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    Jacqueline Muniz

    Antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública

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    Operação policial no Complexo do Salgueiro: a banalização de seu emprego e seus previsíveis efeitos

    "O principal cliente da polícia deve voltar a ser o cidadão e não o criminoso se queremos ter resultados", escreve Jacqueline Muniz

    (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

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    Operação policial é um recurso fundamental para atuar e reverter situações de elevado risco e perigo reais para a população e para os próprios policiais.  Operações policiais servem para fazer o relógio da insegurança, do medo e da violência andar para trás e não para “tocar um terror” nas favelas, como fazem os bandidos, e “esquentar a chapa” comprometendo o ir e vir da população. 

    Operação policial é um instrumento caro e nobre de repressão qualificada que exige um alto grau de padrão tático e de disciplina operacional, e que não pode ficar banalizado por aí, sendo empregado na lógica da balada improvisada do TAMO JUNTO E MISTURADO. Isto porque custam vidas, saúde e riquezas produzidas. Operação policial não pode virar um pau para toda obra e ser usado por qualquer um, de qualquer maneira e para qualquer coisa conforme a conveniência política e a necessidade de inventar publicidade positiva. Sobretudo, em uma realidade dramática na qual grupos criminosos exercem domínio armado sobre a maior parte da população da região metropolitana.  

    O uso banalizado das operações policiais faz o remédio amargo não surtir mais efeito e, com isso, aumenta a resistência armada à expectativa de presença, à própria presença e à ação policial propriamente dita.  Em termos concretos, vai para o ralo a oportunidade de rendição de agentes criminais, ficando em seu lugar a performance trágica da “trocação de tiro”, onde perde a polícia, o governo e a sociedade. O uso banalizado e marqueteiro das operações policiais sabota a superioridade de método da polícia, deixando o policial em desvantagem no enfrentamento de grupos armados, exausto, inseguro, com um dedo nervoso guiado pela cabeça quente e solitária, e com um coração aflito e abandonado a sua própria sorte. Transforma-se o cirurgião que deveria ter precisão cirúrgica no corte em um trocador de band-aid errado e que produz a ferida profunda ao invés de tratá-la.

    O resultado disto é a suspensão da rotina da população, é a vida parada e sob cerco de mais de 50 mil pessoas no Complexo do Salgueiro, e cujos prejuízos humanos, econômicos e materiais são impagáveis. A insegurança construída pela normalização das operações policiais excepcionais, desfiguradas em rotinas de exceção torna a população dos espaços populares prisioneira do presente imediato, refém da imprevisibilidade que impede que os sujeitos tenham acesso aos bens sociais e urbanos, melhorem suas vidas e possam acumular suas melhorias, ultrapassando as cercas da exclusão e da precariedade construídas pelas políticas de governo que exploram a insegurança como um projeto de poder. A insegurança fabricada pelas operações como o único modo de fazer polícia, ao suspender a circulação de pessoas, mercadorias e serviços essenciais, produz escassez de futuro nas periferias, cujos moradores não podem planejar suas vidas e pavimentar seus horizontes para além do agora para o daqui a pouco.  Compromete-se, com isso, as políticas sociais universais e os programas focalizados de redução da violência e acesso equânime e regular aos direitos. Onde se tem uma perfomatização cotidiana de enfrentamentos armados entre facções e destas com as polícias, não há como fazer prosperar a emancipação por direitos. Onde a bala come solto o social é acuado, se silencia ou vai embora. Tem-se um circuito de visibilidade política-policial que segue fazendo saldo operacional para governador: já passou pela Maré, segue por Jacarepaguá, vai para o Salgueiro e volta para serrinha e assim segue a caravana no teatro de operações. 

    O resultado disso é o aumento do risco de vitimização de cidadãos e policiais. O resultado disso é a morte de suspeitos e criminosos que são a galinha dos ovos de ouro do trabalho policial de investigação e de inteligência. Com a destruição das fontes e queima de arquivos, bate-se cabeça e fica-se refém dos amigos policiais da onça, necessitando tanto da compra de informações duvidosas de X9 quanto da dependência das chantagens de clientelas policiais que fazem uso da informação como um recurso pessoal e intransferível.  Matar bandido, uma mão de obra barata e descartável, presta um serviço ao crime organizado.  O crime agradece porque é “menos um CPF” para ser bancado pelo “CNPJ criminoso” na cadeia e fidelizado nas ruas. 

    Matança é um tiro no pé e na mão da polícia. É assim que ela vai perdendo a moral e a autoridade junto à população e se tornando uma força estrangeira em seu território de atuação. A polícia vai sendo vista como um invasor a mais enfraquecido pela perda da confiança pública, desguarnecido pela falta de apoio popular e em desvantagem crônica nas ocorrências diante da memória popular negativa reavivada e reforçada a cada ato corrupto ou violento praticado. Esta passa ser vista como mais uma facção violenta e, no descompasso do “tiro, porrada e bomba”, vai se tornando parte da engrenagem perversa, violenta e discriminatória da lógica da vingança institucional (“operação vingança” ou “operação Tróia”) e do acerto pessoal de contas que orienta as negociações e acordos dos domínios armados (milícia e tráfico) 

    Quando as operações policiais viram o único repertório disponível de intervenção policial nas favelas é porque o crime já passou a governar territórios e populações no lugar do Estado faz tempo, regulando os mercados ilícito e informal. É porque o arroz com feijão do policiamento, que garante a segurança pública no dia a dia, passou a ser feito pelo crime organizado como vemos com cancelas da milícia e barricadas do tráfico.  É quando a população fica no meio do fogo cruzado da “polícia de operações” e do “crime ostentação”. 

    É urgente rever a doutrina operacional das polícias fluminenses que já fazem 30 anos que enxugam um gelo tóxico no combate ao crime organizado que, previsivelmente, este só faz crescer no Estado e expandir para outras regiões com auxílio luxuoso da tal guerra às drogas. O principal cliente da polícia deve voltar a ser o cidadão e não o criminoso se queremos ter resultados para além do trocar o 6 por meia-dúzia mantendo a paz provisória do arrego e do cemitério.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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