Onde está a livre concorrência?
Cabe buscar verdadeiros parceiros comerciais, cuja parceria contribua para o desenvolvimento da indústria nacional
Por Eduardo Vasco - No começo de setembro, as grandes companhias siderúrgicas dos Estados Unidos exigiram de seu governo o retorno de tarifas antidumping sobre a importação de aço laminado plano resistente à corrosão do Brasil.
O governo americano revogou o direito antidumping (de sobretaxa das importações), no início do ano, sobre tubos soldados de aço do Brasil, que vigorava desde 1992.
Uma nova sobretaxa afetaria todos os exportadores brasileiros de aço galvanizado, uma vez que essa é uma das categorias primordiais de aço que nós exportamos e que os EUA são o nosso principal importador desse aço. O produto é usado no setor automotivo, da construção civil e de eletrodomésticos.
Os principais empresários do setor nos EUA citam, no documento entregue ao governo americano, as companhias brasileiras CSN, Usiminas, ArcelorMittal, Aço Cearense, Tuper Indústria Metalúrgica e Armco do Brasil (esta, subsidiária da matriz americana), além da Vale, que não fabrica aço desde 2022. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a CSN seria a maior afetada, sendo a principal exportadora brasileira de aço galvanizado para os EUA.
No primeiro semestre deste ano, o Brasil exportou 135,6 mil toneladas desse tipo de aço para os EUA, um aumento de 17,7% em comparação ao mesmo período de 2023.
Além do Brasil, os conglomerados do aço estadunidense exigem medidas governamentais contra as importações provenientes do México, Canadá, Holanda, Turquia, África do Sul, Emirados Árabes, Vietnã, Taiwan e Austrália.
Mas os Estados Unidos já impõem sérias ações antidumping contra os produtos brasileiros, independentemente do resultado do pedido das siderúrgicas locais. De acordo com o Valor Econômico, em 2023 os EUA importaram cerca de US$ 233 milhões em produtos brasileiros sujeitos a essas medidas, sendo o país com mais medidas protecionistas contra o Brasil.
Do valor total de importações sujeitas a medidas antidumping e compensatórias, 71% são de produtos da indústria de transformação e 29% da agropecuária. A Fiesp avalia que 83% das exportações afetadas por essa política em 2023 estão concentradas nos produtos de fio máquina carbono e cercas ligadas de aço, mel natural e folhas de alumínio. O setor mais afetado é precisamente a siderurgia, seguida pelo de alumínio.
O caso das medidas antidumping contra o Brasil é apenas um exemplo da política cada vez mais protecionista adotada pelo governo Biden. A China tem sido, de longe, o país mais afetado, mas isso revela a pressão interna dos gigantescos conglomerados industriais dos Estados Unidos por uma mudança de política econômica diante do desastre neoliberal de proporções bíblicas que acometeu a maior parte da indústria americana nas últimas décadas. Donald Trump, que pode ser o próximo presidente, é conhecido justamente por defender uma prática comercial extremamente protecionista.
Aliás, Trump já havia imposto uma tarifa de 25% à importação do aço brasileiro, em 2018, acusando os nossos exportadores de serem uma “ameaça à segurança nacional dos EUA”. Na verdade, parece que a própria existência de alguns países ou empresas é uma “ameaça à segurança nacional”, na visão dos pobres americanos. Barack Obama utilizou essa mesma fraseologia como desculpa para impor as criminosas sanções econômicas contra a Venezuela, em 2015 – causa principal da crise que se abateu em seguida sobre o país caribenho. Na mesma época, os EUA roubaram (essa é a expressão mais exata para a ação dos EUA) a CITGO, subsidiária da PDVSA venezuelana na América do Norte.
Claro que os EUA sempre estão sendo ameaçados, coitadinhos. Eles, por outro lado, são santos que nunca ameaçam ninguém. Invadem países e fazem guerras para se protegerem, ainda que a “ameaça” seja um pequeno país do outro lado do mundo, como a Coreia, o Vietnã, a Palestina ou o Irã.
Os EUA organizaram e patrocinaram o golpe de Estado em 2016, que destruiu as maiores empresas nacionais em áreas chave como petróleo, gás, construção civil e alimentação e abriu o mercado brasileiro para o saque das empresas americanas, concorrentes das brasileiras. Talvez ele também tenha sido descrito em algum documento secreto a ser revelado algum dia como uma defesa contra a “ameaça à segurança nacional dos EUA”.
A destruição da indústria nacional, que hoje representa menos de 10% do nosso PIB (o índice mais baixo em quase 80 anos) proporcionada pela Operação Lava Jato, que tirou mais de R$ 172 bilhões em investimentos do nosso país, foi apenas um episódio corriqueiro, não é? Natural. Afinal, os Estados Unidos nos fazem de colônia há cem anos.
Washington também promoveu o golpe de 2016 para, além de eliminar a concorrência das empresas e produtos brasileiros, minar os seus rivais chineses, que vinham firmando importantíssimas parcerias comerciais com o Brasil, de benefício mútuo. Quem se lembra das pressões sufocantes e desleais para que o Brasil trocasse o 5G da Huawei pelas companhias dos EUA, pouco depois do golpe?
As grandes potências imperialistas sempre foram adeptas da mais profunda hipocrisia. O seu próprio crescimento industrial, que as fez grandes nações imperialistas, só foi possível por meio de intensa política protecionista, ao mesmo tempo em que abriam mercados pela força dos canhões, como na Guerra do Ópio contra a China, para escoar sua produção.
Tais medidas que estão sendo tomadas pelos EUA são extremamente prejudiciais ao Brasil. A guerra na Ucrânia havia feito com que a União Europeia aumentasse em 830% a importação do aço brasileiro. Em 2021, o Brasil representava apenas 2% das importações de aço da UE e em 2022 esse índice subiu para 15%. Agora, ainda segundo a Fiesp, a sobretaxa nas tarifas executada pelos EUA pode forçar a redução dos preços das exportações brasileiras.
Essa é a velha política imperialista, aproveitando-se de seu predomínio sobre o Brasil – graças à imposição a nós do “livre mercado”!
Mas o que fazer, já que os Estados Unidos são o principal importador de aço galvanizado do Brasil? Pois é, a situação de exploração é tal que a semicolônia não tem muito para onde fugir. Uma alternativa seria aprofundar as parcerias com outros países importadores.
Isso teria um importante peso geopolítico. Sete dos 10 países que mais importam esse tipo de aço do Brasil estão na América Latina e no Caribe e um outro (os Emirados Árabes) agora é membro dos BRICS.
Diante de mais uma expressão do jugo ao qual o Brasil está submetido pelos EUA, cabe ao país que pretende se libertar minimamente adotar uma postura soberana e procurar quem tenha interesse em fazer negócios conosco ao invés de nos subjugar. Ou seja, cabe buscar verdadeiros parceiros comerciais, cuja parceria contribua para o desenvolvimento da indústria nacional em vez de significar uma subordinação que causa mais danos do que benefícios.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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