e ri diante de mais um e mais outro corpo que cai. “Eu não sou coveiro, pô!” – já disse ele diante dos mortos pela Covid, que até o último dia de 2020 havia produzido 194 mil cadáveres. Nesta virada para 2021, Bozo assiste de camarote, e prazerosamente, à síndrome das mulheres mortas, algo inaceitável e cruel que parece não ter fim.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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